quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

ESPANHA, IVA E MERCADO IMOBILIÁRIO: SERIA UMA BOA IDEIA?


Com as discussões sobre uma reforma tributária, muitos se questionam sobre as possíveis mudanças para o setor imobiliário no Brasil. Atualmente, este setor possui tratamento tributário específico sem estar submetido aos tributos sobre consumo (ICMS e ISS). Assim, é importante analisar os efeitos da imposição de um novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) na atividade imobiliária.

Para a incorporação, a legislação prevê o Regime Especial de Tributação (RET), cuja alíquota é de 4% sobre a receita (1%, no caso do programa Minha Casa, Minha Vida). Tal regime é a contrapartida aos custos decorrentes da afetação do patrimônio, medida que visa segregar o patrimônio da incorporação dos demais bens do incorporador para evitar que uma eventual má gestão prejudique adquirentes e credores – a exemplo do triste caso da incorporadora Encol, cuja falência afetou milhares de famílias.

Portanto, o legislador reconheceu as especificidades deste setor e sua importância para a economia brasileira, oferecendo um regime tributário que estimula a atividade, diminui os riscos de investimento e contribui para a redução do déficit habitacional brasileiro.

Ademais, as regras atuais estabelecem importante neutralidade tributária entre a atividade de locação (cerca de 14,53%, no lucro presumido) e os demais investimentos financeiros (em média, 15%). Como as alíquotas são equivalentes, a tributação não interfere na decisão do investidor, contribuindo para a alocação do capital nas atividades produtivas como a locação (e não apenas especulativas). Note-se que as regras atuais ainda garantem a isenção de diversos papéis imobiliários (FII, CRI, LCI, dentre outros), como forma de estimular o desenvolvimento do setor.

É importante esclarecer que esta tributação especial não é uma jabuticaba brasileira. Pelo contrário, a prática internacional indica que a maioria dos países com tributação pelo IVA previu uma tributação específica para o setor imobiliário, e temos como exemplo Alemanha, Chile, Estados Unidos, Portugal, Reino Unido e Espanha.

A Espanha é um bom exemplo de País que prevê diversas regras diferenciadas para as atividades imobiliárias, quais sejam: (i) carga reduzida para incorporação relacionada a imóveis residenciais; (ii) isenção para terrenos não construídos; (iii) alíquota de 3,75% para regimes especiais destinados às empresas de locação; e (iv) alíquotas reduzidas para atividades exercidas através de certos instrumentos financeiros (Real Estate Investment Fund e Real Estate Investment Companies).

Embora a discussão sobre o IVA seja bem-vinda, a imposição deste tributo sobre toda e qualquer atividade deve ser ponderada. Afinal, ela ensejaria um aumento abrupto da carga fiscal sobre o setor imobiliário, desconsiderando as especificidades e a importância do setor, já reconhecidas internacionalmente.

Ora, a opção desses países não deriva de uma predileção gratuita, mas da compreensão de que o setor exerce – sobretudo – a função social de reduzir o déficit habitacional. No caso do Brasil, ainda há uma questão jurídica relevante: onerar excessivamente o setor caminha na direção contrária do direito de acesso à moradia, previsto na Constituição.

Por Ricardo Lacaz Martins, especialista em direito tributário, e Caroline Ribeiro Pacheco, bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo e graduanda em Ciências Contábeis pela Fundação Instituto de Pesquisas Contáveis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI).
Fonte: Coluna FIABCI-Brasil de hoje.

NOTA DO EDITOR: A proposta do Imposto sobre Valor Agregado visa reduzir a burocracia brasileira ao adotar um tributo geral sobre o consumo que substitua o PIS, o Cofins e o IPI (tributos federais); o ISS (tributo municipal); e até o ICMS (tributo estadual).

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