quarta-feira, 24 de agosto de 2016

A GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NOS CONTRATOS HABITACIONAIS


1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Presente artigo vai demonstrar de forma teórica o que na prática já se verifica no âmbito do Sistema Financeiro imobiliário. Durante muito tempo os financiamentos habitacionais eram garantidos por hipoteca, direito real de garantia de natureza cível que grava a coisa imóvel ou bem que a lei entende por habitacional, sem transmissão de posse ao credor. A hipoteca se caracterizava como de difícil execução, daí o alto índice de inadimplemento do setor, estando a carteira de financiamento habitacional praticamente fechada, atuando apenas a Caixa Econômica Federal, com lastro do Governo Federal em planos de moradia populacional, restringindo assim a possibilidade econômica de negócios voltados para classe média e alta, mormente em um período de alta de inflação.

A mudança de legislação ocorrida com o advento da lei 9.514/97, que permite a alienação fiduciária de bens imóveis , os contratos de adesão ficaram mais favoráveis aos credores e no âmbito do SFI, protagonizado pela Caixa Econômica Federal, a inadimplência caiu significativamente, por outro lado as modalidades de financiamento foram ampliadas favorecendo a todas as camadas da população e a indústria de construção civil que obteve um aquecimento importante nos últimos anos , gerando emprego e renda.Com as novas regras no caso de inadimplência por parte do adquirente do financiamentos, a ações de cobrança, execução e tomada do imóvel são bem mais céleres proporcionando um nível maior de profissionalismo nos financiamentos habitacionais, seja na análise do projeto, análise econômico financeira das entidades de construção civil, seja na análise da situação financeira dos adquirentes dos imóveis.

2 DA HIPOTECA

A hipoteca é um direito de garantia que tem por objeto bens imóveis, navio ou avião pertencentes ao devedor ou terceiro e que embora não entregues ao credor, asseguram-lhe o recebimento do crédito. As principais características da hipoteca são: Direito real de garantia, vincula o bem gravado; possui natureza civil, disciplinado pelo artigos 1473 e 1506 do código civil; tem caráter acessório, direito real criado para assegurar a eficácia de um direito pessoal; assenta-se nos princípios da publicidade e especialidade.

Art. 1.473. Podem ser objeto de hipoteca:

I - os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles;

II - o domínio direto;

III - o domínio útil;

IV - as estradas de ferro;

V - os recursos naturais a que se refere o art. 1.230, independentemente do solo onde se acham;

VI - os navios;

VII - as aeronaves.

Parágrafo único. A hipoteca dos navios e das aeronaves reger-se-á pelo disposto em lei especial.

Para que tenha validade a hipoteca deva preencher certos requisitos, objetivos e subjetivos que determinam sua eficácia. Dentre os requisitos objetivos afirma-se que a hipoteca recai sobre bens imóveis embora possam estar ligados em casos especiais a coisas móveis e é necessário que sejam alienáveis, então podem ser objeto de hipoteca os imóveis conforme artigo 1473, inciso I do código civil e artigo 79.

Entre os requisitos subjetivos, a capacidade do devedor pressupõe a de poder hipotecar, já que se o débito não for pago deverá ser vendido em leilão conforme preceitua o artigo 1420 do código civil. Quanto ao requisito formal verifica-se que a garantia de hipoteca envolve título constitutivo, a especialização e o registro no cartório de registro de imóveis. O contrato de hipoteca segue o principal de financiamento imobiliário gravado mesmo cartório da situação do bem , onde é processada a desalienação no final do contrato.

A utilização da hipoteca está cada vez mais restrita no âmbito dos financiamentos imobiliários e vários argumentos são expostos acerca dessa situação. O direito do credor hipotecário mantém-se suspenso até o prazo para o adimplemento da obrigação principal, lembrando que a garantia é acessória, enquanto isso o devedor permanece com todos atributos dominiais, inclusive dispor dos bens, e só após sua arrematação perderá a posse. Outra situação é que, ao contrário de alienação fiduciária, em que o leilão extrajudicial é uma via célere, em se tratando de hipoteca, no caso de inadimplência há que haver execução judicial, com posterior penhora de bens, para depois levantá-lo em hasta pública, o que aumenta o prazo para recuperação do crédito.

Outro argumento importante e contrário à utilização da hipoteca é a possibilidade do bem hipotecado integrar a massa falida, podendo frustrar o recebimento do credor hipotecário.

Art. 1.483. No caso de falência, ou insolvência, do devedor hipotecário, o direito de remição defere-se à massa, ou aos credores em concurso, não podendo o credor recusar o preço da avaliação do imóvel.

Essa situação se justifica pelo fato de que o devedor não transfere a propriedade do bem ao credor. Por meio dessa modalidade, o devedor retém o bem , apenas gravando-o para garantia de uma obrigação, permanecendo então com direito de aliená-lo, ou mesmo ofertá-lo como garantia de outra dívida.

3 DA ALIENAÇÃO FIDUCÁRIA

A alienação fiduciária foi introduzida no Brasil através das Leis 4.725/65, o Decreto – Lei 999/69, a Lei 6.071/74 e a Lei 9.514/97( arts. 22 e 23 ) à semelhança da fidúcia com credditore do romanos, que já tinha naquela época caráter assecuratório, pois o devedor vendia seus bens ao credor , sob a condição de recuperá-los se, dentro de certo prazo efetuasse o pagamento do débito.

A principal característica da alienação fiduciária consiste na transferência feita pelo devedor ao credor da propriedade resolúvel e da posse indireta de um bem infungível ou fungível, ou ainda de um bem imóvel como garantia do seu débito, resolvendo-se o direito do adquirente com o adimplemento da obrigação. A Lei 9.514/97 veio então regular a alienação fiduciária de bem imóveis. 

Alienação Fiduciária de Coisa Imóvel

Art 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

Art 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título

parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.

Trata-se então de um negócio jurídico uno, como ensina Maria Helena Diniz, embora composto de duas relações jurídicas: uma obrigacional referente ao débito contraído, e outra real expressa pela garantia, que é ato de alienação temporária, uma vez que o fiduciário recebe o bem não para tê-lo como próprio, mas para restituí-lo com o pagamento da dívida. O credor fiduciário adquire a propriedade resolúvel e a posse indireta de bem móvel ou imóvel, em garantia de financiamento efetuado pelo devedor alienante, resolvendo-se o direito do credor fiduciário com o adimplemento da dívida garantida.

Assim a alienação fiduciária apresenta a seguintes características: bilateralidade, pois cria obrigações tanto para o fiduciário como para o fiduciante; é oneroso, beneficia ambos com crédito para um e garantia para outro; formal, pois requer instrumento escrito público ou particular, é indivisível, pois o pagamento de uma ou mais prestações não implica exoneração da garantia exceto disposição em contrário no título ou quitação.

Na alienação fiduciária devem ser observados os requisitos subjetivos, objetivos e formais, considerando sua destinação econômica e finalidade assecuratória. Quanto aos requisitos subjetivos podem alienar em garantia qualquer pessoa natural ou jurídica de direito público ou privado, então devem possuir capacidade genérica para atos da vida civil e capacidade de disposição e, portanto o domínio do bem dado em garantia. O campo de atuação do instituto em discussão é bastante amplo, e no caso em estudo os requisitos objetivos recaem em coisas imóveis e especificamente na Lei 9.514/97, que regula a alienação de coisa imóvel nos arts 22 a 33, elencando todas as possibilidades de aplicação dessa garantia. Como requisito formal deve-se acrescentar que um bem dado em garantia deve ser acompanhado de instrumento de contrato público ou particular, valendo contra terceiros e oponível erga omnes, nesse contrato deve estar descrito o valor da dívida, prazo índices econômicos aplicados e tudo o mais que se fizer para que o documento tenha valor legal contra todos.

4 FINANCIAMENTO HABITACIONAL NO BRASIL 

A evolução da construção habitacional nos últimos anos refletiu, em grande parte, as mudanças institucionais implementadas em 2004, com o intuito de reverter a estagnação do setor. Foram adotadas medidas alterando o arcabouço jurídico, tais como: criação do patrimônio de afetação para incorporações imobiliárias, resguardando os mutuários de insolvência e falência das incorporadoras; introdução da alienação fiduciária, instrumento que reduz o prazo de recuperação do imóvel inadimplente; e a desoneração tributária do setor. Essas medidas associadas ao ciclo de expansão econômica contribuíram para retomada dos financiamentos habitacionais e impulsionaram a atividade no setor.

O comportamento da inadimplência se constituiu num aspecto determinante para expansão do crédito imobiliário. Nesse sentido as alterações jurídicas foram determinantes pois geram mais confiança na contratação e segurança jurídica propiciando instrumentos céleres para se reaver o crédito ou imóvel no caso de inadimplência. 

Um dos elementos mais recentes da institucionalização do financiamento habitacional no Brasil foi a criação do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), em 1997, pela Lei n. 9.514. Cabe, novamente, a distinção entre habitacional e imobiliário: o objetivo do novo sistema não é apoiar exclusivamente o setor habitacional, mas sim o conjunto de operações imobiliárias (imóveis comerciais, de escritórios, etc.), ainda que a necessidade de redução do déficit habitacional do país tenha sido usada como argumento retórico importante para a sua criação. Nesse sentido, o maior problema que se buscava gerir por meio da criação do SFI seria a dificuldade de fontes de financiamento de prazo mais longo, compatível com as necessidades das atividades imobiliárias; problema que na verdade não é exclusivo do setor imobiliário, mas que persiste como elemento estrutural da economia brasileira. Nesse sentido, a Lei n. 9.514 criou os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e seus emissores, as Companhias Securitizadoras de Créditos Imobiliários.

Aos CRI, foram somados, posteriormente, novos instrumentos como as Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e as Cédulas de Crédito Imobiliário (CCI) (Medida Provisória n. 2.223/2001, transformada na Lei n. 10.931/2004).Além disso, também foi introduzida, em 1997, a alienação fiduciária que, grosso modo, separa os ativos que funcionam como lastro das operações com CRI do patrimônio de seus emissores, aumentando a segurança dos investimentos nesses instrumentos. Em 2001, a Medida Provisória n. 2.221 (incorporada na Lei n. 10.931 de 2004) reforçou novamente a segurança jurídica das operações do sistema ao instituir o patrimônio de afetação, prevendo, assim, a separação dos recursos captados para o financiamento de um determinado projeto imobiliário do patrimônio da incorporadora responsável. O volume de operações do SFI levou quase dez anos para deslanchar: só a partir de 2008 o volume de emissões de CRI passou a crescer sistematicamente, levando o valor do seu estoque (registrado na Cetip) de R$ 3 bilhões, em janeiro de 2008, para R$ 27,8 bilhões em dezembro de 2011.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Caixa econômica Federal assumiu as funções do extinto Banco Nacional de Habitação, e desde então fomenta os projetos habitacionais no país seja por iniciativa própria seja por programas governamentais utilizando para isso recursos das poupanças e do FGTS. Como já dito em seção anterior os financiamentos habitacionais nas décadas de oitenta e noventa estavam quase que fechados restringindo-se a programas do governo federal, isso muito tem haver com a alta inadimplência do setor e condições desfavoráveis ao credor imobiliário para reaver seu crédito. Uma das muitas ações que viabilizam a mudança de rota foi a criação da EMGEA, empresa gestora de ativos que num dado momento recebeu ativos imobiliários da Caixa de acordo com a MP 2.155 de de 22 de junho de 2001, a fim de que novos financiamentos não sofressem com a gestão e problemas oriundos da antiga sistemática adotada tanto pelo BNH como pela Caixa.

Dispõe a MP 2.155 entre outras ações:

Art. 6º Fica a União autorizada a:

I - permutar, por títulos de emissão do Tesouro Nacional

b) com o BASA e com a CEF, os créditos referentes a refinanciamentos celebrados ao amparo da Lei nº 8.727, de 5 de novembro de 1993, considerados pelo saldo devedor atualizado; e c)com a CEF e com a empresa EMGEA, a que se refere o art. 7º, os créditos decorrentes de obrigações novadas com base na Lei nº 10.150, de 21 de dezembro de 2000, considerados pelo valor de face; e

II - adquirir:

a) da CEF, créditos decorrentes de operações realizadas diretamente com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS;

Então pode ser verificado que à partir dessas ações os mercado imobiliário cresceu bastante, a Caixa econômica Federal conta hoje com diversas linhas de financiamento seja com recursos do FGTS como da poupança, seja para unidades isoladas como para empreendimentos haja vista a diversas legislações que trouxeram mais segurança jurídica tanto para construtores, financeiras e bancos e os mutuários.

Nesse cenário a garantia de Alienação fiduciária entra como instrumento facilitador dessas negociações. O cliente adquirente de imóveis já conhece todo o contrato de adesão, e como funciona no caso de inadimplência, razão pela qual essa taxa caiu bastante nos últimos anos. 

O déficit habitacional ainda não solucionado, tem sido uma das prioridades dos governos desde meados da década de noventa e á partir do ano de 2009 o programa minha casa minha vida assume o papel de redentor das famílias mais pobres a fim de prover moradia para todos, inclusive com subsídios disponibilizados pelo governo federal, além de mecanismos facilitadores para que torne atrativo para construtoras edificar para cliente com renda até três salários mínimos. A Caixa tem administrado bem esse programa e o acesso tem sido facilitado pelo apoio dos governos estaduais, os programas habitacionais deixaram de ser um fardo para ser um negócio rentável para todos os envolvidos.

REFERÊNCIAS

Diniz, Maria Helena. Curso de Direito civil brasileiro. Volume 4. Direito das coisas. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 5. Direito das coisas. 6.ed. São Paulo, 2010.

FUNDAB(2012). A evolução do financiamento habitacional no Brasil, entre 2005 e 2011,e o desempenho de novos instrumentos financeiros. Disponível em: www.fudab.sp.gov.br. Acessado em: 12 mai. 2013.

André Luis Veneza Nascimento - Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Católica do Salvador, Pós Graduado em Gestão Empresarial, pela Universidade Estadual do Piauí, e Bacharel e Direito pela Faculdade São Gabriel- NOVAUNESC. Advogado OAB 14398-PI, Empregado da Caixa Econômica Federal desde maio/1989.
Fonte: Artigos Jus Navigandi

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