Recentemente apareceram, no mercado, sites especializados em locação de imóveis por diárias, o que vem trazendo problemas aos condomínios estritamente residenciais.
O condômino pode dispor da sua unidade conforme melhor lhe convier, que é um direito que lhe assiste por força do Art. 1.335 do Código Civil e em função do exercício regular do direito de propriedade descrito na Constituição Federal. Por outro lado, existem limitações ao exercício desse direito, e o limite é a perturbação ao sossego, saúde, segurança e aos bons costumes daqueles que detêm a copropriedade, além das limitações impostas pelo direito de vizinhança (Art. 1.277 e1.336, IV do CC). E, ainda, na Teoria da pluralidade dos direitos, há limitação ao exercício do direito de propriedade em função da supremacia do interesse coletivo daqueles condôminos (em geral) diante do direito individual de cada condômino.
É lícito ao proprietário emprestar a sua unidade, ocupá-la pelo número de pessoas que julgar conveniente, seja a título gratuito ou oneroso, não cabendo ao condomínio regular tal prática, salvo se a mesma estiver interferindo na rotina do prédio, ou seja, causando perturbação ao sossego, saúde, segurança, aos bons costumes, ou estiver desviando a finalidade do prédio.
Desta forma, a locação por meio de um site comercial, por si só, não infringe a lei de locações. O que desobedece a legislação e a Convenção do Condomínio no caso em questão é a mudança de finalidade da edificação. É dever de todo condômino dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação ( Art. 1.336,IV, do CC), e locar o bem por dia é característica dos meios de hospedagem e depende de enquadramento específico DECRETO Nº 84.910, DE 15 DE JULHO DE 1980. Assim, fazê-lo desvia a finalidade de um edifício restritamente residencial, além de não cumprir os requisitos que disciplinam a hospedagem.
Na prática, a grande maioria dos casos realizados pelo sistema de diárias perturbam a vida dos prédios residências e desviam a finalidade das edificações, que é estritamente residencial. Temos os defensores desta modalidade de “locação” por sites especializados por diárias, os quais defendem que, na lei de locações, existe a possibilidade de locação por temporada por prazo de até 90 dias.
É certo que a locação por temporada, com respaldo na lei de locações, e sem desvirtuar a finalidade da edificação, poderia ocorrer por curtos períodos de tempo, porém, a prática constante, somada à necessidade de utilização da estrutura do prédio (garagens, salão de festas, piscina) e os serviços adicionais quase sempre oferecidos (mobília, limpeza, serviços em geral), desvirtuam a locação por temporada e se enquadram na hospedagem que é disciplinada em lei específica a qual não incluem o condomínio edilício no rol de locais aptos a funcionar nessa modalidade
A Portaria nº 100/2011 do Ministério do Turismo, o Sistema Brasileiro de Classificação de Meios de Hospedagem (SBClass) e o art. 23, caput, da Lei Federal nº 11.771 de 2008, dispõem sobre a Política Nacional de Turismo nos seguintes termos:
“Art. 23. Consideram-se meios de hospedagem os empreendimentos ou estabelecimentos, independentemente de sua forma de constituição, destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de freqüência individual e de uso exclusivo do hóspede, bem como outros serviços necessários aos usuários, denominados de serviços de hospedagem, mediante adoção de instrumento contratual, tácito ou expresso, e cobrança de diária.’.
Ainda, deve ser observado o disposto no DECRETO Nº 84.910, DE 15 DE JULHO DE 1980, que dispõe: “ Art . 3º - Somente poderão explorar ou administrar Meios de Hospedagem de Turismo, Restaurantes de Turismo e Acampamentos Turísticos, no País, empresas ou entidades registradas na Empresa Brasileira de Turismo – EMBRATUR.”.
Assim, fica claro que a “locação” por diárias é exclusiva de meios de hospedagem, e é necessário que o estabelecimento seja enquadrado como comercial e tenha autorização de funcionamento, sendo que um prédio residencial não pode funcionar dessa forma por inúmeros fatores, inclusive sob pena de autuação da municipalidade.
E, no caso em questão, não podemos dizer que a prática realizada seja uma locação por temporada, uma vez que tem características de hospedagem, “há um misto de contrato de locação de coisa e de locação de serviços, caracterizando, muito mais, o contrato atípico de hospedagem”, como aduziu Sylvio Capanema de Souza.
A locação por diária, a qual vem ocorrendo por meio de sites especializados, vem representando efetivamente uma concorrência aos apart-hotéis, flats e similares, e, por isso, desvia da finalidade do edifício, traz encargo extra à portaria, que, na maioria das vezes, fica responsável por liberar as chaves, cadastrar veículos, liberar acesso às áreas comuns e carrinho de supermercado.
E, nesse sentido, os tribunais regionais têm decidido com base na teoria da pluralidade dos direitos limitados: Em função das múltiplas propriedades dentro do condomínio, existe limite entre o exercício do direito de propriedade individual e o interesse coletivo.
De tal modo, o que deve prevalecer é a análise do caso concreto, sendo fato notório que empregar o apartamento em sites a locações por diárias, como se fossem apart-hotéis, interfere na finalidade residencial de um condomínio, porém, utilizar o mesmo site e firmar locações mais longínquas pode se enquadrar no esperado pelo condomínio, que deve prontamente se reunir a fim de regrar as condições necessárias para o seu funcionamento.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. LOCAÇÃO DE APARTAMENTOS PARA TEMPORADA VETADA PELO CONDOMÍNIO. PRAZO PARA CESSAÇÃO DA LOCAÇÃO E MULTA, PARA A HIPÓTESE DE DESCUMPRIMENTO DA CITADA REGRA PROIBITIVA, FIXADOS EM ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA. RESTRIÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE RESPALDADA NA TEORIA DA PLURALIDADE DOS DIREITOS LIMITADOS. PRECEDENTE DO E. STJ. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA REALIZADO NA AGE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR. 1. A Convenção do Condomínio, ora Recorrido, prevê a aplicação de multa para o condômino que destinar o apartamento para finalidade diversa do prédio, que é residencial. 2. O Regulamento Interno estabelece o procedimento que deve ser observado na hipótese de aplicação de multa, o termo inicial de sua incidência e a possibilidade de recurso administrativo. 3. Improcedente a alegação do ora Recorrente de que não há previsão nas regras internas do Condomínio, ora Recorrido, que assegurem o exercício da ampla defesa ou interposição de recurso administrativo. 4. O Autor, ora Apelante, compareceu à AGE de 19/12/2013, na qual a locação dos apartamentos por temporada foi vetada, mesmo depois de expor suas razões, tendo sido anotado prazo para encerramento daquela atividade - 30 dias -, sob pena de multa diária prevista no Regimento Interno -, a incidir a partir de 19/01/2014. 5. Contraditório e ampla defesa respeitados na AGE. 6. Termo inicial da sanção pecuniária fixado na ata da AGE: 19/01/2014. 7. Honorários advocatícios de sucumbência reduzidos para R$ 500,00 (quinhentos reais) tendo em vista a pouca complexidade da causa e o trabalho desenvolvido pelos causídicos no processo. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJ-RJ - APL: 00750330320148190001 RJ 0075033-03.2014.8.19.0001, Relator: DES. FERNANDO CERQUEIRA CHAGAS, Data de Julgamento: 15/04/2015, DÉCIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 17/04/2015 13:12)
Rodrigo Karpat - Advogado especialista em Direito Imobiliário, consultor em condomínios e sócio do escritório Karpat Sociedade de Advogados.
Fonte: Artigos Jus Navigandi
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