sexta-feira, 4 de março de 2016

AS PECULIARIDADES DO CONTRATO DE LOCAÇÃO EM SHOPPING CENTER


Os contratos de cessão de uso de espaços em shopping center, celebrados entre empreendedor e lojistas, são contratos típicos de locação, regidos pela lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato). No entanto, reconhecendo a especialidade da relação locatícia desses contratos, o texto legislativo estabelece regra que assegura a prevalência das condições livremente pactuadas, garantindo maior liberdade e autonomia contratual diante das particularidades do shopping. É necessário, portanto, que o lojista seja bem assistido por profissionais jurídicos especializados, evitando abusos e prejuízos ao seu negócio.

Embora o contrato-base das relações jurídicas entre empreendedor e lojista seja o de locação não-residencial, existem cláusulas comumente estipuladas que fogem daquelas tradicionais previstas nos contratos de locação de imóvel. O artigo 54 da Lei do Inquilinato admite expressamente a autonomia privada em relação ao conteúdo dos contratos de shopping center; contudo, a lei também prevê restrições, como a vedação à renovação contratual, estipulação de multas para a renovatória, reajustes de aluguéis fora dos casos admitidos em lei, entre outras. A Lei do Inquilinato, no que tange ao shopping center, não tem o objetivo de prejudicar os direitos ou interesses dos lojistas, mas também tutela os direitos e interesses do empreendedor, garantindo a prevalência da autonomia da vontade[1].

Dessa forma, devem ser consideradas proibidas apenas cláusulas que sejam demasiadamente favoráveis ao locador-empreendedor; as cláusulas peculiares ao empreendimento de shopping center, para serem válidas, devem estar revestidas de razoabilidade. Nesta seara, existem algumas cláusulas mais importantes comuns à maioria dos contratos entre empreendedores e lojistas que suscitam questões acerca de legitimidade e razoabilidade.

Primeiramente, merece destaque a cláusula que versa sobre o aluguel percentual e o aluguel mínimo. O aluguel percentual é variável, calculado sobre o faturamento bruto do lojista (em regra, esse percentual é de 7%).[2] O aluguel mínimo, por sua vez, é uma quantia fixa estabelecida, devida na eventualidade do valor do aluguel percentual não alcançar o valor da quantia fixa. Essa cláusula tem sido considerada legítima e lícita, mas deve respeitar os limites impostos pela lei, como a periodicidade de correção do aluguel mínimo, por exemplo. Quanto ao aluguel percentual, em regra ele não deve ser alterado, com duas ressalvas: se o empreendedor, posteriormente, fixar percentual menor em contratos com outros lojistas de comércio semelhante; ou se ocorrer a resilição do contrato de locação da loja-âncora, sem a substituição por outra de igual porte e poder de atração, o que prejudicaria o faturamento das lojas-satélites.[3] Nestes casos, o pedido de redução do aluguel percentual pode ser negociado com o empreendedor, ou mesmo discutido por via judicial.

Outra cláusula de destaque é em relação à fiscalização das contas do lojista, diretamente relacionada à de estipulação de aluguel percentual. Ela é perfeitamente justificável, garantindo o direito do empreendedor de fiscalizar amplamente o caixa do lojista para precisar o faturamento bruto periódico. O descumprimento da cláusula de fiscalização com a recusa do locatário em admitir o controle pelo empreendedor é motivo para rescisão do contrato com o consequente despejo por infração contratual. No entanto, não pode haver abuso por parte do empreendedor, identificável pelo comprometimento da própria atividade do lojista. É lógico, também, que, na ausência de aluguel percentual, a cláusula de fiscalização das contas do lojista é injustificável e desarrazoada[4].

A cláusula que prevê aluguel em dobro em dezembro, comumente estabelecida nas locações em shopping center, tem sido considerada válida. Ela se mostra razoável na medida em que, no mês de dezembro, as despesas com a administração doshopping, arcadas pelo empreendedor, são maiores. Com o maior número de consumidores, são necessárias contratações para limpeza, segurança e organização. Existem também despesas como o décimo-terceiro salário dos empregados permanentes, além de eventos e promoções em decorrência das festividades do fim de ano.

Sobre cláusula que proíbe a cessão do contrato de locação, ela é considerada inválida, já que não existe razão para distinguir, nesse ponto, a locação em shopping center das outras locações não-residenciais. Contudo, a despeito do impedimento de cláusula proibitiva, a lei estipula que seja buscada a autorização do locador-empreendedor. Sua recusa, no entanto, deve ser motivada, com bases reais e relevantes, para evitar arbitrariedade por parte do locador.

Outra cláusula polêmica é aquela referente à imutabilidade do ramo de comércio ou prestação de serviços do locatório-lojista. Essa cláusula é válida, justificada por uma das principais características de um shopping center: o tenant mix. Trata-se de cuidadosa análise técnica, que regula a distribuição das lojas e serviços para o melhor aproveitamento do espaço e da circulação de pessoas de acordo com os diversos ramos. A cláusula de imutabilidade, portanto, visa garantir o planejamento e organização concebidos pelo empreendedor.

Controversa, também, é a que estabelece a obrigação do lojista em respeitar os projetos de instalação e decoração da loja determinados pelo empreendedor, que pode, inclusive, determinar um rol de pessoas especializadas para escolha do lojista. Essa cláusula se justifica pela diferenciação do shopping center do modelo tradicional de lojas de construções independentes: a homogeneidade do empreendimento e a harmonia do conjunto visam proporcionar maior atratividade ao consumo, num ambiente com mais sofisticação.

Por fim, para exemplificar outra previsão contratual controversa, é comum a proibitiva de abertura de loja próxima, que consiste na proibição do lojista de explorar outro estabelecimento do mesmo ramo, dentro de certa distância do shopping center(normalmente de dois quilômetros e meio) sem o expresso consentimento do empreendedor. Apesar de a doutrina entender que a cláusula é violadora de regras e princípios constitucionais e infraconstitucionais, a justiça tem reconhecido a sua validade, baseando-se nos fundamentos e princípios da liberdade contratual e autonomia da vontade.

Como foi disposto, existem diversas cláusulas peculiares à locação em shopping center. Muitas delas são polêmicas, e ensejam grandes debates jurídicos. O locatário-lojista, por óbvio, não tem igual posição ao empreendedor em relação à celebração do contrato; no entanto, a lei reveste os dois lados de garantias e direitos. Cabe ao lojista, portanto, defender o seu negócio, suprindo a sua vulnerabilidade jurídica mediante a consulta a profissionais especializados.

[1] CARNEIRO, Waldir de Arruda Miranda, “Anotações à Lei do Inquilinato”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 418.

[2] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.139.

[3] LEMKE, Nardim Darcy. Shopping Center. Blumenau: Acadêmica Publicações, 1999, p. 133-134.

[4] Idem, p. 137-138.

Lorena Viterbo - Graduada em Direito na UFBA, com experiência no desenvolvimento de negócios imobiliários. Coordenadora do núcleo de Direito Imobiliário Empresarial do escritório Chezzi Advogados. Monitora especialista da Pós em Direito e Gestão Imobiliária pela Faculdade Baiana de Direito e Gestão.
Fonte: Artigos JusBrasil

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