domingo, 17 de janeiro de 2021

Reajuste de aluguel em tempos de Covid-19


A pandemia da Covid-19 tomou gigantescas proporções no setor locatício, na medida em que diversas pessoas tiveram suas rendas afetadas pela crise econômica que o país enfrenta.

De um lado temos o locatário, que em decorrência do decreto de quarentena pode ter sido diretamente afetado, tendo sua renda drasticamente diminuída ou até mesmo zerada. Lado outro, temos o locador, que pode vir a ter como principal fonte de renda os valores advindos dos contratos de aluguel. Visando a essa situação, se busca equilibrar ambas as partes na resolução do conflito.

De início, no diálogo que deve ser estabelecido entre as partes, deve-se impor o uso da boa-fé, acompanhada de profissionais especializados em negociações para buscar restabelecer um equilíbrio entre as partes que venha a suportar as dificuldades da crise vivida, daí a importância de legislador ter inserido em nosso ordenamento jurídico a previsão da utilização de mediação, vide artigos 165 a 175 do Código de Processo Civil.

O amparo jurídico para determinado auxílio se encontra na Lei do Inquilinato em seu artigo 18, o qual afirma que as partes podem definir um novo valor do aluguel, bem como inserir ou modificar cláusulas de reajuste. Tal princípio decorre diretamente da ideia de que o contrato faz lei entre as partes, mas podem estas modificá-las a bom senso, desde que não haja restrições legais e abusividades para tanto. Além disso, o Código Civil, nos artigos 317, 478 e 393, aborda formas de correção e alterações contratuais em situações imprevisíveis e de caso fortuito ou força maior.

Ao analisarmos os fundamentos jurídicos citados anteriormente, nos deparamos com a definição dos termos "caso fortuito ou de força maior" e "acontecimentos extraordinários e imprevisíveis", os quais nos remetem à ideia de fatos que não dependem da vontade das partes e, portanto, impremeditados, porém causam consequências ou efeitos para outras pessoas, mas não geram responsabilidade e nem o direito de indenização.

Diante desse cenário do nosso ordenamento, a sua aplicação durante a crise mundial decorrente da presença do coronavírus se adequa aos termos citados anteriormente, pois geram impactos na economia mundial. Após a decretação de calamidade pública (Decreto n° 30.071) e a recomendação do isolamento social, os contratos de locação vêm sofrendo alterações movidas pelo bom senso e pela boa-fé das partes na relação jurídica, visando à possibilidade de acordos. Esses acordos devem ser pautados pelo princípio da solidariedade, da lealdade e da cooperação entre as partes.

Após as partes chegarem a um acordo, com o auxílio de um advogado deve ser realizado um termo aditivo, no qual deve o objeto de alterar as condições do contrato devido à pandemia, com o fim de buscar o equilíbrio contratual para fins de alterar o contrato.

Algumas das opções viáveis para a adequação do contrato são a condição temporária de desconto no aluguel; a suspensão integral dos pagamentos com prorrogação de tempo maior; o pagamento percentual de parte do valor acordado; o não reajuste anual do aluguel; e o desfazimento do contrato.

O Judiciário, após essa situação, que tem tomado tamanha repercussão, vem analisando julgamentos e fixando a decisão de diminuição do valor originário da locação.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, em um julgado de agravo de instrumento que abordava o tema, definiu que a situação deve ser considerada como um caso fortuito ou de força maior, o que impede que o contrato continue vigorando em seus termos firmados, fazendo com que haja a necessidade de readequação do aluguel, no caso avaliada em 30% [1].

Observando o entendido adotado pelos tribunais e a proporção com que a situação agravou os contratos de locação, podemos concluir que há um desequilíbrio no contrato gerado pela situação e o sentido que deveria ser adotado nas demasiadas situações seria o de que o devedor deveria devolver o imóvel ao locatário, visando ao não prejuízo de nenhuma das partes. Para chegarmos a essa conclusão, realizamos uma análise dos prejuízos e dos prejudicados e nos deparamos com o seguinte caso: ao vermos com os olhos da imparcialidade, temos os agravantes, que necessitam dos valores da locação para sustento seu e de seus familiares, e o agravado, que sofreu alterações em sua renda familiar, a qual também é utilizada para seu sustento.

Assim, colocamos as partes em maneira igualitária no que tange à necessidade do montante e sem analisarmos o ônus da pandemia, pois o mesmo acarreta em prejuízo para os dois lados, temos como melhor solução a decisão já funcional anteriormente, como a devolução do imóvel, não havendo mora prejudicial a ambas as partes.

Além disso, há pedidos de revisão contratual de pessoas jurídicas, as quais devem apresentar seus prejuízos como forma de prova, mas há diversas empresas que não sofreram impacto suficiente para comprovar determinado prejuízo e utilizam da má-fé e do oportunismo para auferir vantagem desigual. Ademais, como ressaltou o desembargador Carlos Henrique Miguel Trevisan, da 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a questão de perigo de danos merece dois olhares. "Além disso, não há como avaliar neste momento e desde logo que os efeitos das normas baixadas pelo poder público em decorrência da pandemia da Covid-19, são mais maléficos aos locatários de imóveis do que aos locadores" [2].

Contudo, acreditamos que as situações devem ser analisadas caso a caso, advindo de que toda e qualquer situação deve ser comprovada por meio de provas que demonstrem o impacto sofrido no período vigente da pandemia, sendo o ônus da prova cabível a quem apresenta a indagação.

De tal maneira, aplicando os princípios contratuais utilizados pela doutrina, é necessário olhar de forma mais cautelosa a revisão contratual, baseada na teoria de imprevisão. Denota-se que, sobre a cláusula rebus sic standibus. sua aplicação independente da previsão expressa no contrato discutido, ao momento em que for demonstrada a excessividade pendendo a uma das partes, afetando o equilíbrio contratual, se tornando exageradamente onerosa.

Um dos principais argumentos dos locatários em seus pleitos para a redução do aluguel devido à pandemia foi a aplicação da teoria supracitada. Entretanto, é discutível a sua aplicação.

Fato é que é necessário um conjunto probatório extenso de que a pandemia causou a desigualdade contratual imensa, como abordado na teoria, para a sua influência nos contratos. Considerando a possibilidade da revisão dos valores e que estes sejam devidamente diminuídos, o locador teria um desfalque considerável em suas economias, causando um ciclo vicioso de desigualdade contratual entre as partes.

Foi esse o entendimento que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal levou em consideração ao julgar o tema, em sede de agravo de instrumento, ao fundamentar que "em sede de ação revisional de aluguel, ponderadas as condições expostas por ambas as partes durante a crise gerada pela pandemia, não se vislumbra desproporcionalidade na redução do valor do aluguel em 14% ante a queda do faturamento da locatária em 28%, tratando-se de divisão igualitária das perdas a serem suportadas pelas partes" [3].

Em suma, é necessário manter-se atento ao disposto na cláusula rebus sic standibus quando ela prevê que apenas uma das partes está catastroficamente afetada, não sendo o caso dos contratos locatícios, pois todos os sujeitos da relação contratual devem arcar com o prejuízo decorrente da pandemia. De um lado, temos o locador, que, não podendo retomar seu imóvel para utilizá-lo, ou mesmo cedê-lo a novos terceiros, tem sua renda diminuída drasticamente. Ao contrário, temos o locatário, que em suposta afetação dos decretos municipais/estaduais/federais, tem sua renda comprometida, resultando na impossibilidade de pagamento do locatício pactuado.

Nesse norte, é imprescindível que, antes de qualquer demanda judicial, sejam as partes postas em mediação ou conciliação para, em havendo insucesso, só então levar a questão à esfera judicial Ao nosso ver, cabe ao magistrado oportunizar as partes e deliberar sobre a questão para, então, não havendo concordância, decidir de acordo com as provas dos autos, nos termos do artigo 371 do Código de Processo Civil.

Para que haja um desequilíbrio, entendemos que cabe ao magistrado permitir às partes a produção da prova de suas necessidades, avaliando as circunstâncias do caso, as provas produzidas, para, então, impor a uma das partes a obrigação de suportar o ônus do pagamento mínimo ou demasiado.

Vale lembrar que para que seja concedida uma tutela de urgência ou cautelar, nos termos dos artigos 300 e seguintes do Código de Processo Civil, imprescindível a parte demonstrar o perigo na demora e a probabilidade de seu direito, sendo essa última obstada, vez que, conforme entendimento expressado acima, possui óbice de sua convalidação, posto que o direito não se deve ater a apenas uma das partes, mas, sim, ao locador e ao locatário, pois com as ações de reajuste, deve-se, repita-se, readequar o equilíbrio contratual em fundamento às provas das partes envolvidas.

Portanto, resta clara a imprudência de uma regra geral ou um entendimento pacificado da aplicação do artigo 478 do Código Civil, forma que está prevista a teoria no ordenamento jurídico, nos casos de revisão contratual decorrentes da pandemia, visto as peculiaridades dos casos e o perigo iminente de causar algum mal ao outro sujeito do negócio jurídico, podendo acarretar a rescisão contratual e um prejuízo maior à sociedade ou, em outras palavras, um desequilíbrio contratual que torne a manutenção do contrato insustentável tanto para o locatário quanto para o locador.
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[1] TJ-SP - AI: 20995061720208260000 SP 2099506-17.2020.8.26.0000, Relator: Jayme Queiroz Lopes, Data de Julgamento: 11/9/2020, 36ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/9/2020)

[2] (TJ-SP- al: 20669401520208260000 SP 2066940-15.2020.8.26.0000, Relator: Carlos Henrique Miguel Trevisan, Data da publicação: 6/5/2020)

[3] TJ-DF 07124108220208070000 DF 0712410-82.2020.8.07.0000, Relator: ANA CANTARINO, Data de Julgamento: 9/9/2020, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 21/9/2020.

Referências bibliográficas

— LOBÃO, Amanda. A pandemia e os aluguéis: Como ficam?. Migalhas. 2020. Disponível em: <https://www.google.com.br/amp/s/migalhas.uol.com.br/amp/depeso/325911/a-pandemia-e-os-alugueis--como-ficam> Acesso em: 17 de dezembro de 2020.

— SANCHEZ, Julio Cesar. Covid-19 e os reflexos no Direito Imobiliário e nos contratos imobiliários. São Paulo: JH Minuzo, 2020.

Nelson Pietniczka Junior é advogado especialista em Direito Imobiliário pela Universidade Positivo, formado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná e sócio diretor do escritório Nelson Pietniczka Junior Sociedade Individual de Advogados, com atuação em áreas de arbitragem, civil e imobiliário.
Beatriz Marina Belon é acadêmica de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e estagiária do escritório Nelson Pietniczka Junior Sociedade Individual de Advogados.
Yara Letícia Cruz de Oliveira é acadêmica de Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná e estagiária do escritório Nelson Pietniczka Junior Sociedade Individual de Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico

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