Muitos consumidores que adquiriram financiamento de um imóvel antes da pandemia estão revendo a possibilidade de desistência do negócio e requisição do valor pago, ainda que em parte.
O problema é que na maioria dos contratos feitos pelas construtoras e incorporadoras a multa é exorbitante, chegando a 20% (vinte por cento) do valor total do imóvel, além do custeio com corretagem, seguro, impostos e outros.
O consumidor, ao ver cláusulas que permitem a retenção de um valor que pode chegar praticamente ao valor total do imóvel, sente-se lesado.
Afinal, a empresa já tem uma estrutura com corretores e marketing, não sofrendo tantas despesas que justifiquem um desconto tão alto – 20% (vinte por cento) é o equivalente a um quinto de um imóvel!
Além disso, ao encerrar o contrato, o fornecedor pode revender o imóvel para terceiro pelo valor integral, muitas vezes até valorizado no mercado.
Por fim, durante o contrato o fornecedor investiu e especulou com o valor, obtendo, em muitos casos, enriquecimento. A pergunta que fica é: O que a empresa construtora ou incorporadora pode exigir do consumidor com a desistência do contrato?
Posso desistir do contrato mesmo sendo irrevogável e irretratável?
A resposta é sim. A jurisprudência superior é pacífica de que o consumidor pode sim desistir do contrato.
Inclusive, ao desistir, tem direito à restituição dos valores pagos imediatamente, descontados encargos com corretagem e multa rescisória (súmula 543 do STJ).
Nestes casos, os juros moratórios incidem após o trânsito em julgado da decisão condenatória (STJ, Tema Repetitivo 1002).
Mas a multa tem algum limite? A empresa pode ficar com o valor total pago?
O Código de Defesa do Consumidor proíbe a retenção total dos valores pagos, ainda que a rescisão seja culpa do consumidor (art. 53).
Ainda, mesmo não havendo retenção total, a multa deve ter valor equilibrado. Isso porque o Código de Defesa do Consumidor também veda ao fornecedor exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva (art. 39, V).
Do mesmo modo, são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (art. 51, IV).
O Superior Tribunal de Justiça já havia decidido em vários julgados que a multa adequada à indenização e também ao desestímulo de rompimento contratual seria de 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos (ver EAg 1.138.183/PE, DJe 4.10.2012).
O percentual de 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos independe de ocupação ou utilização do imóvel, justamente por ter caráter indenizatório e cominatório.
Assim, multas com percentuais baseados no valor total do contrato eram consideradas abusivas.
A Lei 13.786/2018
Resolvendo o tema e acompanhando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a recente Lei 13.786/2018 alterou o art. 67-A da Lei 4.591/64, autorizando o fornecedor a deduzir a integralidade da taxa de corretagem, além de multa, desde que não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga até a data da rescisão.
Portanto, se no seu contrato a multa estipulada for de percentual sobre o total do contrato, ou, se o percentual for superior a 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos, então você deve procurar um advogado antes de desistir do contrato.
Meu contrato tem multa apenas para o consumidor. E se a construtora descumprir suas obrigações?
O atraso na entrega do imóvel ou descumprimento contratual do fornecedor que impossibilite a utilização do imóvel no prazo correto, gera o direito de restituição integral dos valores pagos (súmula 543 do STJ).
Ainda, o consumidor pode pleitear indenização, de acordo com os danos sofridos em cada caso.
Sobre o valor da indenização, interessante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que adotou o seguinte critério:
Nos contratos anteriores à Lei 13.786/2018, havendo multa estipulada apenas contra o consumidor, seu valor deve ser considerado em casos de descumprimento por parte do fornecedor também. Ou seja, a multa contra o consumidor será válida contra o fornecedor, em regra, também como parâmetro indenizatório (STJ: tema repetitivo 971).
Nos contratos do Programa “Minha Casa Minha Vida” o contrato pode vir sem prazo para entrega, ou condicionado a financiamento?
Os contratos do Programa “Minha Casa Minha Vida” devem ter de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância. (STJ: Tema Repetitivo 996).
Em caso de atraso ou descumprimento, o consumidor terá direito indenização, juros e correção monetária.
É importante mencionar que a rescisão nos casos do Programa “Minha Casa Minha Vida”, apesar da incidência do Código de Defesa do Consumidor, será submetida a normas especiais, sendo aconselhada a consulta a um profissional antes de qualquer decisão.
No fim das contas, vale a pena desistir da compra e venda de um imóvel financiado?
A resposta dependerá de cada caso. A parte que desiste de um contrato deverá arcar com os danos causados e com a frustração da expectativa da outra parte.
No caso, como tratado, as multas não são ilimitadas e cabe ao consumidor julgar a conveniência de arcar com a rescisão ou não.
Em todos os casos, considerando a importância e o valor de um contrato de financiamento de imóvel, é uma boa medida consultar um advogado para a análise do seu contrato.
André Nelvam - Advogado e Mestre em Direito
Fonte: Artigos JusBrasil
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