quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

As polêmicas infundadas sobre a regularização fundiária no Brasil


A regularização fundiária em áreas da União é um daqueles temas que sempre causam polêmicas quando vêm à tona. Talvez por envolver inúmeros e diferentes interesses, ou mesmo por desconhecimento do assunto – altamente complexo –, a questão acaba resvalando para campanhas que beiram a histeria contra qualquer ação mais efetiva visando solucionar o problema.

No discurso, todo mundo concorda que é preciso regularizar a situação de centenas de milhares de produtores ou de se fazer alguma coisa para evitar que as áreas da União sem destinação continuem sendo invadidas por grileiros, especialmente na Amazônia Legal. Mas na prática a realidade é bem diferente. Qualquer tentativa de regularizar as famílias que vivem na região – muitas delas enviadas para lá pelo próprio governo – é duramente criticada por “especialistas” dos mais diversos matizes, alguns prejulgam sem nem mesmo conhecer o que está sendo proposto.

Um exemplo recente foi o bombardeio contra a Portaria Conjunta número 1/2020, assinada pelo Incra e Seaf (Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura), publicada no Diário Oficial da União de dezembro. O normativo recebeu inúmeras críticas e, pelo teor do que foi publicado na mídia, muitos desaprovaram a medida sem sequer ter lido o texto.

O programa Titula Brasil trata da padronização dos convênios ou parcerias entre a União e os demais entes federativos, com o objetivo de otimizar o processo de regularização fundiária. Essa prática, mais do que permitida, é um comando legal, uma vez que o artigo 32, da Lei 11.952 de 2009, que disciplina a regularização fundiária no Brasil, afirma: “Com a finalidade de efetivar as atividades previstas nesta Lei, a União firmará acordos de cooperação técnica, convênios ou outros instrumentos congêneres com Estados e Municípios”.

Vale lembrar que a Lei 11.952 resulta da Medida Provisória 458, editada em 2009 pelo então presidente Lula. Em que pese em seu texto original prever acordos com os municípios, sua redação final é decorrente de emendas apresentadas pelo senador João Pedro (PT/AM) e pela deputada Perpétua de Almeida (PCdoB/AC).

Além do comando legal, é importante ressaltar que o procedimento é regulamentado desde o Decreto 6.992/2009, também assinado pelo então presidente Lula, e cuja autorização persiste no artigo 10-B do Decreto 9.309 de 2018, que atualmente regulamenta a Lei.

Portanto, a Portaria não cria nenhum instrumento e nem tenta driblar a legislação, como acusam os críticos, em grande parte originários dos partidos que ajudaram a escrever a própria lei vigente.

Ao contrário, além de tornar o processo mais transparente, já que as parcerias serão feitas por meio de edital de chamamento público, o Programa fixa os parâmetros para que os convênios sejam firmados entre o Incra e os entes federativos. Atualmente cada superintendência define seus próprios critérios para formalizar as parcerias com prefeituras e governos estaduais.

O Titula Brasil pretende agilizar o processo de regularização no País, uma necessidade urgente, especialmente para as famílias que esperam pelo direto a propriedade da terra onde vivem há décadas. O Incra não dispõe de recursos financeiros nem humanos para dar conta de forma célere de todo o processo. Daí a necessidade de parcerias, especialmente com os municípios.

No entanto, isso não quer dizer que um agente público municipal vá sair regularizando áreas a esmo. Todo e qualquer trabalho seguirá o rito definido em lei e coordenado pelo Incra. A área de atuação será restrita às glebas federais aptas a regularização e se aplicará somente a pessoas que atendam às imposições dos normativos federais e que detenham processo de regularização vigente e em conformidade no Incra.

Também é preciso deixar claro que a checagem – tanto dos documentos pessoais do requerente, quanto dos lotes –, será feita por técnicos do Incra, dentro do Sigef Titulação (sistema do Incra) e a partir de um requerimento apresentado pelo interessado ao Incra.

Todas as exigências legais precisam ser cumpridas para que o ocupante possa ter direito ao título de propriedade. Será observado, por exemplo, se a área em analise não está sobreposta a terras indígenas, quilombolas, assentamentos, áreas de preservação ambiental e outras. Os requisitos exigidos pela lei, em vigor há 11 anos, não foram abolidos pela Portaria.

A atuação dos agentes municipais somente será conhecida quando da divulgação do Regulamento Operacional e do Manual de Planejamento e Fiscalização do Programa, que estão sendo elaborados pelos técnicos do Incra. O prazo para a finalização desses regramentos é de 60 dias, contados da data da publicação da Portaria, ou seja, apenas no final de janeiro.

Até lá, tudo que vem sendo dito em relação ao Titula Brasil, não passa de mera especulação ou exercício de futurologia.

Geraldo Melo Filho é presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Fonte: Agro em Dia

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