No último dia 24 de novembro, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.820.330-SP, decidiu que a multa por desistência do comprador em contrato de compra e venda de imóvel celebrado antes da Lei 13.786/2018 não pode ultrapassar 25% do total da quantia paga.
Apesar de a Lei 4.591/64 estabelecer, em seu artigo 32, §4º, que o contrato de compra e venda é irrevogável e irretratável, a orientação que acabou prevalecendo na jurisprudência do STJ (EREsp 59.870/SP, rel. min. Barros Monteiro) foi de que o comprador detém o direito à resilição unilateral, especialmente nas hipóteses de insuficiência econômica, o que se afigura, no mínimo, um entendimento contra a literalidade da mencionada regra.
Antes da Lei 13.786/2018 (Lei do Distrato), o STJ firmou orientação de que, na hipótese de resolução do contrato, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo comprador integralmente, em caso de culpa exclusiva do vendedor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento, a teor da Súmula 543.
Se a extinção do contrato se operasse por inadimplemento contratual do comprador, deveria haver a retenção pelo vendedor de até 25% do total da quantia paga, incidindo os juros moratórios a partir do trânsito em julgado (STJ, 3ª Turma, AgInt no REsp 1862927/RJ, rel. min. Marco Aurélio Bellizze).
De outro lado, se a extinção do contrato se operasse por inadimplemento contratual do vendedor, haveria a restituição integral dos valores com juros moratórios a partir da citação (STJ, 4ª Turma, AgInt no AREsp 1597320/RJ, rel. min. Maria Isabel Gallotti).
Em ambos os casos, deve haver a incidência de correção monetária sobre os valores pagos, a partir de cada desembolso, por se tratar de uma cláusula móvel que visa a recompor os efeitos deletérios da desvalorização da moeda.
A devolução das prestações pagas deve ser feita após a retenção não apenas das despesas incorridas pelo vendedor, como pelos custos com corretagem, publicidade, ocupação, manutenção, segurança, vigilância, mas também de uma indenização adicional pelo rompimento do contrato, porque, se assim não for, estar-se-á dizendo que a pessoa pode contratar sem se estar obrigando.
Embora se trate de uma despesa administrativa, afigura-se lícita a previsão de cláusula contratual que impõe ao comprador a obrigação de adimplir a comissão de corretagem, a teor do Tema 938 firmado na técnica do recurso especial repetitivo (REsp 1.599.511/SP), e se considera abrangida pelo percentual de retenção em hipótese de desistência por iniciativa do comprador.
Em se tratando de arras confirmatórias — princípio de pagamento —, a desistência do comprador não implica a sua perda total, salvo se se tratar de arras penitenciais que é uma prévia fixação de perdas e danos. As arras confirmatórias não se confundem com as arras penitenciais, eis que servem como garantia do negócio jurídico e se tratam de início de pagamento. Diferentemente das arras penitenciais, cujo valor revela uma prévia fixação de perdas e danos, de sorte que, na hipótese de desistência por iniciativa do comprador, afigura-se lícita a retenção pelo vendedor das arras penitenciais (STJ, AgInt no AREsp 1183378/SP, rel. min. Maria Isabel Gallotti). Assim, as arras confirmatórias não podem ser objeto de retenção na hipótese de resilição unilateral por iniciativa do comprador (STJ, AgInt no AgRg no REsp 1.197.860/SC, rel. min. Luis Felipe Salomão).
Embora em contradição com os princípios da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, e o seu consectário do venire contra factum proprium, o STJ admite a revisão de resilição bilateral — distrato — de contrato de compra e venda, no qual se contenha cláusula de quitação ampla, geral e irrestrita, quando se constate a presença de cláusula de decaimento ou de retenção reputada como abusiva, prevendo perda total ou substancial das prestações pagas pelo comprador (STJ, AgInt no REsp 1.809.838/SP, rel. min. Marco Buzzi).
A retenção do percentual de 25% tem caráter indenizatório e cominatório, prescindindo da demonstração individualizada das despesas gerais tidas pela vendedora com o empreendimento imobiliário (STJ, 2ª Seção, REsp 1723519/SP, rel. min. Maria Isabel Gallotti).
Mas o STJ ressalva que o referido percentual é um indicativo padrão que pode ser afastado diante das circunstâncias do caso concreto. Uma circunstância específica que justifica o afastamento da orientação padrão é a fruição do imóvel pelo comprador.
No curso do contrato de compra e venda, se o comprador ter fruído do imóvel, entende-se que deve haver o pagamento a título de indenização pelo tempo em que o comprador ocupou o bem, desde a data em que a posse lhe foi transferida, evitando-se o enriquecimento sem causa.
A cobrança de valores correspondentes ao período de fruição do bem imóvel pelo comprador não é abusiva e se revela necessária para evitar o enriquecimento ilícito da parte, de sorte que, decretada a resolução da compra e venda, o retorno das partes ao estado anterior implica o pagamento de indenização pelo tempo em que o comprador ocupou o bem (STJ, AgInt no REsp 1.216.477/RS, rel. min. Maria Isabel Gallotti).
Sendo assim, em caso de fruição do imóvel pelo comprador, a orientação jurisprudencial é firme em assentar que, para além da multa de ressarcimento de despesas administrativas, o credor tem direito de reter valores equivalente ao aluguel mensal do imóvel que permaneceu sob a posse do comprador (STJ, REsp 1067141/SP, rel. min. Nancy Andrighi).
Diante da crise do mercado imobiliário, foi editada a Lei 13.786/2018, conhecida como Lei do Distrato, a ser aplicável aos contratos de compra e venda celebrados a partir da sua vigência, pela qual a multa por desistência do comprador varia de 25% da quantia paga, podendo chegar até 50%, quando se tratar de incorporação imobiliária submetida ao regime do patrimônio de afetação.
A devolução dos valores ao comprador deve ocorrer no prazo máximo de 30 dias após o "habite-se" em se tratando de incorporação imobiliária submetida ao patrimônio de afetação, e, no prazo de até 180 dias, contado da data do desfazimento do contrato, caso a incorporação imobiliária não seja submetida ao regime do patrimônio de afetação, em ambos os casos atualizada monetariamente pelo índice previsto em contrato.
Estabeleceu, ainda, que o comprador responde pelos valores correspondentes à fruição do imóvel (0,5% sobre o valor do contrato), ao IPTU, ao condomínio e à comissão de corretagem.
Em face do princípio da irretroatividade, a Lei do Distrato é inaplicável aos contratos celebrados anteriormente à sua vigência, de sorte que as regras da Lei 13.786/2018 sobre devolução dos valores pagos e o percentual a ser retido pelo comprador em caso de extinção contratual, por iniciativa do comprador, não são aplicáveis aos contratos celebrados anteriormente à sua vigência (STJ, 4ª Turma, AgInt no REsp 1816960/RJ, rel. min. Raul Araújo).
Portanto, a orientação exteriorizada na súmula 543 do STJ somente se aplica aos contratos de compra e venda celebrados antes da Lei 13.786/2018, de sorte que a regra-base aponta que é razoável, em resolução de compra e venda de imóvel por culpa do comprador, o percentual de retenção de 25%, conforme as circunstâncias de cada caso, avaliando-se os prejuízos suportados. Isso não afasta, diante de uma situação de fruição do imóvel, a hipótese de o percentual de retenção venha superar tal alíquota à vista do princípio da vedação do enriquecimento indevido.
Gleydson K. L. Oliveira é professor da graduação e do mestrado da UFRN, doutor e mestre em Direito pela PUC-SP.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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