segunda-feira, 20 de agosto de 2018

CLINEU ROCHA: MONSTRO SAGRADO DA CORRETAGEM IMOBILIÁRIA

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As atividades do advogado e comerciante da rua José Kauer, no Brás (zona leste de São Paulo), do sr. Antônio Cesar da Rocha nos primeiros dias de 1930 encantavam seus filhos. Homem de família tradicional, perdera sua fortuna em Descalvado, no interior do Estado. Deixara para trás um banco cooperativo arruinado, do qual fora o principal acionista. Vinha com a mulher, Jandira, e os três filhos: Clineu, Clóvis e Clunny. As filhas Clarice e Clélia ficaram na fazenda dos avós.

O sr. Rocha e a família mudavam constantemente de casa. Os meninos ajudavam no que podiam: engraxavam sapatos, procuravam cacos de garrafa para vender etc. No dia 10 de novembro de 1932, o menino Clineu Rocha, então com onze anos, conseguiu um emprego como selecionador de estoque na centenária firma Moraes Machado & Cia., atacadista de tecidos. Frequentava o curso preparatório de contador no período noturno e trabalhava durante o dia.

Aos dezenove anos, Clineu Rocha formava-se em contabilidade. Era o apontador de uma firma atacadista. Logo em seguida foi admitido como contador da construtora Francisco Becker e iniciava o curso de economia na escola Álvares Penteado. Foi uma ascensão rápida. Em pouco tempo passou a ser o chefe do escritório, das áreas de contabilidade e engenharia. Era rigoroso; dava apenas três chances aos funcionários, na quarta demitia.

Durante a Segunda Guerra, em 1945, o economista Clineu Rocha foi convocado. Em 1948, como não chegou a servir, voltou para o escritório Becker. Antes disso, entretanto, viajou de férias para os Estados Unidos, onde conheceu o sistema americano de venda de imóveis.

De volta ao Brasil em 1950, o primeiro escritório Clineu Rocha foi instalado provisoriamente em duas salas da rua Silveira Martins. Já tinha quarenta corretores quando, pouco depois, mudou-se para dois andares da praça da Liberdade. Em 1962, quando passou para um prédio por ele construído na avenida Angélica, o escritório já era muito importante, chegava a ter quase quatrocentos corretores autônomos. A mudança do escritório do centro de São Paulo para um ponto residencial, mais que um desafio, foi um atestado da visão empresarial deste fantástico Corretor.

Desde o primeiro momento, Clineu desenvolveu uma técnica que aprendera nos Estados Unidos. Uma das principais novidades era trabalhar sem Opção de Venda. Anunciavam a casa nos jornais e os interessados iam vê-la e depois procuravam o escritório. Os escritórios da época usavam este documento, segundo o qual o dono do imóvel lhes dava a exclusividade de venda.

Clineu não usava a opção. Anunciava o bairro em que estava a casa, mas não o endereço. Isso obrigava os interessados a primeiro procurar seu escritório. Um Corretor aguardava o cliente e o levava para visitar o imóvel em seu próprio carro. “O importante é pegar o comprador na mão, fazê-lo confiar no Corretor, prender sua atenção. O Corretor deve compreender bem o que ele quer. Se não gostar de uma casa, mostra-lhe outra, e outra até achar a que lhe agrade”, dizia Clineu.

Com o comprador no carro, o Corretor podia levá-lo a vários lugares. A confiança do comprador tinha que ser correspondida, e Clineu não perdoava qualquer deslealdade, mesmo que fosse uma mentira insignificante.

A influência do mercado americano

O sucesso de Clineu Rocha, segundo Waldyr Luciano, explica-se pelo fato de ter percebido, após a sua experiência nos Estados Unidos, que o ponto-chave do negócio não estava no imóvel, e sim no cliente. Desta forma, o anúncio deveria ter a finalidade de captar o cliente, chamar a sua atenção. “Se a imobiliária tivesse uma boa carteira de imóveis, teria condições de atender o cliente, ou de buscar no mercado o imóvel que melhor atendesse as suas expectativas”, explica.

Outra razão para o sucesso de Clineu está no fato de ter inovado na maneira como anunciava seus imóveis nos classificados: “as páginas de anúncios de Clineu Rocha foram as primeiras a dividir os imóveis por bairros e por faixas de preços”. Além disso, ele revolucionou a estrutura de trabalhos nas imobiliárias, criando a figura do avaliador, do promotor de vendas e do “fechador”.

Em seus tempos de glória, chegou a ter 250 Corretores e chefes nas suas imobiliárias, entre eles: Pascoal Bárbaro Neto, Orlando Filomeno, Rui Ignácio, Hélio Tartari de Souza, Eduardo Coelho Pinto de Almeida, Elcio Perdize, Domingos Imperi, Domicio de Abreu Coelho, Eduardo Monteiro dos Santos, Geraldo Cunha, Marcial De Meo, Francisco Silvestre, Nelson Frateschi, Livio Onnyx de Meneghesso, Luiz Gonzaga de Godoy Rosa, Francisco Xavier de Araújo, Miguel de Oliveira, Luiz Waldemar Altman, Luiz Antônio de Almeida Raposo, João Batista Simão, Georges Tassus Costanópolis, Antônio Ramos Paes, Joel Adonai Lino, Decio Fornaciari, Eunépio Deiró, Francisco Firmino Freire, Airton Tricta, José Roberto Gallo, Dagoberto Linhares e Waldyr Luciano, entre tantos outros.

O escritório de Clineu Rocha atingiu seu auge em 1973, quando ampliava suas agências de bairro. Nessa época, chegou a ter 450 funcionários, que atendiam a quase quatrocentos corretores autônomos, além dos serviços de escritório. Um corpo de técnicos e advogados e um arquivo completo faziam os negócios andarem depressa.

Anos de depressão

Em 1974 os sérios reflexos da crise do petróleo, como a restrição de crédito, tornaram muito difícil a sobrevivência do escritório de Clineu Rocha. Em 1975 Clineu Rocha fechou as unidades da Moóca e Santana, bairros com população de baixa renda. No ano seguinte extinguia a última das unidades, a do Brooklin, a mais importante e a primeira a ser aberta. 

O número de funcionários do escritório central cai de 450 para cem. Em julho de 1976 veio a Resolução nº 386 do Banco Central, que limitava os financiamentos para a compra de casa a uma faixa média. O governo estabelecia que quem comprasse mais de três imóveis em cada dois anos seria taxado pelo imposto de renda como pessoa jurídica.

Inflação e instabilidade: crise no mercado imobiliário

Com a inflação, o poder aquisitivo do povo diminuía. Em dezembro Clineu já sabia que seu escritório não teria mais lucro. As perspectivas eram de prejuízo, ainda mais sendo fechados os financiamentos para compra de casa usada. A empresa, que lidava preferencialmente com imóveis usados, passou a adotar uma série de medidas de economia, inclusive fechando filiais para ajustar-se ao clima de retração no mercado, o que ocorreu até o anúncio de encerramento das atividades, em janeiro de 1977.

Esse ano de grande instabilidade no mercado imobiliário, foi, coincidentemente ou não, o mesmo em que os Corretores lutavam para que uma nova lei viesse a regulamentar a profissão. “Ninguém mais sabia o que fazer para morar bem, se o momento era adequado para comprar, vender, alugar ou permanecer onde se estava. Ninguém, nem mesmo os especialistas no mercado imobiliário”, escrevia o articulista Milton Blay para o jornal O Estado de S. Paulo.

Em 20 de fevereiro de 1977, Luiz Alberto Caldas de Oliveira, então presidente do SCIESP, disse em entrevista ao Estado que a situação do mercado paulista “ainda não era calamitosa, mas altamente preocupante”, frisando que se as autoridades não tomassem providências urgentes, essa situação poderia gerar uma crise social de grande envergadura. Na época existiam 40 mil imóveis à venda, quando o normal eram 25 mil, e muitas empresas estavam restringindo suas atividades em função da retração do mercado. 

Muitos Corretores perderam seus empregos, já que as dificuldades não eram apenas em relação aos imóveis de terceiros, mas também no SFH, dos imóveis industriais, comerciais e das empresas de administração.

Luiz Alberto Caldas de Oliveira atribuía como causa da crise do mercado as medidas restritivas adotadas pelas autoridades do setor imobiliário, as altas taxas de juros corroídas pelos financiamentos e a falta de uma política definida pelos órgãos financeiros, como a Caixa Econômica Federal e as Caixas Estaduais.

A limitação dos financiamentos concedidos pelo BNH a 3500 UPCs e o fechamento da carteira hipotecária paralisaram a venda dos imóveis usados. Outras causas, como a elevação dos preços em ritmo superior ao crescimento do poder aquisitivo dos compradores, a grande quantidade de construções iniciadas num momento de afluência e que foram ou estavam sendo terminadas num período de retração do mercado e, finalmente, a programação errada dos empresários, completam o quadro. Com o breque quase total em relação às residências antigas, o mercado de novas construções caiu entre 35 e 40%

Sonho de um navegador

Mas o que aconteceu com Clineu Rocha? Os navegadores têm sonhos e fantasias. Um desses sonhos é viajar cada vez para mais longe, se possível pelo mundo inteiro. E foi o que Clineu Rocha fez. Trocou de barco várias vezes. A vida a bordo tem a marca do proprietário. Televisão, mesmo quando possível, é rigorosamente proibida. Bebidas alcoólicas só para as visitas. Sua maior diversão é a leitura de temas sobre ciências sociais, economia, artes. Lê clássicos, cita Shakespeare, Dante, Balzac, Dostoievski.

Segundo o presidente do Creci na época, Antônio Benedito Gomes Carneiro, a profissão do Corretor de Imóveis pode ser dividida em duas fases: antes e depois de Clineu Rocha. “Ele trouxe uma nova filosofia, onde se trabalha mais o comprador do que o proprietário. O Corretor do Clineu Rocha fazia uma entrevista com o comprador, com todos os detalhes do imóvel que ele gostaria de comprar (características, bairro, preço…). Com esses parâmetros ele ia buscar o imóvel desejado”, explica Carneiro.

“Depois de Clineu Rocha, a opção praticamente desapareceu, porque os proprietários de imóveis eram forçados pelos Corretores de Clineu Rocha a mudar a sistemática. Diziam que já tinham um comprador para o imóvel que estava sendo vendido. Não havia um intercâmbio de negócios, pois o que interessava apenas era a discussão sobre a comissão”, conta.

A Clineu Rocha se atribui, ainda, a introdução da figura do avaliador de imóveis. Em seguida fez aparecer a figura do fechador – um Corretor mais hábil, que entrava no assunto para pressionar o cliente a concluir o negócio. Incluía no esquema um advogado para orientar a elaboração do contrato, formando uma imagem de lisura indispensável a uma imobiliária. Seu escritório tornou-se um modelo de organização. Foi o primeiro a ser equipado com um computador e se vangloriava de possuir um fichário permanente de 5 mil imóveis para vender.

O fechamento da Imobiliária Clineu Rocha serviu para chamar a atenção do governo sobre a crise do setor. De acordo com declarações de João Roberto Malta, vice-presidente do Sindicato de Corretores de Imóveis na época, embora o fechamento do escritório de Clineu Rocha tivesse sido um caso isolado entre as grandes empresas, estimativas do setor indicavam que 20% dos pequenos escritórios encerraram suas atividades nesse período.

O sistema de comercialização introduzido por Clineu Rocha revolucionou todo o mercado imobiliário. A concorrência se tornou muito intensa, sobretudo depois que se abandonou a opção exclusiva de intermediação. Todos passaram a disputar a mesma mercadoria.

Fonte: COFECI/Histórico da Profissão

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