O presente texto, diferentemente dos extensos e aprofundados artigos jurídicos, busca traduzir, de forma resumida e acessível, as mudanças práticas e efetivas que a nova legislação processual (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, o novo CPC) oferecerá aos condomínios na cobrança dos débitos condominiais. E tais inovações chegarão em boa hora, haja vista que vivemos um período em que a inadimplência atinge níveis alarmantes, e, no caso dos condomínios, prejudicam injustamente todos os demais condôminos, que se veem obrigados a cobrir os valores das taxas em aberto, ou seja, têm que sustentar os vizinhos em mora.
No entanto, impossível ou imprudente abordar a referida mudança sem demonstrar como esta ocorreu no texto legal. O Código de Processo Civil ainda em vigor determina a cobrança de despesas condominiais pelo chamado procedimento sumário (art. 275, II, “b”). Veja-se:
“Art. 275. Observar-se-á o procedimento sumário:
III – nas causas, qualquer que seja o valor:
b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio;”
Na sistemática atual, portanto, após o ajuizamento da ação, em regra, será agendada uma audiência para tentativa de conciliação, ocasião em que, se não houver qualquer acordo, permitir-se-á ao réu apresentar sua contestação (defesa). Em tese, somente se houver a necessidade de produção de outras provas, além da documental juntada na petição inicial e contestação – o que é incomum nas cobranças condominiais –, é que será designada uma audiência de instrução e julgamento. Caso contrário, o processo estará apto a ser sentenciado, uma vez que, geralmente, esse tipo de causa dispensa a dilação probatória.
Após a prolação da sentença, contra a qual caberá o recurso de Apelação, no prazo de quinze dias, o condomínio deverá esperar o trânsito em julgado da decisão, para, então, diante do título executivo judicial, requerer o cumprimento de sentença.
Na fase de cumprimento de sentença, o condomínio deverá requerer a intimação do condômino inadimplente para o pagamento do débito, no prazo de quinze dias, sob pena de incidência da multa de 10% (dez por cento) sobre o valor da dívida, prevista no artigo 475-J, do CPC/1973. Em sua defesa, todavia, poderá o condômino executado se valer da impugnação ao cumprimento de sentença, onde as matérias passíveis de serem arguidas são bastante restritas, como se extrai do artigo 475-L e seus incisos, in verbis.
“Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:
I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;
II – inexigibilidade do título;
III – penhora incorreta ou avaliação errônea;
IV – ilegitimidade das partes;
V – excesso de execução;
VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença.”
Apesar das controvérsias existentes na doutrina e jurisprudência, consolidou-se o entendimento de que a garantia do juízo é um pressuposto para o processamento e conhecimento da impugnação ao cumprimento de sentença. Assim, se o texto legal vigente considera que o prazo, de quinze dias, para a impugnação se inicia da intimação do executado da lavratura do auto de penhora, admite-se também que a impugnação seja apresentada antes da penhora de qualquer bem, desde que o juízo seja previamente garantido.
Salienta-se, outrossim, que, geralmente, o grande questionamento dos condôminos se refere ao valor cobrado, o que se repete na fase de cumprimento de sentença, quando alegam que há excesso na execução. Nessa hipótese, apesar de existirem alguns julgados prevendo a necessidade de garantia integral do juízo, o entendimento de aceitação majoritária é de que seria necessária tão somente a garantia parcial do juízo, referente ao valor que o devedor reputa ser o correto, desde que instruído com uma contramemória dos cálculos.
O que se observa na prática, entretanto, é que, não obstante ser o procedimento sumário destinado às causas de menor complexidade – o que poderia indicar uma celeridade maior em sua tramitação –, o excesso de processos a que estão submetidos os tribunais do país inverteu toda a lógica, pois a dificuldade de se encontrar pauta para agendamento de audiências faz com que estas sejam marcadas com um prazo muito longo desde a citação, ou mesmo que seja modificado o rito processual para o ordinário, abrindo-se prazo de 15 (quinze) dias para o réu se defender da cobrança.
Assim, o que se observa é que as ações de cobrança de despesas condominiais acabam se arrastando por longos anos, com a possibilidade de inúmeros e infindáveis recursos, que atrasam, e muito, o recebimento do crédito pelo condomínio. Mas, finalmente, isso irá mudar.
O novo diploma legal, que entrará em vigor em março de 2016, passará a considerar o crédito condominial como um título executivo extrajudicial, desde que devidamente aprovado nos estatutos normativos ou em assembleia de condomínio e documentalmente comprovado. É o que se extrai do artigo 784, inciso X, do novo Código de Processo Civil:
“Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
X – o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas;”
Isso quer dizer que a cobrança das despesas condominiais terá seu procedimento bastante resumido, pois dispensará o que se chama de fase de conhecimento, em que o leque de matérias passíveis de discussão e de produção de provas é extremamente amplo, passando diretamente para a fase executiva, onde o foco é quase que inteiramente direcionado para o pagamento da dívida e a expropriação de bens.
No novo procedimento, uma vez ajuizada a execução do título representativo da dívida, o juiz já mandará citar o proprietário inadimplente para pagar o débito e os honorários do advogado – não mais para se defender – no prazo de 3 (três) dias, sob pena de serem penhorados tantos bens quanto forem suficientes para a quitação do débito, o que pode ser feito com bloqueio de contas correntes e aplicações financeiras do devedor, ou mesmo com a penhora do próprio imóvel causador do débito, que poderá ser levado à leilão posteriormente. Para incentivar o devedor a pagar, a lei que entrará em vigor prevê a redução pela metade dos honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor da execução, para o caso do executado quitar o débito no prazo de três dias.
Além disso, em se tratando de um processo de execução, presume-se que as hipóteses de defesa do devedor são reduzidas, assim como também o são as hipóteses de recursos e produção de provas. Contudo, o dispositivo constante do inciso VI do artigo 917 do novo CPC abre margem para uma expansão do procedimento executório, que, com a interposição de Embargos à Execução, acabará seguindo praticamente o mesmo procedimento ordinário, pois o texto legal permite que o executado alegue “qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir em processo de conhecimento”.
Isto é, os Embargos à Execução, que possuem o prazo de 15 (quinze) dias para sua interposição, contados da citação – ou melhor, da juntada aos autos do mandado de citação – e dispensam prévia penhora ou garantia do juízo, podem acabar atuando como verdadeira contestação, em razão de sua abrangência e da extensão das matérias de defesa suscitáveis, o que poderá, infelizmente, jogar por terra os benefícios buscados pela inovação legislativa em termos de celeridade processual.
A bem da verdade, e é bom que se diga, o novo CPC possibilita expressamente que o portador do título executivo extrajudicial opte pelo processo de conhecimento, em detrimento do processo de execução, a fim de obter o título executivo judicial. Tal norma, que recebe críticas de alguns autores, justifica-se na medida em que não se observa qualquer prejuízo ao réu com a opção do credor pelo outro procedimento.
No entanto, como dito alhures, mesmo com a amplitude de defesa que se abre ao executado, tem-se que o exequente já poderá, após passado o prazo para pagamento espontâneo do débito, requerer a constrição de bens do devedor, o que se soma ao fato de que, em regra, nem os Embargos à Execução, tampouco o recurso cabível em caso de improcedência dos pedidos dos Embargos, possuem efeito suspensivo. Veja-se:
“Art. 919. Os embargos à execução não terão efeito suspensivo.
§1º O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes".
“Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo.
§1º Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que:
(...)
III – extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado;”
Imperioso ressaltar, entretanto, que, na hipótese de interposição e improcedência dos Embargos à Execução, o condômino estará sujeito à majoração dos honorários da execução, anteriormente fixados em 10% (dez por cento), bem como à fixação dos honorários referentes aos Embargos, lembrando que o novo CPC adota a progressividade dos honorários para o caso de interposição de recursos. Veja-se
“Art. 85. A Sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
§2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I – o grau de zelo do profissional;
II – o lugar de prestação do serviço;
III – a natureza e a importância da causa;
IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
(...)
§11º O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.”
Desse modo, nota-se que tanto a simplicidade procedimental trazida pela inovação no texto legal, quanto os desincentivos à prática de atos processuais protelatórios e de mera resistência, poderão ser muito proveitosos para os condomínios que hoje sofrem com uma elevada inadimplência, vez que débitos que demoravam anos para serem recebidos, em virtude da morosidade da Justiça, poderão ser executados diretamente, como se fossem uma nota promissória, um cheque ou uma duplicata.
Entretanto, uma particularidade poderá fazer com que os Condomínios optem pela adoção do procedimento comum, em detrimento do processo de execução. É que, como é consabido, a execução exige um título executivo que represente uma obrigação certa, líquida e exigível. Resumidamente, a certeza relaciona-se com a existência da dívida, a liquidez com o quantum debeatur, ou os valores e limites da obrigação, enquanto a exigibilidade reside no tempo definido para o cumprimento e consequente cobrança da obrigação.
Desse modo, quanto às contribuições já vencidas, menos problemática se mostra a execução, vez que cumpridos os três elementos caracterizadores do título executivo extrajudicial. No entanto, quando analisamos as contribuições condominiais que deixam de ser adimplidas no curso do processo, poderá haver alguma discussão.
Isso porque alguns condomínios têm o costume e a prática de cobrar as contribuições de modo variável, isto é, de acordo com o rateio das despesas condominiais observadas em cada mês, o que gera oscilação e indefinição dos valores que se vencem durante o processo.
Diante disso, poderia restar prejudicada a liquidez que caracteriza o título como executivo, vez que nem o credor, nem o devedor, tampouco o juízo em que tramita a execução saberiam com segurança qual seriam os valores das parcelas vincendas, ainda que o artigo 323, que corresponde ao antigo artigo 290, mantenha a inclusão destas no pedido principal, o que se aplica subsidiariamente ao processo de execução (art. 598, CPC/1973 e art. 771, parágrafo único, do novo CPC).
A despeito disso, e finalizando, a expectativa é que, após a entrada em vigor do novo diploma legal, com uma correta organização e orientação aos condomínios, haja uma redução significativa na inadimplência, especialmente em relação àqueles devedores que “optam” por não pagar, sabendo da lentidão da tramitação dos processos, vez que, na vigência do novo CPC, a execução dos débitos condominiais já se iniciará na fase final do antigo processo, ou seja, já na busca pelo pagamento da dívida, com a constrição de bens do devedor, de forma direta, ágil e, possivelmente, mais eficiente. É o que se espera.
Bruno Mendonça Castañon Condé - Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
Fonte: Revista Jus Mavigandi