RESUMO
Este trabalho visa identificar a natureza dos valores comumente cobrados nos contratos de locação sob a denominação de Fundo de Conservação do Imóvel ou Taxa de Conservação do Imóvel. Uma vez identificada sua natureza jurídica, pretende-se abordar as implicações decorrentes de sua coexistência nos contratos de locação com outra modalidade de garantia locatícia e analisar o conflito entre duas ou mais modalidades de garantia locatícia dentro de um mesmo contrato de locação, analisando qual delas deve persistir em detrimento da outra.
1. INTRODUÇÃO
A inclusão de cláusulas de conservação de imóvel nos contratos de locação tem se mostrado uma prática frequente no mercado imobiliário. Esta cláusula pode estar inserida no contrato de locação com as mais variadas denominações, sendo mais facilmente encontrada com o nome de Fundo de Conservação do Imóvel (FCI) ou Taxa de Conservação do Imóvel (TCI).
Tal cláusula prevê o pagamento de um percentual sobre o valor do aluguel, que varia entre os patamares de 03% a 05% em média, sendo pago pelo locatário diretamente no boleto de aluguel. Este valor, cobrado mensalmente enquanto perdurar a locação, destina-se a formar uma espécie de poupança, em poder do Locador ou de seu representante, para, ao término do contrato de locação, assegurar a devolução do imóvel nos termos em que fora locado.
Havendo a resilição contratual sem reparos a serem feitos no imóvel, os valores cobrados mensalmente do Locatário são restituídos, corrigidos monetariamente. Esta característica vem a corroborar o entendimento de que os valores caucionados mensalmente pelo Locatário formam uma espécie de poupança em poder do Locador.
Percebe-se a existência de locatários que gostam da inclusão desta cláusula, posto que, ao término da relação locatícia, existem inúmeras despesas a serem suportadas pelo Locatário, tais como: pintura do imóvel; pequenos reparos; despesas com mudança; gastos com a nova locação ou aquisição da casa própria; entre outras. Assim sendo, o pagamento de um valor percentual mensal ameniza os gastos futuros advindos da resilição contratual.
Os Locadores e seus representantes, apreciam tal cláusula em virtude de, não raras vezes, ao término um contrato de locação o imóvel ser restituído com pequenos reparos a serem feitos, exemplificativamente: vidros quebrados; pintura do imóvel; pequenos reparos hidráulicos; entre outros. Estes pequenos reparos quando não realizados pelo Locatário acabam se tornando prejuízo para o Locador, posto que uma demanda judicial lhe custará mais caro e muito mais demorado do que arcar com os custos de reparo do imóvel. Desta feita, percebe-se claramente o interesse dos Locadores em inserir tal cláusula nos contratos de locação.
O presente estudo não tem a pretensão de julgar a cláusula de conservação do imóvel como sendo benéfica ou maléfica. Mas sim, identificar qual a sua natureza jurídica e quais as suas implicações para o contrato ao qual pertença.
A problemática e relevância deste estudo se dá ao observar a costumeira coexistência desta cláusula com outras modalidades de garantia locatícia. Sendo a dupla garantia vedada por expressa disposição legal[4], constituindo contravenção penal[5], importante se faz o estudo de suas consequências jurídicas para as partes contraentes.
As consequências jurídicas da existência desta dupla garantia se dá de duas formas: nulidade absoluta de uma das garantias locatícias e a imposição de uma penalidade econômica ao Locador em benefício do Locatário.
Se faz mister identificar qual das garantias locatícias deve ser considerada nula de pleno direito e qual deve permanecer válida no contrato de locação bem como deve-se atentar para a eventual compensação[6] de valores eventualmente devidos pelo Locatário (em virtude de inadimplemento) com a multa a ser aplicada ao Locador.
2. GARANTIA LOCATÍCIA
Etimologicamente, o termo garantia advém do francês garantie, que significa ato ou efeito de proteger, de assegurar, afiançando-se, por isso mesmo, que toda garantia é uma segurança, uma proteção, que se estabelece em favor de alguém[7].
E sendo assim, a garantia de uma obrigação assumida se estende ao patrimônio do devedor obrigado, porquanto que a segurança de seu cumprimento poderá ser espontânea ou forçada, mediante a via judicial.
A partir de agora veremos a conceituação de alguns autores a respeito da garantia.
Para Michele Frangali a garantia encontra seu fundamento “no acrescer ou no reforçar, a um determinado credor, a probabilidade de ser satisfeito, depois do vigor normal de uma única obrigação ou do poder de agressão que esta obrigação atribui”; aduzindo, logo a seguir, que:
Aqueles que colocam na prevenção do inadimplemento a raiz econômico-jurídica da garantia (específica) aludem intuitivamente ao efeito de pressão que a suaconstituição produz sobre o devedor para constrangê-lo ao cumprimento de suas obrigações; esses, além disso, limitam-se a uma só das funções que a garantia desenvolve, e que não é a principal, porque essencial é a função final do reforço da expectativa de atuação da prestação garantida.[8]
Nas palavras de Tucci e Villaça Azevedo “garantia é o reforço jurídico, de caráter pessoal ou real, de que se vale o credor, acessoriamente, para aumentar a possibilidade de cumprimento, pelo devedor, do negócio principal”.[9]
A lição De Plácido e Silva em seu vocabulário jurídico preceitua que:
(...) garantia deriva-se de garante. E possui o sentido amplo de significar a segurança ou o poder de se usar, fruir ou de se obter tudo o que é de nosso direito, segundo os princípios formulados em lei, ou consoante afirmativas asseguradas por outrem. Especializando-se, então, a garantia mostra-se como de direito ou convencional, a primeira das quais também se diz natural e a segunda, contratual ou obrigacional. A primeira decorre de princípio jurídico ou regra instituída em lei, não necessitando de declaração de vontade da pessoa. A segunda é a que decorre de obrigação do garante, que assumiu o ônus da garantia. No primeiro caso, a garantia evidencia-se um direito, uma prerrogativa ou uma segurança firmada legalmente. No segundo caso, a garantia é a fiança, o aval, o endosso, o abono, o penhor, a caução, a hipoteca, dizendo-se pessoal ou real, segundo as circunstâncias em que se manifesta, as quais, por sua vez, demonstram os traços dominantes e distintivos de cada espécie. E pode ser tida na equivalência da responsabilidade, quando num sentido generalizado. E, assim, garantia exprime a situação em virtude da qual o devedor é obrigado ou compelido a cumprir a prestação devida ao credor.
Ainda para De Plácido e Silva, “Garantia Locatícia. Compreende elementos acessórios garantidores do contrato de locação; representa ônus que a lei impõe ao inquilino, que possui o uso e gozo da coisa, para assegurar ao locador adimplemento da obrigação, em especial o pagamento do aluguel e encargos”.[10]
A Lei de Locações, ou também conhecida como Lei do Inquilinato nº 8.245/91 nos traz as modalidades de garantia que podem ser exigidas pelo locador do locatário num contrato de locação. Essas garantias podem ser tanto: a Caução, a Fiança, o Seguro de Fiança locatícia e a Cessão Fiduciária de Quotas de Fundo de Investimento.
A locação pode ser garantida tanto por garantias reais como pessoais, cujo elenco vem descrito na norma do art. 37 da Lei de Locação, modalidades estas citadas acima.
Sendo que a lei permite ao locador a escolha dentre as modalidades de garantia existentes, ao mesmo tempo a lei veda a utilização de mais de uma dessas modalidades de garantia num mesmo contrato de locação a fim de facilitar a locação por parte dos inquilinos e ao mesmo tempo coibir a cupidez dos locadores.
Não sendo observado o parágrafo único do artigo 37 da lei de locações, estará incorrendo o locador a uma penalidade que vem disciplinada no artigo 44, inciso II, da mesma lei. Ocorre que a garantia sobrejacente será nula. E em se tratando da contravenção penal, o simples fato de existir a dupla garantia já tipifica a infração, que será revertida em favor do locatário. E essa infração constante no artigo citado acima constitui contravenção penal, punível com prisão simples de cinco a seis meses ou de multa de três a doze meses do valor do último aluguel atualizado.
Das garantias locatícias será exposta uma breve definição de cada uma delas, tendo um enfoque maior no objeto de estudo deste artigo jurídico, que é a Caução.
A Fiança é a forma de garantia ainda mais utilizada no mercado imobiliário. Normalmente nos contratos de locação de imóveis o proprietário exige a responsabilidade do fiador até a efetiva devolução das chaves. Logo, vincula-se as obrigações que fluírem após a renovação do contrato. Ela é garantia estritamente pessoal. Ao afiançar o locatário, o fiador assume pessoalmente a obrigação de solver a dívida do afiançado, caso ele não a honre a tempo e hora. A Fiança pode ter prazo determinado, como ainda valor limitado, sem o que compreenderá todos os acessórios da dívida principal, inclusive despesas judiciais.
Fiança por definição legal é o contrato pelo qual uma pessoa se obriga por outra, para com o seu credor, a satisfazer a obrigação, caso o devedor não a cumpra[11].
Já o Seguro de Fiança locatícia, é uma modalidade de garantia convencional que deverá ser contratado junto a uma companhia seguradora, o qual abrange os encargos contratuais podendo ser limitado a um valor pré-determinado.
E por fim antes de chegarmos a abordar a modalidade de garantia objeto de estudo, a Cessão Fiduciária de Quotas de Fundo de Investimento é uma das modalidades de garantia em que o locatário oferece ao locador o seu fundo de investimento. Nessa modalidade inserida pela Lei nº 11.196/2005, possibilita ao locatário dar em garantia quotas de fundo de investimento, no caso de inadimplemento das obrigações contratuais.
A Caução nas definições de De Plácido e Silva significa que “Consoante sua própria origem, do latim cautio, de modo geral, quer expressar, precisamente, a cautela que se tem ou se toma, em virtude da qual certa pessoa oferece a outrem a garantia ou segurança para o cumprimento de alguma obrigação”.
Ainda nas definições de De Plácido e Silva, “a caução real é aquela que tem como suporte direitos reais de garantia, como hipoteca, penhor, anticrese, ou depósito em dinheiro, quer em títulos de crédito, quer em títulos da dívida pública.”[12]
A Caução trazida pela Lei de Locações poderá ser em bens móveis ou imóveis, ou ainda em dinheiro, sendo que nesta hipótese não poderá exceder ao equivalente a três meses de aluguel, e que deverá ser depositada em caderneta de poupança, revertendo em benefício do locatário todas as vantagens dela decorrentes, por ocasião de seu levantamento, como se observa na redação do artigo abaixo:
Art. 38. A caução poderá ser em bens móveis ou imóveis.
§ 1º A caução em bens móveis deverá ser registrada em cartório de títulos e documentos; a em bens imóveis deverá ser averbada à margem da respectiva matrícula.
§ 2º A caução em dinheiro, que não poderá exceder o equivalente a três meses de aluguel, será depositada em caderneta de poupança, autorizada, pelo Poder Público e por ele regulamentada, revertendo em benefício do locatário todas as vantagens dela decorrentes por ocasião do levantamento da soma respectiva.
§ 3º A caução em títulos e ações deverá ser substituída, no prazo de trinta dias, em caso de concordata, falência ou liquidação das sociedades emissoras.
A Caução de bens móveis terá que ser feita em cartório de títulos e documentos para ter sua publicidade alcançada. Enquanto que para os bens imóveis terá que ser feita no registro imobiliário competente, com a devida averbação da matrícula. A caução estabelece sobre o bem um privilégio real, com preferência sobre os créditos quirografários. O devido registro da caução torna o ato público, com efeito com relação a terceiros. Tendo desta forma sua eficácia erga omnes.[13]
Já a Caução em dinheiro, fica limitada ao valor de três meses de aluguel e deverá ser depositada em caderneta de poupança regulamentada para esse fim. Nada impede que terceiro preste a Caução real, que poderá ser em dinheiro ou e outros bens, ficando assim o depósito em seu nome. Caso o valor se sobreponha ao valor especificado por lei, poderá o locatário pleitear o levantamento do excesso.
Ao final da locação, não restando qualquer débito por parte da obrigação pactuada, o locatário ou terceiro poderá fazer o levantamento do depósito com os seus acréscimos. O levantamento do depósito só poderá ser efetuado com a anuência dos contratantes, porém, se não houver essa anuência, somente poderá ser levantado o depósito mediante ordem judicial.
A Resolução n. 9, de 13 de agosto de 1979, do extinto Banco Nacional da Habitação, regulamenta o depósito em cadernetas de poupança de valores oferecidos como garantia da locação, a qual prevê que os valores em depósito serão levantados em conjunto com locador ou inquilino, salvo quando houver decisão judicial específica ou o locatário exibir a instituição depositária documento de quitação do locador.[14]
Por fim temos ainda a Caução em títulos e ações, a qual é em valores fiduciários como: letras de câmbio, títulos da dívida pública, ações de sociedades anônimas, certificados de depósitos bancários, etc., essas devem atender as mesmas regras da Caução de depósitos em dinheiro na caderneta de poupança. No caso dessa garantia ser diminuída ou desaparecer por força de falência, concordata ou liquidação das pessoas jurídicas emissoras, deverá o locatário substituí-las em trinta dias. Não efetivando a substituição no prazo legal, o locatário já estará caracterizado na infração legal, ensejadora da Ação de Despejo.
3. CONSEQUÊNCIAS DA DUPLA GARANTIA NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO
Sendo certa a abusividade da existência de 02 (duas) modalidades de garantia[15]temos como primeira consequência prática a nulidade de uma delas e posteriormente a aplicação de uma sanção penal de prisão simples de 05 (cinco) dias a 06 (seis) meses a qual pode ser convertida em sanção econômica ao Locador.
É de bom alvitre salientar que a infração legal cometida pela dupla garantia não acarreta em nulidade do contrato de locação, mas apenas da garantia locatícia em excesso.
O Superior Tribunal de Justiça ao analisar o parágrafo único do artigo 37 da Lei do Inquilinato assim se posicionou:
A exigência de dupla garantia em contrato de locação não implica a nulidade de ambas, mas tão somente daquela que houver excedido a disposição legal. [...] STJ. Resp. 868.220/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª turma, j. 27/09/2007, DJ 22/10/2007.
Posição mais acertada não poderia ter sido proferida pelo STJ sobre o tema. A inteligência da Lei se dá em manter uma paridade contratual entre as partes. Evitando que se exija do locatário diversas modalidades de garantia e ao mesmo tempo, preservando a direito do locador em ter um respaldo de que a obrigação contraída será honrada.
Desta forma, passamos a analisar uma a uma as suas consequências.
3.1 A GARANTIA SER CONSIDERADA NULA DE PLENO DIREITO
Tendo em vista que o contrato de locação permanece válido e que uma das garantias deve ser considerada nula, o conflito se dá em saber qual das modalidades de garantia deve prevalecer em detrimento da outra.
Analisando o caso concreto, mais especificamente o contrato de locação a ser discutido, poderemos nos deparar com duas opções: contrato de adesão ou contrato livremente formulado entre as partes.
Se acaso estivermos diante de um contrato de adesão pré-formatado pelo locador onde o locatário apenas adere às suas condições sendo-lhe drasticamente reduzido o poder de negociação das cláusulas contratuais deve-se facultar aos aderentes (locatários e eventuais fiadores) sobre qual cláusula deve ser tida como nula.
Tal premissa se deve à norma geral de que nos contratos de adesão as cláusulas terão interpretação favorável ao aderente (artigo 423 do Código Civil Brasileiro).
Para identificar se o contrato em questão é um contrato de adesão, igualmente chamada de contrato de massa, recorremos à definição dada por Arnold Wald:
Contratos de massa são os destinados a um número elevado ou indeterminado de contratantes, contendo cláusulas gerais ou padronizadas e celebrados com a simples adesão da outra parte.[16]
Apenas analisando o caso concreto é que se poderá concluir se tal contrato é ou não é um contrato de adesão.
Não sendo o contrato de locação discutido um contrato de adesão poder-se-ia discutir sobre a liberdade contratual e o princípio pacta sund servanda, acarretando em legalidade à clausula de conservação do imóvel e sua co-existência com outras modalidades de garantia locatícia.
Embora tal argumento aparente ser convincente para eximir o Locador de sua responsabilidade civil e criminal bem como para manter válidas as garantias existentes no contrato de locação esbarra-se na prevalência da norma pública à norma privada.
Não podem as partes dispor de forma contrária à Lei. Por certo que os contratos livremente pactuados representam a convergência de vontades dos contraentes. Todavia, tal convergência de vontades não pode afrontar o direito positivado, violando normas de ordem pública.
A diferença do contrato discutido ser ou não ser um contrato de adesão apenas infere na possibilidade de interpretação favorável aos aderentes. Nada há a se discutir em relação à aplicação ou não dos dispositivos da Lei do Inquilinato. Sendo certo que a própria Lei dispõe, de forma clara e objetiva, a sua aplicabilidade em toda em qualquer relação locatícia de imóveis urbanos, consoante seu artigo de número 45.
Desta forma, aplicando-se in totum a Lei 8.245/1991 continuamos a ter a impossibilidade de mais de uma modalidade de garantia locatícia. O impasse pode ser resolvido conforme o entendimento pacífico dos tribunais brasileiros no sentido de se excluir a mais gravosa ao locatário, tendo como fundamento legal a analogia do artigo 620 do Código de Processo Civil.
Vejamos exemplos de nossa ampla jurisprudência sobre o caso:
Despejo cumulada com cobrança de alugueres - decisão ultra-petita - inocorrência - dupla clausula penal - impossibilidade - exclusão da mais gravosa ao devedor - pagamento parcial do debito - clausula de desconto por pontualidade - validade - divisão dos ônus da sucumbência - recursos parcialmente providos. TJ-PR. AC: 1224006, Rel. Des. Noeval de Quadros, 7ª câmara (extinto TA), j. 10/08/1998, DJ 25/09/1998. (Grifo nosso)
Passamos agora a analisar uma terceira maneira de verificar qual das modalidades de garantia deve prevalecer, independente do contrato ser ou não ser um contrato de adesão.
Esta terceira forma de se analisar qual das garantias locatícias é a garantia sobrejacente leva em consideração o quesito temporal. Ou seja, a garantia contratual que primeiro surtiu efeito no mundo jurídico é a garantia que deve prevalecer.
Este raciocínio leva em consideração a aplicação prática da modalidade de garantia. A primeira modalidade de garantia utilizada na prática, independentemente de sua eficácia, é a que deve continuar vigorando devendo ser declarada nula de pleno direito a garantia adjacente.
Esta forma temporal (e não de eficácia) de se analisar qual das modalidades de garantia que deve prevalecer é a forma que vem sendo utilizada pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme passamos a expor:
Ao verificar a existência de dupla garantia no contrato locatício - nulidade prevista no parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8245/91 - compete ao julgador auferir, no caso concreto, baseado em critérios objetivos, qual garantia deve subsistir. Não há como, a partir da interpretação do referido artigo de lei, concluir pela existência de hierarquia ou prevalência de uma determinada garantia sobre a outra. Recurso especial não conhecido. STJ. REsp 94.815/SP Rel. Ministro Felix Fischer, 5ª turma, j. 20/08/1998, DJ 28/09/1998. (Grifo nosso)
Embargos à execução de título extrajudicial - locação - cerceamento de defesa -... Omissis - fiança e caução, esta sob a alcunha de "taxa de conservação" - dupla garantia vedada pelo § único do artigo 37 da lei de locações, sem cominação legal de sanção expressa ao locador - por falta de previsão legal, deve-se invalidar somente a garantia instituída em excesso - critérios de exclusão doutrinário e jurisprudencial: ordem seqüêncial e aplicação do artigo 884, caput do código civil - a convergência de ambos aponta para a nulidade da fiança - benfeitorias - cláusula que exclui expressamente indenização a esse título - alegação de má-fé - ausência de qualquer prova nesse sentido- recurso conhecido e parcialmente provido”. TAPR – AC: 209426-4, Rel. Des. Anny Mary Kuss, 6ª câmara cível (extinto TA), J. 14/10/2002, DJ 25/10/2002. (Grifo nosso)
AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO - ARREMATAÇÃO - CONTRATO DE LOCAÇÃO - DUPLA GARANTIA - FIANÇA, PRESTADA ANTERIORMENTE, E CAUÇÃO - DECISÃO QUE INVALIDA A CAUÇÃO, PREVALECENDO A FIANÇA, POSTO PRESTADA EM PRIMEIRO LUGAR. PERMANECENDO O CONTRATO LOCATIVO COM GARANTIA, NO CASO A FIANÇA, VERIFICA-SE A CARÊNCIA DA AÇÃO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR - SENTENÇA MANTIDA - APELAÇÃO IMPROVIDA. TJPR - AC 370195-1, Rel. Des. Luiz Antônio Barry, 11ª câmara cível, j. 22.11.2006, DJ 12/01/2007. (Grifo nosso)
Nesta última jurisprudência mencionada o Emérito Desembargador Luiz Antônio Barry ao proferir seu voto o fez na seguinte forma:
Da garantia prestada. Não obstante a revelia verificada, o douto juízo a quoentendeu de adentrar ao mérito propriamente dito, examinando a dupla garantia verificada no contrato de locação. E, de se ver, a Lei do Inquilinato veda, no seu art.37, § único, o oferecimento de garantia em duplicidade no mesmo contrato de locação. A questão de fundo consubstancia-se em estabelecer qual das garantias prestadas em duplicidade deve prevalecer: a caução ou a fiança. Doutrina e jurisprudência assentaram-se no sentido de que em tais casos deve prevalecer a garantia principal, nesse sentido fala-se em garantia prestada em primeiro lugar, devendo ser desconsiderada a garantia prestada em excesso.
Por esta forma de se identificar qual a garantia válida teremos que a cláusula de conservação de imóvel, sendo dinheiro líquido do Locatário em poder do Locador acaba por ser uma garantia que suporta os danos da inadimplência mesmo antes dela ocorrer.
Desta feita, à partir do 1º minuto de atraso do locatício os valores caucionados em poder do Locador já estão suportando os efeitos da mora, sendo portanto, a modalidade de garantia que deve persistir no contrato de locação.
Se faz oportuno trazer à luz do presente estudo que em momento algum deve ser levado em consideração a eficácia da modalidade de garantia locatícia. Havendo duas modalidades de garantia locatícia prevalecerá a que primeiro surtiu efeitos, sejam eles satisfatórios ou não.
3.2 A PENALIDADE EM DECORRÊNCIA DA DUPLA GARANTIA
O artigo 43 inciso II da Lei do Inquilino prescreve que:
Art. 43. Constitui contravenção penal, punível com prisão simples de cinco dias a seis meses ou multa de três a doze meses do valor do último aluguel atualizado, revertida em favor do locatário:
...
II - exigir, por motivo de locação ou sublocação, mais de uma modalidade de garantia num mesmo contrato de locação;
A sanção penal prevista, via de regra, é convertida em sanção econômica, motivo pelo qual nosso estudo se limitará a ela.
O texto de Lei menciona expressamente que o valor da multa será revertida em favor do Locatário. Desta forma tem-se que o titular do crédito gerado pela infração legal cometida pelo Locador é o Locatário.
A fixação do quantun indenizatório dependerá do caso concreto, levando-se em consideração o poder econômico das partes bem como a existência, ou não, de má-fé por parte do Locador.
Havendo inadimplência de obrigações pecuniárias do Locatário este crédito decorrente da dupla garantia deve ser compensado, nos termos do artigo art. 368 do Código Civil, que assim preconiza: "Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem."
Em que pese ser o Locatário o titular do crédito oriundo da infração legal cometida pelo Locador não há empecilhos de nenhuma ordem que tal crédito seja solicitado pelos fiadores em eventual peça de embargos à execução.
Como vimos anteriormente, havendo a cláusula de conservação de imóvel e fiança a garantia a ser tida como válida é a cláusula de conservação do imóvel. Desta forma, nos casos em que o fiador venha a ser demandado judicialmente para pagar débitos decorrentes do contrato de locação ele tem legitimidade para solicitar sua ilegitimidade passiva bem como requerer a penalidade econômica a ser imposta ao Locador em favor do Locatário, requerendo a compensação de valores.
A nosso ver, tal requerimento deve ser feito de forma subsidiária ao pedido de ilegitimidade passiva. Isto pois, no caso remoto do magistrado não se convencer de que a garantia da fiança é a garantia em excesso, o fiador continuará a fazer parte da demanda sendo responsável pelos débitos do locatário.
Desta forma, sua participação na lide seria direta. O pleito de que se aplique a norma de ordem pública a fim de se ter a compensação de valores (crédito decorrente da multa com os valores devidos pelo locatário) para que o valor a ser suportado por ele seja reduzido está amparado em nosso devido processo legal pelo princípio da ampla defesa.
Neste hipotético caso processual, a posição do fiador é para além da figura do terceiro interessado, sendo parte direta da demanda objetivando a utilização do direito positivado a seu favor.
Tal legitimidade se dá em virtude do assunto ser norma de ordem pública. Assim sendo, competiria ao juiz conhecê-la de ofício podendo ser alegada em qualquer tempo ou grau de jurisdição[17].
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante todo o exposto pode-se concluir que a existência de cláusula de conservação do imóvel, com a consequente cobrança de valores para assegurar a restituição do imóvel nos termos da vistoria de entrada, constitui uma garantia locatícia que se assemelha à caução, feita de forma parcelada.
Sendo, portanto, uma garantia locatícia, impede que seja utilizada uma segunda modalidade de garantia que não seja a caução. Desta forma, impede-se que seja incluído neste contrato fiadores ou seguro fiança.
Havendo num mesmo contrato duas modalidades de garantia locatícia, uma delas deve ser considerada nula de pleno direito. Analisando o caso concreto é que se poderá chegar a uma conclusão de qual garantia locatícia deve ser anulada.
Os parâmetros para se averiguar qual a garantia que permanece válida são 03 (três): o contrato de locação é contrato de adesão ou convergência de vontades; qual a garantia mais gravosa ao locatário; e, por fim, qual modalidade de garantia surtiu efeitos no mundo jurídico em primeiro lugar.
Uma vez identificada qual garantia permanece e qual é nula passa-se à aplicação da sanção em decorrência da infração legal. Embora a legislação possibilite uma sanção penal, o que se vê na prática é a aplicação de sanção econômica.
Tal sanção econômica será, conforme os critérios do magistrado, de 03 (três) a 12 (doze) vezes o valor do aluguel revertida em favor do Locatário.
Esta sanção econômica decorre de norma de ordem pública, podendo ser arguida pelo próprio Locatário ou pelos Fiadores que porventura figurem no contrato de locação. Como exposto anteriormente, só se justifica o pleito dos fiadores para que haja a compensação de valores com os débitos do Locatário a fim de se ver diminuída sua dívida, posto que o titular do crédito desta multa é, indiscutivelmente, o Locatário.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGHIARIAN, Hércules. Curso de direito imobiliário. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2012.
BARROS, Francisco Carlos Rocha de. Comentários à lei do inquilinato. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
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DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. VII, 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
FILHO, Nagib Slaibi e SÁ, Romar Navarro de. Comentários à lei do inquilinato. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
FRANCO, Vera Helena de Mello. Contratos: direito civil e empresarial. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
FRANGALI, Michele. Garanzia (Diritto Privato), in Enciclopedia Del Diritto. Vol. 18. Milano, 1969.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
TUCCI, Rogério Lauria e AZEVEDO, Alvaro Villaça. Tratado da locação predial urbana. 1 ed., 3. Tiragem. São Paulo: Saraiva, 1988.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. vol. III, 10 ed. São Paulo: Atlas, 2010.
Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática: Lei nº 8.245, de 18 de outubro de1991. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2010.
WALD, Arnold. Direito Civil. Direito das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 21 ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013.
[1] Advogado graduado no Centro Universitário Curitiba - Unicuritiba. Pós Graduado em Direito Imobiliário na Universidade Positivo. Acadêmico do curso de Pós Graduação em Contratos no Centro Universitário Curitiba - Unicuritiba e acadêmico do curso de Pós Graduação em Processo Civil no Instituto Bacellar. Email: flavio@ebadvogados.com.br.
[2] Procuradora do Município de Colombo/PR. Advogada graduada na Universidade Tuiuti do Paraná. Pós Gradua em Direito Imobiliário na Universidade Positivo. Email: taipavin@hotmail.com.
[3] Professor Universitário graduado em Administração de Empresas pela UFPR; Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba; Graduado em Licenciatura Formação Pedagógica de Docentes pela UFPR; Pós graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes; Mestre em Direito pela PUC/PR; Doutor em Direito pela PUC/PR.
[7] TUCCI, Rogério Lauria e AZEVEDO, Alvaro Villaça. Tratado da locação predial urbana. 1 ed., 3 tiragem. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 329-30.
[8] FRANGALI, Michele. Garanzia (Diritto Privato), in Enciclopedia Di Diritto. Vol. 18. Milano, 1969, p. 453-4.
[9] TUCCI, Rogério Lauria e AZEVEDO, Alvaro Villaça. Tratado da locação predial urbana. 1 ed., 3 tiragem. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 329-31.
[10] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 20 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002, p. 378-79.
[11] BARROS, Francisco Carlos Rocha de. Comentários a Lei do Inquilinato. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 188.
[12] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 20 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002, p. 160-62.
[13] VENOSA, Silva de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática: Lei nº8.245, de 18 de outubro de 1991. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 170-71.
[14] FILHO, Nagib Slaibi e SÁ, Romar Navarro de. Comentários à lei do inquilinato. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 269.
[16] WALD, Arnold. Direito Civil. Direito das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 21 ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013.
[17] Há de se tomar cuidado quando se fala que normas de ordem pública podem ser arguidas em qualquer tempo ou grau de jurisdição. Embora nosso direito positivado assim estabeleça é cediço que o os tribunais superiores (STF e STJ) requerem, como forma de pressuposto de admissibilidade dos recursos o chamado "pré-questionamento".
Flávio Henrique Eickhoff [1]
Taisa Pavin Wendrechovski [2]
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Ribeiro Losso [3]
Fonte: Jus Brasil