quinta-feira, 10 de novembro de 2011

ESTUDO APONTA ALERTA DE BOLHA PARA ALGUNS SEGMENTOS DO MERCADO


Carta trimestral do NRE-Poli mostra fatores que indicam desequilíbrio no setor imobiliário. Confira artigo:

Aprendendo sobre bolhas
Prof. Dr. João da Rocha Lima Jr.

1. Desarticulação de mercado, com prevalência da demanda sobre a oferta é o agente provocador de bolhas de preços. Os indutores de desarticulação são preferencialmente: i. crédito imobiliário irresponsável, ii. incremento transitório de demanda, na maioria dos casos pela ativação de demanda reprimida em crises da economia até se esgotar e iii. forte presença de investidores desinformados, em certos casos também vestidos de especuladores.

Na atual conjuntura do mercado brasileiro, muito se tem discutido sobre os movimentos de preços, crescendo acima de qualquer índice de inflação, mesmo com o freio de setembro e outubro, que mostram taxas mais moderadas de crescimento, mas ainda acima de qualquer índice de inflação. Essa ansiedade vem ensejando, inclusive que, das últimas quatro cartas do NRE-Poli, três delas fossem dedicadas ao assunto, que volta nesta quinta.

Lições sobre bolhas. Das bolhas ocorridas, documentadas ou não¹, é válido extrair as seguintes lições:

i. no mercado do real estate, diferentemente dos mercados de capitais e de commodities, devido à inércia do real estate, o ciclo de inchaço dos preços (preços praticados acima do fair value) é longo e o ciclo de desfazimento da bolha é também longo. As taxas de variação de preços em ciclos curtos podem transmitir a ideia de que não sejam especulativas, o que mascara a conjuntura e dificulta a sua leitura;

ii. a distorção de preços, conduzida pela desarticulação de mercado, com forte presença de capitais especulativos, não ocorre, na cauda de inchaço dos preços, generalizadamente em todos os segmentos do mercado, seja geograficamente identificados (cidades e bairros), seja por tipo de produto (residencial de renda média, ou de renda alta e comercial). Os capitais especulativos não são concentrados, mas compreendem um grande conjunto de pequenos e médios investidores;

iii. a cauda de queda tende a levar os preços para abaixo do preço justo, muitas vezes com razões de troca abaixo do custo de reprodução, de modo que haverá uma acomodação adiante, até o mercado atingir um patamar de atratividade adequado para o seu reequilíbrio.

O tema desta carta será coberto com uma exploração dos reflexos dos indutores.

i. crédito imobiliário irresponsável e ii. forte presença de investidores desinformados vestidos de especuladores, nos movimentos de preços verificados na economia setorial norte-americana, para procurar extrair algumas lições sobre a formação e o desvanecimento de bolhas. Não se trata de fazer uma aproximação entre aquele mercado e o brasileiro quanto aos indutores de desarticulação, mas somente de mostrar algumas características do processo, que podem subsidiar a avaliação da conjuntura brasileira.

A desarticulação do mercado tende a acontecer pelo desequilíbrio na demanda e os seus diferentes indutores não só fomentam especulação sobre preços, mas também provocam a ansiedade de "comprar rapidamente".

Especulação traz para o mercado capitais que produzem demanda artificial, que age como aceleradora do crescimento dos preços. Afinal, a lei da avidez de riqueza, que conduz o especulador a fazer posições para esperar a valorização, também é a motora dos aumentos dos preços impostos pelos empreendedores. Nesse sentido, o resultado das empresas cresce e os especuladores estocam produtos cujo fair value (valor justo) está abaixo do preço pago.

A ansiedade provoca aceleração do processo decisório da demanda orgânica (portanto não especulativa), por prevalecer a sensação de que os preços vêm subindo e continuarão subindo. A capacidade de pagar dos diferentes segmentos de mercado não acompanha a curva de preços, de modo que o retardo da decisão de compra provocará frustração. A qualidade do produto a que têm acesso os diferentes segmentos de mercado vai se comprometendo no correr do ciclo de alta de preços. Esse efeito é percebido em São Paulo, verificando como as dimensões dos imóveis ofertados para os segmentos de renda média têm caído recorrentemente nesta conjuntura.

2. A base de informações para esta Carta é o índice Case-Schiller (CS) de preços de imóveis residenciais medido no mercado norte-americano desde 1987 em algumas cidades e 1990 em outras, constituindo-se numa base de dados da qual é possível extrair lições importantes sobre comportamento do mercado de real estate. O índice é medido para 20 das maiores cidades americanas, havendo um índice composto, que procura refletir uma condição macroeconômica, que, como veremos adiante, é meramente teórica. O índice composto (Composto-20) é de pouca utilidade.

O índice mede variação nominal de preços em USD. Portanto, para entender quanto crescem os preços dos imóveis fugindo da curva do fair value (valor justo), os dados serão tratados deflacionados pelo CPI (índice de preços ao consumidor), como proxy para refletir a evolução da renda do mercado.

Uso pouco mais de 11 anos para alguns dos dados, porque este ciclo mostra a configuração de bolha ascendente e seu desvanecimento. Para taxas médias de crescimento e de perda de preço, uso ciclo de 10 anos.

3. Os quadros 1 e 2 mostram o cenário indicado pela variação do índice CS, de onde se destaca:

i. o ciclo de aumento de preços é longo, bem como a curva de desvanecimento da bolha. A maior taxa de crescimento anual é de Miami, com uma média de 16,56% ano na subida e Las Vegas apresenta 18,03% de média anual de queda de preços;

ii. a transição e início da queda nos mercados fortemente especulados ocorrem praticamente no mesmo momento. Ou seja, aparentemente, a sensação de que "a euforia acabou" se dispersa pelos mercados;



iii. os mercados que sustentam preços em crescimento por mais tempo acabam por sofrer curva de queda mais acentuada. Aparentemente, a disseminação da ansiedade de perda contínua e recorrente de preços, inverte o eixo especulativo de todo o mercado;

iv. a bolha não é dispersa pelos mercados, na subida: Atlanta, Cleveland, Charlotte, Dallas, Denver e Detroit não apresentaram aumentos acentuados. Na crise da quebra de preços, o descrédito na qualidade do ativo (fair value x preço de mercado) faz pressão em todos os mercados, inclusive os que não apresentaram bolha de preços em alta.


4. Índices de preços de real estate sempre devem ser explorados deflacionados. O melhor deflator é algum índice confiável de preços ao consumidor. Esse procedimento faz com que o índice de preços seja ajustado pela renda do mercado. O gráfico 3 mostra índice (IPreços CS) nominal em USD e em USD ajustado pela renda do mercado usando o CPI, para a cidade de Miami. Percebe-se que as diferenças são relevantes. O mercado de real estate apresenta evolução de preços compatível com a sua elevada inércia, o que significa verificar taxas baixas nas variações de preços em ciclos curtos. A bolha acontece, porque as taxas baixas em ciclo mensal são replicadas, de modo recorrente, por muitos meses. Essa questão, inclusive, é que faz muitos se insurgirem, quando se rotula os movimentos como sendo desajustados (fair value x preço do mercado), alegando que os preços estão sendo praticados e que os aumentos não são especulativos.



O gráfico 4 mostra as taxas anuais de variação de preços, que sustentou a bolha em Miami. O aumento anual mais expressivo ocorreu em 2005, auge da especulação (27,03%) e a queda mais agressiva foi em 2008, auge da crise (28,92%).



5. O comportamento especulativo de preços é local, até por bairro, e certamente por tipo de produto. Estudos do NRE-Poli, indicam, por exemplo, que o preço de referência Fipe-Zap para empreendimentos residenciais no bairro de Vila Mariana em São Paulo, no mês de junho-2011 estava perto de 16,5% acima do preço justo (fair value). Outros estudos do NRE-Poli indicavam que o mercado de São Paulo praticava preços para os edifícios de escritórios compartilhados mais de 38% acima do fair value, quando se tomavam valores sem proteção ao risco. Calculando valores com proteção ao risco, o excesso superava os 100%.

Uma ilustração adequada para esta característica está no gráfico 5, com os movimentos de preços de segmentos do mercado norte-americano. A curva de Chicago vira descendente 10 meses após a de Miami. Miami está totalmente descolada da marcação global do mercado na formação da bolha (Composto 20). Na queda dos preços os segmentos de mercado (cidades) têm comportamento semelhante. O mercado da cidade de Dallas não sofreu bolha, mas foi vitimado pela queda, o que reforça o conceito de que, diante da incerteza, na queda, os mercado tendem a se comportar em viés equivalente.



6. No Brasil trabalhamos com o índice Fipe-Zap, cuja evolução para alguns dos principais mercados está nos gráficos 6 e 7, deflacionando o indicador pela renda do mercado ao par do Ipca-ibge (as cidades estão separadas em dois gráficos somente para facilitar a leitura).

Excluindo Salvador e Fortaleza num curto intervalo de tempo, os indicadores mostram evolução recorrente de preços. Parte do crescimento de preços é justificada por fatores estruturais (custos e margens), representados por terrenos, outorga onerosa, custos de construção acima do Ipca-ibge, validação das oportunidades de investimento em Incc-fgv, com posterior ajuste devido à representatividade do índice, e marcação de margens de segurança para riscos, com a manutenção das margens para resultado. Esses fatores justificam alguns dos preços residenciais até o final de 2010, mas dentro de 2011 já é possível emitir um alerta de bolha como comentei na Carta-25-11.

É notável que os dados ainda são muito novos, o que não confere à série a mesma capacidade de sustentar avaliações de longo prazo, como é possível fazer, utilizando o Índice-CS.



7. O índice brasileiro escolhido não tem histórico para que possamos identificar ondas de preços no passado correspondentes a desajustes tópicos do mercado ou a bolhas, quando acontece descolamento muito acentuado entre o fair value e os preços praticados. Entretanto, podemos construir a imagem comparada na figura do gráfico 8. Essa imagem reflete tendências de comportamento e preços relativos, plotando em paralelo à curva da onda do mercado americano (Composto-20) a curva da cidade de São Paulo (preços residenciais).
Passados 75 meses da base, o mercado norte-americano atingiu seu pico de preços, verificando-se que passados 45 meses da base, os preços em São Paulo sofreram uma variação equivalente. Notamos que essas curvas refletem os indicadores deflacionados pela renda do mercado, de sorte que mostram variação efetiva dos preços, contra a capacidade de pagar do mercado.

Essa imagem é rica para o aprendizado sobre bolhas, ainda que a curva de São Paulo não permita afirmar que uma reversão de preços está por acontecer adiante. O que é possível afirmar, não pela leitura do comportamento do índice Fipe-Zap, mas pela leitura direta dos preços praticados contra o fair value, que pode ser medido tecnicamente, é que em determinados segmentos do mercado o alerta de bolha está lançado. As informações atuais são de que a velocidade de absorção do mercado (vendas sobre a oferta) está muito mais baixa em 2011 do que esteve em 2010 e mais baixa do que desejam os empreendedores. Ou seja, mesmo com o ajuste dos produtos (menores dimensões), a sua colocação no mercado está mais difícil. A pergunta é: o mercado, na sua demanda orgânica, já está numa postura crítica e, além disso os especuladores se afastam? Se a resposta for sim, estamos próximos de um freio na evolução dos preços.



8. Não é lícito especular sobre comportamento de preços, como se apresentassem uma curva determinística, com fundamento em dados históricos. Mas, olhando para as hipóteses do gráfico 9 (curvas A, B, C, D e E), o que parece mais adequado como especulação sobre preços adiante: manutenção do gradiente de crescimento por ainda muitos meses (A e E); sustentação desse padrão de crescimento num modelo equivalente ao norte-americano (75 meses no total) e depois queda em 5 anos (B); reviravolta no movimento de preços, com a manutenção de um patamar ao redor do atual por mais um ano e depois queda(C); manutenção do patamar atual por longo prazo (D); ou nada disso? Vamos postar esta enquete no site do NRE-Poli (www.realestate.br) - opine e conheça a opinião prevalente do mercado.

¹ A recente bolha norte-americana está fartamente documentada. A bolha brasileira dos flats, desinflada há próximos dez anos, não está documentada.

Fonte: PINIweb

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