quinta-feira, 25 de março de 2021

Governo quer liberar uso de imóvel em financiamento como garantia e pode destravar R$ 10 trilhões


Em meio à elaboração de medidas para enfrentar a nova onda da pandemia de covid-19, o Ministério da Economia concluiu uma Medida Provisória (MP) que pode destravar o uso de cerca de R$ 10 trilhões como garantia de crédito, com a criação das Centrais Gestoras de Garantia (CGG).

A minuta, à qual teve acesso o Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, foi elaborada em discussões entre o Ministério da Economia e pessoas do mercado que integram a Iniciativa de Mercado de Capitais (IMK). No momento, encontra-se em discussões técnicas e jurídicas com a Casa Civil, um passo anterior à publicação.

“É uma medida sem custo fiscal, que melhora a eficiência das garantias e do crédito”, disse ao Valor o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida.

Os R$ 10 trilhões correspondem ao valor estimado dos imóveis em poder de pessoas físicas. Boa parte desse valor está preso em operações de financiamento imobiliário. No entanto, o volume de empréstimos nesse mercado é hoje da ordem de R$ 600 bilhões.

“O potencial de expansão é gigantesco”, disse o subsecretário de Política Microeconômica e Financiamento da Infraestrutura do Ministério da Economia, Edson Bastos. Se ao patrimônio das pessoas físicas for somado o das empresas, o número é muito maior. Ele acredita que as CGG poderão representar, para o mercado de crédito, o que a alienação fiduciária foi para o mercado imobiliário nos anos 2000.

Num exemplo hipotético, uma pessoa compra por R$ 1 milhão um imóvel financiado. Cinco anos depois, o imóvel valorizou-se e vale R$ 2 milhões. Ao mesmo tempo, a pessoa já quitou metade do empréstimo. Assim, ela deve R$ 500 mil e tem um patrimônio de R$ 2 milhões em mãos, mas esse R$ 1,5 milhão de diferença não pode ser dado como garantia numa nova operação. O imóvel fica preso na operação de financiamento até que o empréstimo seja todo saldado.

A CGG vai fazer a gestão dessas garantias. Vai receber os imóveis alienados e dirá quanto a pessoa ou empresa pode tomar de novos empréstimos. Essa informação servirá para a operação ser contratada com qualquer banco associado à central, e não apenas no que concedeu o financiamento habitacional.

Gianluca Benvenutti, consultor associado da BMJ Consultores, afirmou que a medida vai ao encontro das práticas de open banking e interoperabilidade de dados estimuladas pelo Banco Central (BC), com potencial de injetar mais dinheiro na economia e reduzir a taxa de juros no longo prazo. “Um dos pontos complicados hoje é o uso de um bem como garantia em bancos diferentes. Às vezes, a pessoa faz malabarismo com três empréstimos e uma mesma garantia. A Central de Garantias pode impedir isso e diminuir a insegurança jurídica e inadimplência”, disse.

Segundo Bastos, a gestão burocrática dos imóveis alienados é cara e trabalhosa. É preciso, por exemplo, gerenciar o relacionamento com 3 mil cartórios e ter a capacidade de executar um imóvel dado em garantia em todo o país. Por isso, apenas a Caixa Econômica Federal (CEF) tem uma estrutura própria para isso. Os demais bancos que operam crédito imobiliário terceirizam essa parte. E a maior parte das instituições nem atua nesse mercado.

Com a CGG, o governo pretende eliminar essa barreira à entrada de novos operadores. Bancos pequenos, cooperativas de crédito e fintechs conseguirão operar empréstimos imobiliários. Com mais competição e menor custo de operação, é esperado que os juros caiam.

As centrais vão funcionar também para créditos a pessoas jurídicas. Hoje, disse Bastos, praticamente nenhuma empresa pode dar um galpão, ou uma terra, em garantia de um empréstimo porque sabe que aquele bem ficará “travado” até a operação ser encerrada. Com isso, acaba recorrendo a outras linhas de financiamento mais caras.

A MP traz outro mecanismo que permite otimizar o uso do patrimônio como garantia de empréstimos: a possibilidade de atualizar o valor do imóvel no cartório e utilizar o patrimônio maior como garantia para tomar uma nova operação na instituição que o financiou. Esse mecanismo chegou a constar de uma MP editada no ano passado, a 992, que perdeu a vigência por não ter sido apreciada pelo Congresso Nacional no prazo de 120 dias.

Uma terceira alteração proposta pela MP é a possibilidade de a pessoa manter aplicado um recurso do fundo de pensão que já está liberado para saque e usar esse valor como garantia de um empréstimo. O objetivo é estimular poupança de longo prazo.

As pessoas que participam de fundos de previdência fechados e já podem sacar os recursos provavelmente recebem, em suas aplicações, rendimentos maiores do que a taxa Selic, comentou Bastos. Em meio à pandemia, muitas dessas pessoas podem se ver pressionadas a fazer saques. A alternativa que lhes é oferecida é tomar um empréstimo, provavelmente com custo inferior ao rendimento pago pelo fundo, dando esses recursos como garantia.

Nos fundos de previdência abertos, em que o saque é possível a qualquer momento, essa possibilidade de utilizar o dinheiro como garantia visa a alongar os prazos de resgate.

A MP também facilita que as hipotecas possam ser executadas extrajudicialmente. Hoje, os bens dados como garantia nessas operações podem ser tomados, em caso de inadimplência, principalmente com a autorização de um juiz. Por causa dessa dificuldade, e de decisões favoráveis aos mutuários, o mercado deixou de oferecer hipotecas.

Ao fazer essa alteração, a MP aproxima a hipoteca da alienação fiduciária, que é a modalidade utilizada atualmente. Na alienação fiduciária, a propriedade do bem passa a pertencer à instituição financeira enquanto não for quitado o empréstimo e a execução ocorre extrajudicialmente, caso os pagamentos não sejam feitos.

Fonte: VALOR ECONôMICO

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