Foi recentemente publicado julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.863.571-ES, relatora ministra Nancy Andrighi) que examinou a responsabilidade do fiador por débitos decorrentes de locação de imóveis, especialmente diante da prorrogação da locação por prazo indeterminado.
A fiança é um contrato acessório, pelo qual o fiador assume perante o credor a obrigação subsidiária de adimplir dívida do devedor, caso este não a cumpra, exigindo forma escrita e atraindo interpretação restritiva, de sorte que o fiador não responde por dívida que não fora ajustada expressamente em documento por escrito ou que não teve prévia ciência.
O contrato de locação de imóveis pode ser celebrado por prazo determinado ou indeterminado. Findo o prazo estipulado na locação, se o locatário continuar na posse do imóvel por mais de 30 dias sem oposição do locador, presume-se a prorrogada a locação por prazo indeterminado.
No curso do contrato de locação por prazo determinado, responde o fiador pela dívida relativa ao lapso temporal de sua vigência, eis que, a par da interpretação restritiva, não pode responder por dívidas da locação após o prazo de duração do contrato sem a sua anuência.
De outro lado, celebrada a locação por prazo indeterminado, o fiador poderá se eximir da obrigação de pagar a dívida, desde que realize a notificação do credor, ficando a sua responsabilidade limitada até 60 dias após a mencionada notificação, a teor do artigo 835 do Código Civil.
A denúncia unilateral para liberar o fiador da obrigação reputa-se válida, se o contrato de locação tiver sido celebrado por prazo indeterminado e que tenha notificado o credor com lapso temporal previsto na lei civil (AgInt no AREsp 627755/RJ, relator ministro Raul Araújo).
Admite-se inclusive que, no curso da locação por prazo determinado, o fiador possa notificar o credor, dando-lhe ciência da exoneração da obrigação de pagar a dívida, caso o contrato venha a se converter no futuro em prazo indeterminado, de sorte que responderá pelas obrigações até o lapso temporal de 60 dias a contar do instante em que contrato de locação se tornou por prazo indeterminado (REsp 1798924/RS, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino).
Quando houver a celebração de aditivo ao contrato de locação, impõe-se a obtenção de nova anuência do fiador, eis que a fiança somente comporta interpretação restritiva, sob pena de haver a exoneração da sua responsabilidade perante o credor. Nesse espírito, o STJ editou, em 2/10/1998, a Súmula 214, cujo enunciado estabelece que "o fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu".
Em 2016, o STJ, no EREsp 566.633-CE, firmou orientação de que o fiador continua responsável pelos débitos em locação posteriores à prorrogação do contrato, se anuiu expressamente a essa possibilidade e não realizou a notificação do credor na forma do artigo 835 do Código Civil. A partir desse julgado, havendo cláusula expressa no contrato de locação em que preveja que o fiador assume a responsabilidade pelos débitos locatícios até a efetiva entrega das chaves do imóvel, não se cogita da liberação do fiador, ainda que o contrato tenha se prorrogado por prazo indeterminado, o que atenuou o alcance do enunciado da súmula 214 do STJ.
Assim, na hipótese de haver cláusula expressa na locação, estabelecendo que se obriga pela dívida até a entrega das chaves, o fiador continua responsável pela garantia, ainda que o contrato tenha se prorrogado por prazo indeterminado (AgRg no REsp 1209608-MG, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino).
Havendo a prorrogação da locação por prazo determinado em indeterminado, ainda que exista cláusula expressa responsabilizando pelos débitos até a entrega das chaves, o fiador poderá exonerar-se da obrigação, mediante a notificação do credor na forma da legislação, eis que a relação contratual não pode ser perpétua, sendo assegurada a qualquer das partes, e a qualquer tempo, a denúncia unilateral com vistas à liberação do contrato.
Com efeito, a Lei 12.112/2009 alterou a Lei de Locação, estabelecendo que "qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado" (artigo 39) e "prorrogação da locação por prazo indeterminado uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 dias após a notificação ao locador" (artigo 40, X).
Por oportuno, as mencionadas alterações impostas à Lei de Locação têm como finalidade conferir ao locador uma maior segurança jurídica quanto à manutenção das garantias, estendendo-as até a efetiva devolução do imóvel e, ao mesmo tempo, prever a possibilidade de, havendo prorrogação da locação por prazo indeterminado, o fiador poder se eximir da obrigação, mediante notificação ao locador, caso em que permanecerá obrigado pelo prazo de 120 dias a contar da notificação.
A partir da Lei 12.112/2009, para contratos de fiança firmados a partir de sua vigência, a garantia, em caso de prorrogação legal do contrato de locação por prazo indeterminado, também prorroga-se automaticamente, resguardando-se, durante essa prorrogação, evidentemente, a faculdade de o fiador de exonerar-se da obrigação mediante notificação. Vale dizer, notificado o locador ainda no período determinado da locação acerca da pretensão de exoneração do fiador, os efeitos dessa exoneração somente serão produzidos após o prazo de 120 dias da data em que se tornou indeterminado o contrato de locação, e não da notificação (REsp 1798924/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino).
Gleydson K. L. Oliveira é advogado, professor da graduação e do mestrado da UFRN, doutor e mestre em Direito pela PUC-SP.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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