O tema tem como ponto fulcral as ferramentas jurídicas possíveis para evitar o inadimplemento das obrigações contratuais em contratos de permuta para construção de empreendimento imobiliário. É comum surgir crises entre o terrenista (proprietário que vende a área para construção de prédio) e a incorporadora durante o curso do contrato de aquisição da área, especialmente no cumprimento das obrigações estipuladas nos contratos imobiliários considerando as inúmeras cláusulas e condições a serem superadas durante a compra de um terreno para o desenvolvimento de um projeto residencial ou comercial.
Nos contratos de promessa de compra e venda ou permuta de bem imóvel, as partes negociam condições que serão performadas durante o curso do negócio e, no entanto, o projeto imobiliário está sujeito às adversidades que impactam no cumprimento das obrigações contratuais, pois, na maioria das vezes, são contratos de trato longo, isto é, contratos que terão um tempo razoável entre a sua assinatura até a finalização e, assim, é admissível a adoção de cláusulas conhecidas como MAC (material adverse changes), isto é, estipulações que regulam como as partes podem renegociar o contrato na hipótese do surgimento de fatos supervenientes que dificultem a continuidade daquilo que foi contratado.
Propõe-se incorporar práticas jurídicas advindas dos negócios de fusões e aquisição de empresas (M&A), pois o dever de negociar e ajustar compensações visa equilibrar tanto o risco do empreendedor como a expectativa de recebimento do vendedor pela venda/permuta do bem imóvel.
Fatos imprevisíveis podem resultar na perturbação do cumprimento contratual e excepcionalmente reclamar a revisão do trato, seja pela teoria da onerosidade excessiva, seja por menos, pois o desequilíbrio contratual que altera o sinalagma do pacto pode ensejar a renegociação sem a necessidade da presença concomitante de todos os requisitos como (I) advento de obrigação excessivamente onerosa;(II) com repercussão de extrema vantagem para outra parte; (III) por fato extraordinário e imprevisível.
Pode-se implementar ferramentas jurídicas com o objetivo de equilibrar a relação jurídica entre o terrenista e a incorporadora nos principais pontos de frustração de expectativas, como o combate às cláusulas de caráter puramente potestativo, lembrando-se que as cláusulas potestativas são aquelas na qual os efeitos de um contrato ficam ao arbítrio e vontade exclusiva de uma das partes, retirando-se o equilíbrio contratual no tocante às obrigações e deveres.
Como exemplo, não é raro se deparar com cláusulas resolutivas na qual o incorporador reserva o direito exclusivo de decidir sobre a viabilidade financeira do empreendimento durante o curso do contrato, geralmente na fase de due diligence e, assim, optar, unilateralmente, se dará ou não continuidade ao projeto em desfavor dos interesses do vendedor (estudo e decisão de viabilidade financeira do projeto após celebração do contrato).
Outra ferramenta jurídica é a convenção de cláusula denominada "HARDSHIP", a qual preconiza o dever das partes de negociar ou renegociar o contrato caso ocorra um impasse entre elas durante o curso do negócio, vale dizer, as partes se comprometem mediante estipulações pré-concebidas a discutir e buscar uma solução amigável antes de rescindir o instrumento face a alguma incompatibilidade. Este dever de negociar se torna uma obrigação de modo que, se surgir um impasse, não será conferido o direito de rescindir unilateralmente o pacto sem antes as partes passarem por um processo de mediação ou arbitragem na busca de solução para continuidade do contrato.
Importante também as partes estarem assessoradas por advogados especialistas em direito imobiliário para que sejam adotadas garantias eficazes para proteger o direito de crédito do vendedor e o cumprimento das obrigações, incluindo-se a estipulação de regras específicas para sanções individualizadas atinentes à mora no pagamento ou cumprimento de obrigações pactuadas e quais são as consequências em caso de inadimplemento relativo ou absoluto.
Não se olvide da importância de convencionar os motivos específicos para extinção da relação contratual e/ou, ainda, o surgimento da pretensão indenizatória em caso de eventual processo judicial com pedido de indenização por danos materiais e lucros cessantes pela aplicação da teoria do interesse positivo e da indenização pela teoria da perda da chance, na medida em que ambas as partes aportam expectativas de lucro e, por via de consequência, deixam de fazer negócio com outros pretendentes, ou seja, o terrenista deixa de vender sua área para outra incorporadora e a adquirente, por sua vez, deixa de empreender em outros espaços.
Geralmente, a superação das condições resolutivas se dá após a due diligence que recai sobre o estudo da situação financeira e jurídica do vendedor e do terreno e assim busca investigar dívidas ou impedimentos legais ensejadores de restrições quanto à segurança documental do negócio, especialmente, evitando que a operação caracterize fraude à execução ou fraude contra credores ou problemas no terreno como por exemplo limitações ambientais. Já pelo lado do vendedor, além da necessária pesquisa quanto à solvência do empreendedor e sua capacidade de execução do empreendimento como um todo, há também que se avaliar o prazo de recebimento pela venda (dinheiro) ou permuta (unidades habitacionais) e quais garantias serão disponibilizadas para segurança do credor, perquirindo-se, inclusive, se as sociedades que se apresentam como adquirentes ou fiadoras necessitam de aprovação pelo seu próprio conselho de administração de autorização expressa para não violarem seu estatuto e, por via de consequência, gerar nulidade contratual.
As garantias de pagamento ou entrega das unidades para o vendedor podem ser materializadas por meio de contratos de seguro (performance bond), fiança bancária, seguro fiança, garantia imobiliária, garantia fidejussória, transitoriamente por contrato de alienação fiduciária, dentre outros arranjos contratuais que se mostrarão mais ou menos eficazes dependendo dos detalhes de cada negócio, daí a importância de profunda análise e mapeamento dos riscos envolvidos, levando-se em consideração as caraterísticas das partes, seus objetivos específicos e as questões críticas que envolvem o empreendimento imobiliário a ser desenvolvido.
Seja na permuta física ou na permuta financeira, as garantias de pagamento mencionadas anteriormente são de suma importância, porém, nem sempre contratadas face ao custo ou pelo despreparo do vendedor permutante. Este interregno entre a transferência da propriedade do terreno e o recebimento integral do preço e/ou das unidades construídas é palco de conflitos constantes, e a pactuação de um contrato de seguro ou de fiança representa a salvaguarda do credor, cuja escolha adequada depende do tipo de permuta e do ajuste comercial entre as partes.
Por fim, deve-se entender que, em caso de naufrágio do negócio entabulado, o efeito liberatório para venda do bem imóvel à terceiros por força da rescisão contratual por meio de distrato ou por decisão judicial transitada em julgado representa uma questão altamente relevante ao proprietário, afinal enquanto este não se desvencilhar do contrato imobiliário celebrado, não poderá efetuar nova venda do seu terreno. Diante disto, deve-se ter especial atenção na construção das cláusulas contratuais e procedimentos mais céleres para desvincular o bem imóvel quando a questão controversa entre os contratantes se cinge ao quantum indenizatório (valor da indenização e multa) devido de parte a parte, momento em que a continuidade do negócio imobiliário inicialmente pretendido deixou de ser a intenção das partes.
Atualizado em: 25/3/2021 16:24
Remo Higashi Battaglia - Sócio do escritório Battaglia & Pedrosa / www.bpadvogados.com.br
Fonte: Migalhas de Peso
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