I - REsp 1813862
O registro formal de partilha de imóvel após a sentença em processo de inventário – o chamado registro translativo – não é condição necessária para o ajuizamento de ação de divisão ou de extinção do condomínio por qualquer um dos herdeiros. O motivo é que o registro, destinado a produzir efeitos em relação a terceiros e viabilizar os atos de disposição dos bens, não é indispensável para comprovar a propriedade – que é transferida aos herdeiros imediatamente após a abertura da sucessão (saisine).
O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que concluiu que a ação de extinção de condomínio dependeria do prévio registro da partilha no cartório de imóveis, como forma de comprovar a propriedade do bem.
Na ação que deu origem ao recurso, o juiz julgou procedente o pedido, extinguiu o condomínio e determinou a venda de imóveis que anteriormente foram objeto da herança, sendo que o total recebido deveria ser partilhado entre os condôminos, na proporção de seus respectivos quinhões. A sentença foi reformada pelo TJSP, que extinguiu a ação.
A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, apontou que, nos termos do princípio da saisine, com o falecimento, todos os herdeiros se tornaram coproprietários do todo unitário chamado herança.
Entretanto, a magistrada destacou a diferença da questão debatida nos autos, pois, embora tenha havido a transferência inicial da propriedade aos herdeiros, ocorreram também a prolação de sentença e a expedição do termo formal de partilha na ação de inventário.
Segundo a relatora, essa distinção é relevante, pois, de acordo com o artigo 1.791, parágrafo único, do Código Civil de 2002, até a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e à posse da herança, é indivisível e regulado pelas normas relativas ao condomínio – o que sugeriria, em sentido contrário, que, após a partilha, não haveria mais que se falar em indivisibilidade, tampouco em condomínio ou em transferência causa mortis.
"Conquanto essa interpretação resolva de imediato uma parcela significativa de situações, não se pode olvidar que há hipóteses em que a indivisibilidade dos bens permanecerá mesmo após a partilha, atribuindo-se aos herdeiros, ao término do inventário, apenas frações ideais dos bens, como, por exemplo, se não houver consenso acerca do modo de partilha ou se o acervo contiver bem de difícil repartição", explicou a ministra.
Nessas hipóteses, a ministra Nancy Andrighi destacou que há transferência imediata de propriedade da herança aos herdeiros e, após a partilha, é estabelecida a copropriedade dos herdeiros sobre as frações ideais dos bens que não puderem ser imediatamente divididos.
Em consequência, a ministra concluiu que o prévio registro translativo no cartório de imóveis, com a anotação da situação de copropriedade sobre as frações ideais dos herdeiros – e não mais, portanto, a copropriedade sobre o todo da herança –, "não é condição sine qua non para o ajuizamento de ação de divisão ou de extinção do condomínio por qualquer deles".
Ao reformar o acórdão do TJSP, em razão da ausência de manifestação sobre pontos da controvérsia nas contrarrazões do recurso especial, a relatora concluiu que as questões levantadas pelos recorridos na apelação e que não foram examinadas pelo tribunal paulista também não poderiam ser conhecidas pelo STJ, pois foram atingidas pela preclusão. Assim, a Terceira Turma restabeleceu integralmente a sentença que declarou a extinção do condomínio.
A matéria foi objeto de discussão no REsp 1813862.
II – O CONDOMÍNIO. A SUA EXTINÇÃO
Ensinou Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, tomo XI, ed. Bookseller, pág. 74) que, no conceito de comunhão, há alusão a objeto, que é único, ou se toma como se fosse único (universalidades), e à pluralidade de sujeitos. Não há somente comunhão de direito real (para Pontes de Miranda, erro de Carlos Maximiliano, Condomínio, 7): “em virtude de um direito real”). Basta pensar-se na comunhão mais conhecida e em que mais se usa o nome, - a comunhão matrimonial universal de bens; nela, as dívidas ativas e até as dívidas passivas são comuns. (É preciso, quando se fala de comunhão, não se pensar só em condomínio, ou compropriedade.) “ Denomina-se condomínio em geral a comunhão de propriedade”, acrescenta o mesmo autor. Outra denominação inaceitável. Disse Pontes de Miranda (obra citada, pág. 75) que “a comunhão da propriedade é a compropriedade. Condomínio é apenas o domínio com dois ou mais sujeitos, titulares dele. O conceito de propriedade, sendo mais largo que o de domínio, faz mais largo que o condomínio, o conceito de compropriedade.
Em síntese, na matéria, disse Pontes de Miranda (obra citada, pág. 75):
“Comunhão, compropriedade e condomínio são conceitos de diferentes abrangências, em decrescimento, porque são diferentes os conceitos de direitos, bens e domínio. A palavra condominium não aparece nas fontes romanas; o que lá se vê é res communis pro parte habere, habere pro indiviso. O condomínio é dominus, como o dono único, o solus dominus. Por ser exclusivo o domínio, não pode o bem pertencer, ao mesmo tempo, a duas pessoas, in solidum, isto é, por inteiro: Duorum in solidum dominium vel possessionem esse non posse (L. 5, § 15, D. commodati vel contra, 13, 6). Tampouco, o domínio pode ser sobre parte da coisa, isto é, sobre pedaço; toda parte divisa é objeto por si só. Exceto a parede-meia e outras porções tais.
Com relação a comunhão pro diviso, conclui Pontes de Miranda: “Mas é possível: a) dois ou mais sujeitos de direito tenham o domínio da mesma coisa em toda ela, tendo cada um parte intelectual, dita que duas ou mais pessoas são donas de x de toda a coisa indivisa, de modo que cada partícula que seja todas as pessoas são proprietárias em comum. É a comunhão pro indiviso. É o condomínio, portanto, o tipo mais importante da compropriedade; b) que haja unidade material e jurídica de certas partes da coisa – o que acontece se a proximidade e a existência de partes ou serviços comuns servem à superposição da unidade à pluralidade. É a comunhão pro diviso. A questão de poder haver, em construção jurídica científica, comunhão pro diviso, isto é, se isso não envolve contradictio in adiecto, é velha, e sempre nova. Mas resolve-se, como veremos, pela observação dos fatos mesmos; em toda comunhão pro diviso, quase toda a coisa está dividida em objeto (e.g. apartamentos), mas algo existe que é comum e integra a mesma coisa material (edifício, no caso do exemplo)”.
Temos com relação ao condomínio as seguintes concepções:
a) Teoria da parte ideal ou intelectual: tal é que tem o direito como próprio de cada condômino, recaindo na coisa materialmente indivisa, mas intelectualmente partida. Essa teoria vai desde o mínimo da assimilação da coisa indivisa à coisa materialmente divisível até à simples alusão à fração de cálculo a ser feito sobre o valor da coisa;
b) O direito de propriedade é que se divide, não a coisa, que, in hipótese, é indivisa;
Na literatura luso-brasileira e brasileira temos:
a) Teoria da propriedade limitada: Coelho da Rocha (Instituições, I, 36*) viu na comunhão pro diviso “propriedade limitada”, em que cada uma das pessoas exerce sua porção da propriedade, ou alguns desses direitos parciais, de que ela se compõe, ao passo que, na comunhão pro indiviso, a muitas pessoas cabe pro indiviso o mesmo direito, ou seja total, ou parcial;
b) Teoria da anormalidade: Lafaiete Rodrigues Pereira (Direito das coisas, I, 86) tinha a compropriedade como relação de direito única, espécie de exceção ao princípio in soludum dominium vel possessionem esse non posse. Essa alusão à anormalidade é explícita em Clóvis Beviláqua (Código Civil Comentado, 1ª edição, III, 156): “O condomínio ou compropriedade é a forma anormal da propriedade...”). Para ele, “dois ou mais sujeitos exercem direito de forma simultânea. Nessa mesma ilação tem-se Virgílio de Sá Preira (Manual, VIII, 394 – 400).
As teorias apresentadas pelos teóricos sobre o condomínio procuraram distinguir a divisão do direito segundo a sua substância, portanto, em si; a divisão do direito segundo o seu objeto (ou o seu exercício no objeto etc). A primeira espécie é possível se o direito contém em si elementos-cerne e elementos secundários, ou, pelo menos, complementares, como acontece exatamente com o domínio, como explanou Pontes de Miranda (obra citada, pág. 80), que consiste naquele cerne de que se falou e de outros elementos , tais como o fructus, o usus o abusos. Quando se separa o direito real de uso, de usufruto, de habitação ou outro que a lei o reconhece, nem por isso deixa de existir o domínio.
Quanto a segunda espécie, como citou Pontes de Miranda (obra citada, pág. 81) é aí que as atitudes ontologistas e a atitude relativista se extremam. Pelo fato de serem dois ou mais os sujeitos e um só o dado que serve de objeto deles, diz-se que ocorre a divisão segundo o objeto. Por sua vez, C. G. Wächter (Über Telung und Teilbarkeit der Sachen u Rechte, 27, 184) chamou a atenção, em 1844, para a gradação da divisão do objeto (partes indivisae, partes divisae, pedaços autônomos), que vai da comunhão pro indiviso à desaparição da comunhão. Para Pontes de Miranda, o seu erro foi apenas o de ver nisso rachadura que parte o direito. Se lhe apuramos o conceito de direito, fácil é vermos que ele tomou o direito como ser, tanto que, sendo muitos os sujeitos, se parte o direito. Essa noção de direito que seria independente da relação jurídica põe à mostra todo o seu ontologismo. G. Wächter, como os outros, tomou o direito subjetivo, que é elemento interior e não-necessário das relações jurídicas (há direitos não-subjetivados, como o de quem entra e senta nos jardins públicos), pelo prius: o direito, algo ôntico, preexistia às relações jurídicas e, sendo duas ou mais essas relações, se teria de dar “divisão’ do direito, quer na propriedade pro partibus divisis quer na propriedade pro partibus indivisis.
Anoto ainda que E.Böcking (Pandekten, I, 331, nota 5) apontou a confusão entre o conceito de divisibilidade material e do de idealidade das partes, procurando acentuar que a parte material e a parte ideal são conceitos de diferentes sistemas lógicos.
Nessa linha de pensar, ainda Pontes de Miranda (obra citada, pág. 82) disse que “se uma coisa é partível, materialmente, ou se não no é, não se pergunta ao direito, mas à física. Não se trata de questão de direito, porém o objeto de direito não se confunde com o corpo como tal”.
Quando se diz que o condômino tem sua parte ideal na coisa, platoniza-se, se se dá à expressão “parte ideal” o significado de partição de coisa, como se em verdade a quebrássemos.
Dá-se o condomínio, quando a mesma coisa pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas, igual direito, idealmente, sobre o todo e cada uma de suas partes. O poder jurídico é atribuído a cada condômino, não sobre uma parte determinada da coisa, porém sobre ela em sua integralidade, assegurando-se a exclusividade jurídica ao conjunto de comproprietários, em relação a qualquer pessoa estranha, e disciplinando os respectivos comportamentos bem como a participação de cada um em função da utilização do objeto.
A cada condômino é assegurada uma cota ou fração ideal da coisa, e não uma parcela material desta. Cada cota ou fração não significa que a cada um dos comproprietários se reconhece a plenitude dominial sobre um fragmento físico do bem, mas que todos os comunheiros têm direitos qualitativamente iguais sobre a totalidade dele, limitados, contudo, na proporção quantitativa em que concorre com os outros comproprietários na titularidade sobre o conjunto.
Disse Clóvis Beviláqua que a comunhão não e a modalidade natural da propriedade. É um estado anormal. É um estado transitório.
Pode o condômino, a todo tempo, exigir a divisão da coisa comum. O processo divisório (actio communi dividundo) pode ser amigável ou litigioso. No primeiro caso, o juiz apenas homologa o plano divisório adotado pelos interessados. No segundo, decide as questões e dúvidas levantadas pelas partes.
Qualquer que seja a forma adotada (escritura de divisão, processo judicial quando todos forem maiores e capazes) a divisão e atributiva de propriedade, senão meramente declaratória. Essa a lição de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, volume IV, 1974, pág. 166). No entanto, Antônio CIccu destacou o caráter constitutivo da divisão com o argumento de que opera uma sob-rogação real, em que o quinhão individuado substitui a quota ideal do comunheiro.
A ação de divisão pode inaugura-se pelo julgamento preliminar da propriedade com expurgno dos títulos e exclusão de quem não seja condômino.
III – REGISTRO IMOBILIÁRIO E AÇÃO DE EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO
Volto-me a questão jurídica em discussão.
Determina o artigo 1.245 do Código Civil:
Art . 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. § 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
Tem-se ainda:
Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.
Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.
Observo a decisao do Tribunal de Justiça de Minas Gerais no processo 1.0024.06.119542-6/001:
EMENTA: EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO PELA ALIENAÇÃO DE COISA COMUM - COMPROVAÇÃO DA PROPRIEDADE - REGISTRO - AUSÊNCIA - SENTENÇA MANTIDA. O registro imobiliário apto a demonstrar a co-propriedade sobre o bem imóvel é requisito necessário à propositura da ação de extinção de condomínio.
A esse respeito, a lição de Nelson Rosenvald:
"Em linhas gerais, o direito pátrio perfilhou o sistema romano. Sem registro não se adquire, inter vivos, a propriedade de bem imóvel (art. 1.245, CC). Não basta o título para gerar efeito translativo (v.g., escritura pública, instrumento particular, carta de sentença e formal de partilha). O titulus adquirendi simplesmente serve de causa, pois nosso sistema jurídico, diversamente do francês, não reconhece força translativa aos contratos. É fundamental a intervenção estatal, realizado pelo Oficial do Cartório Imobiliário" (Direitos Reais, p. 43).
No mesmo sentido tem-se:
EMENTA: Apelação Cível. Extinção de Condomínio. Venda Judicial do Bem Imóvel. Prova da Propriedade. Transcrição do Título de Transferência. Necessidade.
Sendo a pretensão inicial de extinção do condomínio e a venda judicial do bem, é imperiosa a comprovação da propriedade pelos alienantes, com o registro da escritura de compra e venda, já que a matrícula do imóvel deve conter toda a cadeia dominial, sem salto ou omissão de encadeamento entre um registro e outro."(Apelação Cível nº 414.998-2, Terceira Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, Relatora Juíza ALBERGARIA COSTA, Data do julgamento: 17.09.2003).
"Ementa: Ação de Extinção de Condomínio - Alegação de Direito à Propriedade do Imóvel com base na Sentença que Decretou o Divórcio e Determinou a Meação dos Bens - Sentença que Decretou Extinto o Processo sem Análise do Mérito, por Ausência de Prova do Domínio.
A extinção do condomínio mediante divisão (CPC, art. 967) exige a prova do domínio do bem, importando a sua ausência na carência de ação (CPC, art. 267, VI). Outro não é o efeito se se trata - como, in casu, propriamente - de extinção de condomínio sobre coisa indivisível (não registrada no cartório de registro de imóveis), mediante alienação judicial, pois entendimento contrário conduziria à ineficiência e ineficácia do processo, e tornaria inócua a prestação jurisdicional, pois seria impossível a obtenção do título dominial pelo arrematante, ante o princípio da continuidade dos registros."(Apelação Cível nº 435.823-0, Quarta Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, Relator Juiz Antônio Sérvulo, Data do Julgamento: 22.09.2004).
"EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO - IMÓVEL URBANO - FALTA DE TÍTULO DE PROPRIEDADE. A providência do artigo 1.117 inciso II do Código de Processo Civil somente pode ser requerida pelo proprietário de parte ideal de coisa comum indivisível, provando sua condição de condômino com título devidamente transcrito no registro imobiliário."(Apelação Cível n. 384880-4, Rel. Juiz José Affonso da Costa Côrtes, j. em 10/04/2003).
"Ação de Divisão - Extinção de Condomínio - Títulos Dominiais - Inexistência - Bem pertencente ao espólio - Ilegitimidade ativa ad causam dos herdeiros - extinção do processo - Artigo 267, IV e VI do CPC. Em se tratando de ação de divisão que tem por finalidade precípua declarar a porção real da propriedade que corresponde à quota ideal de cada condômino, apenas tem legitimidade para postular o fim da comunhão o condômino, como tal arrimado em título de domínio"(Julgamento da Apelação Cível 311.803-4, em 28/6/2000, não publicado).
Ora, o título de domínio deve ser objeto de registro no Cartório de Imóveis competente à luz da Lei nº 6.015/73.
Pelo nosso direito, o contrato não pera a transferência do domínio. Gera tão-somente um direito de crédito, impropriamente domínio. Gera, tão-somente, um direito de crédito, um direito pessoal. Somente o registro cria o direito real. É a inscrição no Cartório de Imóveis que determina a aquisição da propriedade imóvel.
É o caráter publicitário do registro onde se constata a importância do registro como fundamental na organização jurídica da propriedade brasileira.
Diverso é o entendimento com relação a alienação dos direitos de posse. Trago, para tanto, decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“EXTINÇÃO DE COMPOSSE. DIREITOS PARTILHADOS EM AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. OCUPAÇÃO EXCLUSIVA PELO RÉU. INDEFERIMENTO DA INICIAL. SENTENÇA ANULADA. AUSÊNCIA DE REGISTRO QUE NÃO OBSTA A ALIENAÇÃO DOS DIREITOS DE POSSE. APELAÇÃO DA AUTORA PROVIDA, PARA ANULAR A SENTENÇA. 1. Ação de extinção de composse. Indeferimento da inicial, eis que a venda judicial do imóvel depende da comprovação da propriedade. Hipótese de anulação. 2. A ausência de registro que não obsta a alienação dos direitos de posse, bastando a prévia informação aos terceiros interessados na aquisição do bem. Interesse de agir existente. 3. Comunhão de direitos possessórios reconhecida em ação de reconhecimento e dissolução de união estável. P artilha em 50% para cada parte. 4. A pelação da autora provida, para anular a sentença”.
(TJSP, Ap. 0070282-14.2010.8.26.0002, 9ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Alexandre Lazzarini, j. 16/12/2014 g.n.)
Nesse sentido, já decidiu a 8ª Câmara daquele Tribunal de Justiça de São Paulo:
“ No presente caso, pretende-se a alienação dos direitos decorrentes de compromisso de compra e venda firmado pelo falecido (fls. 34/36), que foi casado com a autora e pai dos requeridos. Veja-se que os direitos inerentes ao imóvel foram partilhados na proporção de metade para cada uma das partes, consoante ação de conversão da separação judicial em divórcio (fls. 39/40). Inexiste óbice de que tais direitos não possam ser alienados, colocando fim à comunhão de interesses mantida entre as partes. Desnecessária a comprovação de propriedade do bem para o manejo da ação, o que deverá ser posteriormente postulado pelo adquirente de tais direitos, para que assim venha a obter a propriedade plena do imóvel, com futura regularização perante o registro imobiliário. O que não se mostra cabível é manter o estado de indivisão indefinidamente, quando apenas uma das partes usufrui do bem.” (Apelação nº 994.09.336313-7, j. 24.03.10, Salles Rossi).”
Anoto, da lição de Afrânio de Carvalho (Registro de imóveis, 1977, pág. 99) que a individualização da propriedade tem cabimento quando esta foi adquirida em comum e pode efetuar-se com atos divisórios judiciais ou particulares, uns e outros referidos nos diferentes números em que a nova lei do registro os previu. Dentre esses ocupa o lugar central a partilha nos inventários e arrolamentos causa mortis, que, distribuindo o acervo hereditário entre os herdeiros, faculta a cada um deles obter um título individualizador do seu quinhão, que é o formal de partilha.
Sendo assim, como ainda ensinou Afrânio de Carvalho, a inscrição do formal de partilha oferece a peculiaridade de fazer-se, por haver sido atribuído ao herdeiro em sua integridade, quer o seja imperfeitamente, pela referência a uma parte aritmética de outro, este então cabalmente individuado. É que a partilha às vezes importa, como ainda lecionou Afrânio de Carvalho, em divisão real dos imóveis de herança, mas outras vezes só consegue chegar a uma divisão ideal, em que o mesmo imóveis é atribuído fracionariamente a mais de um herdeiro. Analogicamente, enquadra-se na primeira ponta da alternativa o formal de partilha do legatário.
O formal de partilha é título declaratório da propriedade do herdeiro.
A inscrição declarativa serve para cobrir os casos que, por necessidade do sistema jurídico, escapam incialmente ao império da inscrição, mas que precisam para integração do registro, ser atraído por seu âmbito. A acessão, o usucapião (sentença declaratória), o direito hereditário são exemplos, como já se lia do antigo Código Civil(artigo 530, n.I, II, III e IV do Código Civil de 1916).
Em virtude da abertura da sucessão, uma propriedade individual, constante do livro, é seguida de uma propriedade comum, dos herdeiros, não constante dele. A fim de cobrir esse claro, uma vez quinhoada a propriedade comum, os quinhões, novamente de propriedade individual, ingressam no registro, como já aludia o antigo artigo 532, I, do Código Civil de 1916. Essa inscrição é necessária para a aquisição da propriedade, penso. A escritura pública de inventário e partilha reconhece o quinhão pertencente às partes, mas não lhes dá a propriedade dos bens. Para obtê-la, deve haver o registro do formal de partilha. Tal providência é necessária, conforme o preceito do artigo 1.245 do Código Civil(Apelação nº 1003840-08.2014.8.26.0132 – TJSP). Tal transcrição não significa apenas dar publicidade, mas dar aquisição da propriedade imóvel.
IV - A SAISINE E O REGISTRO DE IMÓVEIS: ENTENDIMENTO DO STJ
Volto-me ao julgamento referenciado naquele Recurso Especial julgado pela 3ª Turma, no REsp 1813862.
No respeitável acórdão assim se arrematou: “Nessa hipótese, o prévio registro do título translativo no Registro de Imóveis, anotando-se a situação de copropriedade sobre frações ideais entre os herdeiros e não mais a copropriedade sobre o todo indivisível chamado herança, não é condição sine qua non para o ajuizamento de ação de divisão ou de extinção do condomínio por qualquer deles, especialmente porque a finalidade do referido registro é a produção de efeitos em relação a terceiros e a viabilização dos atos de disposição pelos herdeiros, mas não é indispensável para a comprovação da propriedade que, como se viu, foi transferida aos herdeiros em razão da saisine.”
Para tanto, aduziu-se naquele acórdão do STJ que
“A esse respeito, leciona Luciano Lopes Passarelli:Como é cediço, vigora no direito brasileiro o princípio da saisine, consubstanciado no art. 1.784 do vigente diploma civil, de sorte que os herdeiros nascidos ou já concebidos no exato momento da abertura da sucessão legitimam-se à sucessão e adquirem a propriedade dos bens que compõe o monte partível, se bem que a “herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros” e “até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio”. Veja-se: já há propriedade, tanto que essa situação de indivisibilidade transitória é regulada pelas normas relativas ao condomínio. Apenas não há, nesse momento, a individualização do quinhão de cada herdeiro, o que acontecerá com a superveniência da sentença julgando a partilha. Um ponto relevante para a investigação a que se propõe esse trabalho é que, até a partilha, o “direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública”. Fixe-se desde já que esse ato é uma transmissão inter vivos, e não mortis causa e, como tal, tendo por objeto bens imóveis, sofrerá incidência do imposto de transmissão de bens imóveis. Não se olvide que nossa lei civil considera o direito à sucessão aberta como sendo um bem imóvel. Pois bem. A sucessão hereditária é assim, pois, forma de aquisição da propriedade imóvel que prescinde do registro imobiliário para constituir-se. O registro imobiliário, no Brasil, é constitutivo da aquisição da propriedade imobiliária oriunda de atos inter vivos, mas a sucessão causa mortis não fica de todo afastada no álbum imobiliário porque, ainda que não necessite ser levada a registro para efeito de constituição da propriedade, deve sê-lo para valer contra terceiros e para que seus titulares possam dispor dos bens adquiridos por essa via, tudo conforme estatui o art. 172 da Lei Federal 6.015, de 31.12.1973 (Lei dos Registros Publicos), verbis:“Art. 172. No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta lei, o registro e a averbação dos títulos os atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa, quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade. ”Sintetizando: a propriedade imobiliária mortis causa adquire-se, pelo princípio de saisine, no momento da abertura da sucessão, independentemente de registro imobiliário, mas só após esse registro é que valerá contra terceiros e seus proprietários terão disponibilidade da mesma, até porque vários incidentes poderão ocorrer no curso do processo sucessório, que poderão implicar no afastamento de herdeiro (basta pensar nas hipóteses de renúncia ou indignidade) ou de inclusão de herdeiro até então desconhecido (imagine-se o filho reconhecido em testamento pelo falecido). Além disso, admite-se a cessão do direito hereditário ou do quinhão de que disponha o co-herdeiro, antes, por óbvio, da sentença que julgue a partilha, ou de instrumentalização por escritura pública. (PASSARELLI, Luciano Lopes. A Lei 11.441/2007: a sucessão causa mortis e sua qualificação no registro de imóveis in Revista de Direito Imobiliário: RDI, v. 30, n. 62, jan./jun. 2007, p. 65/67).”
Nessa linha, tem-se acórdão do STJ que examinou questão extremamente semelhante à versada em que consignou-se que “o formal de partilha que adjudicou os bens da herança, em condomínio “pro indiviso” a todos os herdeiros, em partes iguais, embora não registrado, é título hábil a instruir a ação de divisão ajuizada apenas entre esses herdeiros, posto constituir ele prova suficiente do domínio e da origem da comunhão...”. (REsp 48.199/MG, 4ª Turma, DJ 27/06/1994).
V – CONCLUSÕES
Com o devido respeito, atento que para comprovar a propriedade do bem imóvel é necessário o devido registro no competente cartório de registro de imóveis.
A melhor inteligência do artigo 1.249 do Código Civil determina que há necessidade do registro do Formal de Partilha no Cartório de Imóveis.
Não se pode confundir, por óbvio, posse com direito real de propriedade.
O fato da sucessão hereditária, pela saisine, prescindir de registro não elimina a aquisição da propriedade imobiliária via registro no Cartório de Imóveis competente para efeito da partilha de bens que eram objeto de condomínio.
O registro de imóveis não dá apenas publicidade ao ato e força probante. Dá legalidade do direito do proprietário, atendendo a que se o oficial efetuou o registro, a inscrição, foi porque nenhuma irregularidade extrínseca ou intrínseca lhe ocorreu no exame do título. Ademais, pelo princípio da continuidade, que se soma ao da princípio da presunção, há a exata noção da cadeia de titulares do direito real. Antes dele o que há é direito pessoal, não direito de propriedade, sem falar na sua necessária especialização.
Não havendo o devido registro, não há condomínio a ser extinto (mas apenas comunhão).
Com o devido respeito, a respeitável decisão do STJ, aqui enfocada, nega vigência a dispositivos do Código Civil elencados e merece ser objeto de embargos de declaração com efeitos infringentes.
Rogério Tadeu Romano - Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.
Fonte: Artigos JusBrasil
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