Muito se tem falado sobre a Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD nos mais diversos setores, nomeadamente quanto aos riscos e inúmeras necessidades de adaptação. Paradoxalmente, pouco se tem falado sobre a LPGD e suas implicações no mercado imobiliário. É quase como se a lei não determinasse uma alteração substancial do modus operandi de imobiliárias, construtoras e incorporadoras.
A realidade, no entanto, é que são inúmeras as implicações no setor e bastam alguns exemplos para que se demonstre o contrário.
No presente artigo, pretendemos analisar a questão do compartilhamento de dados entre imobiliárias e corretores parceiros sob a ótica da LGPD.
A esse teor, é fato que as opções ou autorizações de venda são, via de regra, documentos absolutamente simples que implicam na coleta de uma série de dados pessoais, inclusive, na maior parte dos casos, de fotos do imóvel, o qual, muitas vezes é a própria residência da pessoa, titular dos dados.
Cabe lembrar que, em que pese referida autorização – ou opção – seja concedida a uma determinada imobiliária, a prática de mercado é a de compartilhamento de tais informações entre imobiliárias e rede de imobiliárias parceiras, entre corretores (muitas vezes associados, muitas vezes pessoas jurídicas), em plataformas e sites de vendas, entre outros.
Esse compartilhamento deverá ser feito, nos termos da LGPD, com autorização em uma das bases legais elencadas no art. 7º da lei. O primeiro ponto é que, obviamente, mencionado compartilhamento não poderá se dar com base no inciso V do art. 7º ("V - quando necessário para a execução de contrato"), na medida em que o titular de dados não pactuou qualquer contrato com esses outros parceiros.
Cabe avaliar, nesse sentido, se a base legal que autorizaria esse tratamento de dados (compartilhamento) seria, a um, mediante o fornecimento de consentimento pelo titular (inciso I), ou, a dois, quando necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiro (inciso IX).
Especificamente em relação ao consentimento, o artigo 5o, inciso XII, da LGPD traça as diretrizes sobre o consentimento no fornecimento de dados. Nos termos da lei, o consentimento é: "manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada".
Veja-se, nesse sentido, que certamente poderia ser utilizada a base legal do consentimento; no entanto, ela é efetivamente necessária? E mais, é desejável que a utilizemos?
Note-se que o consentimento, além de poder ser retirado a qualquer momento - o que implica na cessão imediata do tratamento de dados - demanda uma série de cuidados para que esse consentimento seja efetivamente, livre, informado e inequívoco.
Diante do apontado, pensamos não ser a base legal do consentimento a ideal a autorizar o citado compartilhamento. Para tanto, sugiro analisar esse tratamento a partir da possibilidade de utilização da base legal do legítimo interesse.
Observe-se que o conceito fundamental da utilização da base legal do legítimo interesse é, justamente, a tal da legítima expectativa do titular, mencionada no inciso II, do art. 10 da LGPD.
Ora, quando da assinatura da opção, existe uma expectativa razoável do titular dos dados de que as informações e dados pessoais sejam compartilhados em plataformas e sites, com redes de imobiliárias parceiras e corretores associados ou parceiros?
Parece-nos que a resposta é assertiva. Aliás, esse compartilhamento se dá precisamente no sentido de dar maior visibilidade ao imóvel, de modo a viabilizar a venda.
A conclusão pela possibilidade de utilização do legítimo interesse não significa, no entanto, que não é necessária a adoção de qualquer outra medida pelas imobiliárias; aliás, muito pelo contrário. Deveras, a lei é clara em afirmar que o controlador deverá adotar medidas para garantir a transparência do tratamento de dados baseado em seu legítimo interesse.
Portanto, a partir da entrada em vigor da LGPD, será necessário sim que as imobiliárias, ainda que compartilhem dados com base no legítimo interesse, adotem procedimentos para estar em conformidade com Lei, a começar pela elaboração de uma política de privacidade que dê transparência ao titular da maneira de compartilhamento de referidos dados, entre outros.
Da mesma forma, em que pese esse compartilhamento seja autorizado pela base legal do legítimo interesse, isso não significa que não devem existir relações contratuais com tais parceiros que garantam a utilização de dados pessoais de maneira conforme à Lei Geral de Proteção de Dados.
Para tanto, será absolutamente necessária a formulação de contratos específicos (denominados Data Processing Agreement) a regular esse compartilhamento, especificando os requisitos do tratamento, a finalidade, bem como delimitando responsabilidades nos casos de infração por uma ou outra parte.
No mesmo norte, também se faz necessária a criação e adoção de políticas internas de condutas para funcionários e colaboradores, a fim de orientá-los quanto à necessidade de utilização de tais dados nos termos propugnados na Lei Geral, observando sempre os direitos do titular para que sejam preservados os seus direitos à privacidade e intimidade.
Outra circunstância a se analisar é que, no caso de não mais existir uma autorização de divulgação, ou mesmo já ter sido realizada a venda de referido imóvel, cessa-se, por óbvio, qualquer legítimo interesse que antes existia para o armazenamento desses dados. Nessa ocasião, para manutenção de determinados dados, deverá ser verificada a existência de outra base legal autorizadora, tal como o exercício regular de direitos em processo judicial, especificado no inciso VI do mesmo art. 7º.
Perceba-se, nesse sentido, por tudo que foi visto, que a Lei Geral de Proteção de Dados deverá trazer sim modificações substanciais ao mercado imobiliário. Especificamente, nesse artigo vislumbramos as inúmeras alterações à operação e ao dia-a-dia das imobiliárias, sendo fundamental a adoção de medidas por essas empresas para que, em agosto de 2020, estejam em conformidade com a nova lei.
Fonte: Migalhas Edilícias