sábado, 8 de junho de 2019

TOMBAMENTO: A IMPORTÂNCIA DE CONHECER OS DIREITOS DO PROPRIETÁRIO


Todo mundo que tem um imóvel antigo, que preserva lindas características arquitetônicas de uma época do passado, já se preocupou em ter o seu bem tombado e, por consequência, sofrer uma limitação aos seus direitos de propriedade.

O instituto do tombamento ganhou força com o Estatuto da Cidade – Lei n. 10.257/ 2001. A essência desta legislação está em impor diretrizes gerais para a construção do Plano Diretor, um articulador das políticas públicas, principalmente sobre ordenamento territorial, de habitação e regularização fundiária, saneamento ambiental, transporte, mobilidade, proteção e defesa civil.

MAS, AFINAL, O QUE É TOMBAMENTO?

De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura, o tombamento é o instrumento de reconhecimento e proteção do patrimônio cultural mais conhecido, e pode ser feito pela administração federal, estadual e municipal.

Conforme o Decreto, o Patrimônio Cultural é definido como um conjunto de bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação é de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. São também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza, ou criados pela indústria humana.

Você já parou para pensar como acontece o tombamento de um imóvel na sua cidade? Vamos começar pelos entes públicos envolvidos, aqueles que detém o poder legal para restringir os direitos do proprietário.

VALE RESSALTAR QUE É DO IPHAN A RESPONSABILIDADE PELA FISCALIZAÇÃO DOS BENS TOMBADOS, É FEITA EM CADA ESTADO PELA SUPERINTENDÊNCIA PRÓPRIA, QUE ANALISA O PROCESSO ADMINISTRATIVO DO TOMBAMENTO.

Também há certos em que o próprio dono do imóvel faz o pedido do tombamento, mais comum em imóveis comerciais, que querem preservar as características do ponto ao longo das décadas. O pedido pode ser feito Superintendência do Iphan em seu Estado, à Presidência do Iphan, ou ao Ministério da Cultura.

Assim, depois da análise da relevância para a cultura nacional, e uma fiscalização para verificar as condições de conservação, o imóvel finalmente será inscrito no Livro do Tombo – em 1375, em Portugal se guardava tais registros na Torre do Tombo, por isso o nome ficou.

O ponto delicado, e muito discutido em processos judiciais, é a sobre modificações que o dono, ou possuidor, deseja fazer no imóvel, como alterar uma parede, ou pintar de outra cor por exemplo.

QUAL A PRINCIPAL LEI SOBRE O TOMBAMENTO?

O decreto Lei n. 25/1937, instituído na época de Getúlio Vargas, traz a sistemática dos Livros de Tombo (Histórico, Belas Artes, Artes Aplicadas). É dela que se extrai os efeitos do tombamento, um dos mais agravantes está no artigo 17:

As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinquenta por cento do dano causado.

Observe que a legislação impõe uma multa genérica, uma vez que o dano causado pode ser de apreciação subjetiva, varia de pessoa para pessoa. Isso abre margem para alguns absurdos, inclusive multas superiores a R$ 50.000.

A gradação das multas é prevista por uma portaria do Iphan. O decreto também prevê outros direitos do proprietário, inclusive sobre como deve se notificar a pessoa e o prazo de defesa (impugnação), que é de 15 dias a contar do recebimento da notificação – em geral AR dos Correios.

ESSA DEFESA É FEITA VIA FORMULÁRIO, FORNECIDO NO SITE DO IPHAN, PODE SER FEITO DE PRÓPRIO PUNHO.

Vamos pelo bom senso, se eu não quiser o tombamento, o que será que vou precisar para me defender? Aqui é o X da questão, pois quinze dias é pouquíssimo tempo. Se for um imóvel de alto valor, imagine que no centro da cidade, há mais especulação imobiliária em cima, pois sabemos que o valor do m² das capitais sobe em velocidade estratosférica.

Nesse caso, você vai precisar contratar peritos profissionais, como por exemplo historiadores, geógrafos, geólogos e outros que possam trazer fatos e fundamentos objetivos e relevantes para convencer o Iphan de que ele está errado na argumentação do laudo técnico.

Aqui a chave de ouro está no Estudo de Impacto de Vizinha (EIV), que tem como finalidade avaliar os efeitos decorrentes do empreendimento à população vizinha e à comunidade em geral. Quem vai dizer como se faz o EIV é cada município, observado o básico da legislação federal.

Mas se no momento não tem como pedir socorro a ajuda especializada, muitas horas de Google e pesquisa sobre a história do seu imóvel podem fazer toda a diferença no preenchimento do formulário.

Digamos que não há consenso (o Iphan quer o tombamento, mas você não), a saída viável é discutir judicialmente, pode ser uma Ação Anulatória de Tombamento, mas muitas vezes ocorre por uma Ação Civil Pública, mediante a denúncia do Ministério Público (MP).

Em nosso sistema legal o Ministério Público Federal está na condição de fiscal da lei e atua em demandas judiciais de natureza civil, sempre que se revela alguma espécie de interesse público envolvido.

No começo vimos juntos que o Iphan é uma autarquia federal, então por este motivo a Ação Civil pública vai tramitar sem dúvida na Justiça Federal, em geral mais eficiente em termos de andamento processual que a estadual.

Um dos motivos pelos quais o MP toma essas providências é cumprir o disposto na Constituição Federal, art. 182, que traça objetivos sobre o desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes.

Então até agora apresentamos:

- O que é tombamento;
- Qual autoridade pública tem o poder de tombar algo;
- Como se notifica o proprietário;
- Prazo de defesa;
- Tipos de Ações cabíveis.

TÉCNICAS DE DEFESA PARA GARANTIR OS DIREITOS DO PROPRIETÁRIO

Para finalizar os direitos do proprietário não podemos deixar de falar do que você pode argumentar em uma Ação Judicial, se depois de todo o trâmite administrativo na Prefeitura e no Iphan, a defesa falhar.

Quando há o tombamento definitivo, que se inscreve em caráter definitivo no Livro do Tombo, se esgota a via administrativa, então somente ajuizando uma ação específica para tentar anular o ato administrativo do Iphan.

Veja que sempre é preciso providenciar a defesa administrativa (sem custas judiciais e honorários advocatícios) na chamada fase provisória do tombamento, aquela que transcorre no prazo da impugnação, depois de o proprietário ser notificado.

Cada município tem a sua legislação específica, por isso esses entes públicos (Iphan e Prefeitura) “se conversam” ao longo do processo. O tombamento implica em consequências práticas, como o registro imobiliário no cartório do município, irá constar a restrição na matrícula sobre o tombamento e a data definitiva.

Em regra, o tombamento não gera direito à indenização ao proprietário, salvo se houver prova que tal ato gerou prejuízo àquele. Ainda poderá ocorrer indenização se o proprietário não tiver condições de arcar com o custo da conservação e reparação. Neste caso, deverá comunicar o fato ao Iphan.

Como técnica de defesa na ação judicial, procure identificar se todos os procedimentos legais foram cumpridos pelo Iphan, e se o estudo das características históricas não pode ser controvertido.

Participei de uma Ação Civil Pública de um tombamento de uma casa antiga, no centro de Florianópolis, que hoje está aguardando o julgamento da Apelação, a ser apreciada pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal, em Porto Alegre.

Nesse caso aconteceu que o Iphan notificou o vizinho do proprietário, e muitos anos depois o dono do imóvel descobriu que ele estava tombado, ao pedir um alvará de construção, na Prefeitura – teve o pedido negado.

Numa análise jurídica, observa-se que faltou um elemento essencial no ato desse tombamento, que é a concessão de prazo de defesa do proprietário e a sua manifestação. Isso é uma causa de nulidade processual absoluta, que pode invalidar toda a ação e procedimento do tombamento.

Renata Caldas - Advogada
Fonte: Caldas Advocacia - Blogue da Autora

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