O referido instituto tem como principal objetivo limitar de forma coerente o uso e gozo pleno do direito constitucional de propriedade. Busca-se, por meio dele, conduzir o relacionamento entre vizinhos de forma que se atenda a função social da propriedade imóvel e que se alcance uma convivência pacífica e satisfatória de todos.
Identificaremos neste estudo que as leis e normas administrativas que regulamentam os Direitos de Vizinhança visam administrar eventuais confusões que possam surgir em razão da interferência das edificações ou da proximidade das mesmas.
Através de uma análise abreviada, abordaremos as limitações estabelecidas pelas normas dos Direitos de Vizinhança, apresentando cada uma delas de forma simples, entretanto, fundamentada.
1. DO DIREITO DE VIZINHANÇA
Os Direitos de Vizinhança foram estabelecidos através de um conjunto de regras identificadas nas Seções I à VII, do Capítulo V, do Título III, do Livro III, do Diploma Civil Brasileiro.
Através destas normas, buscou o legislador regulamentar algumas situações do cotidiano enfrentadas pelos proprietários de imóveis vizinhos, mas não necessariamente contíguos, em razão da intercessão ou proximidade de suas edificações.
De toda sorte, os Direitos de Vizinhança revelam-se através de restrições e/ou limitações impostas ao direito constitucional de propriedade, fundamentada em princípios basilares do direito como o da lealdade e o da boa-fé, na convivência pacífica e harmoniosa, e na prevenção e solução de eventuais conflitos de interesse.
Para o ilustre jurista Orlando Gomes, “tais limitações não se editam no interesse dos particulares. É o interesse social de harmonizar interesses particulares dos proprietários vizinhos que justifica as normas restritas do exercício do direito de propriedade[1].”
2. PRINCIPAIS REGRAS DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA
Conforme restará demonstrado a seguir, as regras impostas pelos Direitos de Vizinhança instituem direitos e obrigações recíprocas. Através destas regras busca-se harmonizar as relações entre vizinhos, evitando e eventualmente compondo conflitos de interesses.
Baseada em princípios como o da boa-fé e função econômica e social da propriedade, as regras de vizinhança limitam racionalmente o direito de propriedade, garantindo constitucionalmente, objetivando evitar abusos de direito com o uso nocivo do imóvel.
As regras dos Direitos de Vizinhança encontram-se tipificadas basicamente nos artigos 1277 a 1313, no Capítulo V, Seções I a VII do Diploma Civil Brasileiro e serão abordadas de maneira distinta nos tópicos a seguir.
2.1 DO USO ANORMAL OU IRREGULAR DA PROPRIEDADE
Iniciando o Capítulo dos Direitos de Vizinhança está o uso irregular da propriedade imóvel, modalidade bastante polêmica e de enorme repercussão nas demandas avaliadas e decididas pelo Judiciário Brasileiro.
Tratando do assunto, o Código Civil Brasileiro estabelece em seu artigo 1277: “O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha[2].”
Neste artigo inaugural dos Direitos de Vizinhança, identificamos três bens jurídicos tutelados pela Lei, quais sejam, a segurança, o sossego e a saúde de todos que habitam os imóveis vizinhos.
Desta forma, considera-se uso anormal aquele que possa vir a causar perturbações ao sossego, danos à saúde ou riscos à segurança de todas as pessoas que residem nas proximidades e não só dos confinantes.
Como exceção à regra de uso irregular da propriedade está a norma elencada no artigo 1278 do Diploma Civil Brasileiro, qual seja, o possuidor ou o proprietário do bem imóvel não poderá interromper intervenções prejudiciais ao seu bem quando estas forem de interesse público.
2.2 DAS ÁRVORES LIMÍTROFES
As árvores limítrofes encontram previsão legal no artigo 1282 e seguintes da Legislação Civil Brasileira. A referida norma aborda especificamente três teorias: as árvores existentes na divisa de imóveis vizinhos; os ramos ou raízes das árvores que invadem prédios vizinhos; os frutos desabados da árvore do imóvel vizinho.
A primeira hipótese tratada pela Legislação Civil é nominada pela maior parte da doutrina como árvore meia, vez que estabelece: “A árvore, cujo tronco estiver na linha divisória, presume-se pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes[3].”
Desta forma, presumindo a existência de um condomínio sobre às árvores existentes na divisa dos imóveis, os condôminos poderão dela usufruírem, da mesma forma que responderão pelos eventuais prejuízos que ela possa causar, ou seja, possuem os condôminos direitos e obrigações.
A segunda hipótese revela que os ramos ou as raízes da árvore que ultrapassar o limite da propriedade imóvel vizinha poderão ser cortados pelo proprietário do prédio invadido, até o limite vertical divisório. Entretanto, caso o dono do bem imóvel invadido não observe o limite imposto pela Lei ou ainda haja com dolo ou culpa no exercício do direito de podar a árvore, poderá ser responsabilizado e condenado a indenizar o dono da árvore.
Já a última hipótese tratada pelo Código Civil no artigo 1284 prevê que “Os frutos caídos de árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular[4].”
De fato, estando à árvore em apenas um imóvel ou estando ela na divisa, presumindo-se seu condomínio, os frutos caídos no solo de um imóvel caberão exclusivamente ao dono do terreno onde caíram.
2.3 DA PASSAGEM FORÇADA
Dentre as normas de vizinhança está a passagem forçada, tipificada no Código Civil, no parágrafos do artigo 1285. Através desta limitação ao direito constitucional de propriedade, a legislação civil obriga o proprietário do bem imóvel vizinho conceder passagem ao dono do imóvel encravado ou parcialmente encravado, mediante justa compensação.
Neste sentido estabelece o artigo 1285: “O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário[5].”
Assim, o dono do bem imóvel que não acessar via pública, nascente ou porto ou ainda aquele cujo acesso seja dificultado ou indisponível em determinadas estações do ano, como no caso dos imóveis construídos às margens dos rios, poderá exigir passagem ao proprietário do imóvel lindeiro.
A indenização prevista na Lei deve ser fixada levando-se em conta a desvalorização do imóvel causada pela passagem. Segundo a jurisprudência dominante, caso o imóvel encravado perca tal característica, a passagem forçada deverá ser eliminada.
2.4 DA PASSAGEM DE CABOS E TUBULAÇÕES
Com o mesmo espírito da passagem forçada, o Código Civil estabeleceu também algumas regras para a passagem de cabos, tubulações e demais condutos subterrâneos de utilidade pública.
Previstas a partir do artigo 1286, as regras para a passagem de cabos e tubulações estabelecem: “Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização da área remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa[6].”
Importante destacar que para a passagem de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos devem ser realizados de maneira menos onerosa ao dono do bem imóvel que cede a passagem. A passagem obedecerá ainda às normas de segurança, devendo o priprietário do bem imóvel beneficiado custear as obras de acomodação e adaptação, caso sejam necessárias. A indenização deverá ser fixada de forma justa, considerando eventual desvalorização que o bem imóvel cedente da passagem possa vir a sofrer.
2.5 DA PASSAGEM DAS ÁGUAS
Trata-se de uma das limitações impostas pelos Direitos de Vizinhança mais debatidas nos Tribunais de todo o país. Encontra amparo legal no artigo 1288 e seguintes do Diploma Civil Brasileiro e também no Decreto n.º 24.643 de 10 de Julho de 1934, que instituiu o Código de Águas.
Através destas regras, o legislador impôs ao dono ou possuidor do bem imóvel inferior a suportar as águas que advém naturalmente do bem imóvel superior. Vejamos a íntegra do artigo 1288: “O dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo; porém a condição natural e anterior do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou possuidor do prédio superior[7].”
Diferente das outras limitações ao direito de propriedade, a tolerância da passagem das águas não traz ao proprietário do bem imóvel inferior, qualquer direito ao recebimento de compensação.
A seção da passagem das águas contemplam ainda as regras para as águas pluviais e para os proprietários de nascentes. De fato, os proprietários de nascentes poderão delas usufruírem, entretanto, não poderão impedir ou desviar o curso das águas remanescentes que correm para os imóveis inferiores.
Restou ainda normatizado pela legislação civil brasileira o direito a aqueduto. O direito a aqueduto nada mais é que o direito do proprietário do bem imóvel superior canalizar as águas para utilização em atividades industriais e agrícolas, mediante compensação aos proprietários dos imóveis vizinhos.
2.6 DOS LIMITES ENTRE PRÉDIOS E DO DIREITO DE TAPAGEM
Visando proteger seu patrimônio, poderá o proprietário do bem imóvel demarcar sua área através de cercas divisórias.
Conforme prescreve o artigo 1297 do Diploma Civil Brasileiro: “O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas[8].”
De fato, a tapagem retrata o direito do proprietário em delimitar as divisas de seu bem imóvel através da construção de cercas vivas ou cercas artificiais. As cercas vivas ou artificiais existentes nas divisas dos imóveis pertencem, até que se prove o contrário, aos dois proprietários confinantes, sendo, portanto, da responsabilidade de ambos a sua construção e conservação. No que tange as cervas vivas, as mesmas só poderão ser substituídas, arrancadas ou cortadas havendo mútuo consentimento dos proprietários confinantes.
Como exceção a esta regra está a necessidade de um dos proprietários confinantes construir cercas especiais para uma determinada atividade econômica ou então para evitar que animais de pequeno porte por ele criados invadam a propriedade vizinha. Nesta hipótese, o proprietário do bem imóvel que necessitou das cercas especiais deverá custear sozinho a construção e a manutenção dos tapumes divisórios.
No mais, previu ainda o Código Civil, dentro da seção dos limites entre prédios e do direito de tapagem, a probabilidade de existir certa confusão nos limites entre imóveis confinantes.
Neste caso, o artigo 1298 do referido Diploma Legal, estabeleceu que o terreno contestado deverá ser desmembrado em partes exatamente iguais. Todavia, caso a divisão não seja possível fisicamente, ou seja, caso não seja possível fazê-la de maneira adequada, a norma orienta que o terreno contestado seja adjudicado por um dos proprietários confinantes, mediante a indenização do outro.
2.7 DO DIREITO DE CONSTRUIR
Tratado no artigo 1299 do Diploma Civil Brasileiro, o direito de construir estabelece: “O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos[9].”
De fato, tais limitações ao uso e gozo pleno da propriedade transparecerão quando a construção projetada pelo dono do terreno causar, de alguma forma, prejuízos ao sossego, à saúde e a segurança dos proprietários vizinhos.
Dentre as principais limitações ao direito de construir previstas no Código Civil, destaca-se: não despejar águas no prédio vizinho; não abrir janelas, nem terraços ou varandas com menos de um metro e meio do terreno confinante; não encostar no muro de divisa chaminés, fogões, fornos, aparelhos ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações ou interferências prejudiciais ao imóvel confinante; não realizar obras capazes de poluir ou inutilizar água do poço, ou nascente alheia; não fazer escavações ou construções que tirem ao poço ou à nascente de outrem a água indispensável às suas necessidades; não executar obra que cause ruína ou deslocação de terra ou ainda que afete a segurança do bem imóvel confinante, sem antes providenciar as obras acautelatórias.
Importante ainda esclarecer que além da legislação que trata deste tema, algumas normas administrativas também poderão regulamentar o direito de construir, como por exemplo, àquelas impostas pelo Município no que tange ao alvará de construção.
CONCLUSÃO
Através do presente estudo foi possível concluir que o direito constitucional de propriedade não se mostra absoluto, uma vez que está sujeito às regras dos Direitos de Vizinhança.
As normas dos Direitos de Vizinhança traduzem-se em limitações/restrições ao uso da propriedade e surgiram da necessidade de se regular e manter a convivência harmoniosa e tranquila entre donos de imóveis próximos, mas não necessariamente contíguos.
Trata-se de uma obrigação “propter rem”, pois está vinculada à coisa, no caso ao imóvel e não ao seu proprietário.
Tais normas, tipificadas notadamente na Legislação Civil Brasileira, visam regular a relação social e jurídica decorrentes da proximidade de tais propriedades, especialmente nos grandes centros urbanos, onde as edificações conjuntas estão sendo realizadas cada vez mais frequentes.
Com efeito, a convivência harmoniosa e pacífica dos proprietários vizinhos está intimamente ligada ao uso normal, licito e coerente da propriedade, levando-se em conta ainda sua função social e o desenvolvimento sustentável de toda a sociedade.
REFERÊNCIAS
ACERVO ADCOAS. Consulta de Jurisprudência e Doutrina. CD ROM - Rio de Janeiro, 2001
BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Vade Mecum – São Paulo, LEX Editora, 2012
GOMES, Orlando. Direito Reais - Rio de Janeiro, Editora Forense, 2010.
MALUF, Carlos Alberto Dabus. Principais Limitações ao Direito de Propriedade no Código Civil de 2002. Revista do Advogado – São Paulo, v. 90, p. 7-21, Março de 2007.
MONTEIRO, Washington de Barros. Direito civil. Direito das Coisas - São Paulo, Editora Saraiva, 2004.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Direitos reais - Rio de Janeiro, Editora Forense, 2010.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil Volume 5 – São Paulo, Editora Saraiva, 2002.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direitos Reais - São Paulo, Editora Atlas, 2009.
[1] GOMES, Orlando. Direito Reais - Rio de Janeiro, Editora Forense, 2010.
[2] BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Vade Mecum – São Paulo, LEX Editora, 2012.
[3] BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Vade Mecum – São Paulo, LEX Editora, 2012.
[4] BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Vade Mecum – São Paulo, LEX Editora, 2012.
[5] BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Vade Mecum – São Paulo, LEX Editora, 2012.
[6] BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Vade Mecum – São Paulo, LEX Editora, 2012.
[7] BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Vade Mecum – São Paulo, LEX Editora, 2012.
[8] BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Vade Mecum – São Paulo, LEX Editora, 2012.
[9] BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Vade Mecum – São Paulo, LEX Editora, 2012.
MARCELO AUGUSTO S. DOTTO - Advogado Especialista em Direito Imobiliário.