Os contratos de locação utilizam usualmente para fins de reajuste de preço os índices IGP-M ou o IGP-DI. O cálculo do IGP-M, assim como do IGP-DI1, leva em conta a variação de preços de bens e serviços, bem como de matérias-primas da produção agrícola, industrial e construção civil, de forma que o IGP-M é composto 60% pelo Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), 30% pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) e 10% pelo Índice Nacional da Construção Civil (INCC)2.
Conforme amplamente noticiado, o IGP-M e o IGP-DI tiveram alta histórica no último ano, em meio à pandemia de covid-19. Considerando que o IPA representa a maior parte da composição do IGP-M, o aumento deste último está atrelado, dentre outros fatores, principalmente à alta do preço das commodities ligadas ao setor industrial e agrícola, cotadas em dólar, face à desvalorização cambial e aliada ao aumento da demanda interna durante a pandemia, o que acaba pressionando o IGP-M. Conforme as informações divulgadas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no mês de fevereiro de 2021 ambos os índices beiraram 30% de acúmulo de alta em relação aos últimos 12 meses3, o maior avanço desde 2002.
Em contrapartida à alta histórica de tais índices, a economia brasileira passa por severa retração: em 2020 o PIB teve queda de 4,1%, maior recuo registrado em 30 anos4 e o desemprego aliado à perda de renda reduziram o consumo das famílias, que recuou 5,5%, segundo dados divulgados pelo IBGE5. Por sua vez, os comerciantes amargam um 2020 de péssimos resultados, ao passo que precisam se recuperar dos impactos econômicos da crise sanitária enquanto tudo indica que o ano de 2021 ainda será de restrições de funcionamento ao comércio.
Neste cenário, a possibilidade de revisão dos índices estabelecidos para reajuste dos contratos de locação comercial se mostra uma alternativa viável e quiçá imprescindível para a superação da crise econômico-financeira por muitas empresas que tiveram seu faturamento sensivelmente afetado durante a pandemia.
Recentemente foi proferida decisão liminar por magistrado da 16ª Vara Cível do Foro da Comarca de Porto Alegre em Ação Coletiva movida pelo Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (SINDILOJAS) em face dos três principais shoppings centers da cidade, na qual foi deferida tutela de urgência "para determinar aos réus que procedam, no prazo de cinco dias, a modificação do índice de reajuste dos contratos de locação celebrado pelos shoppings centers demandados, de IGP-M/IPG-DI para o IPC-A". A decisão foi fundamentada no art. 478 do Código Civil6, que vem sendo aplicado para possibilitar a revisão de contratos que se prolongam no tempo em situações nas quais ocorram mudanças supervenientes nas circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de eventos imprevisíveis. Da mesma forma, no TJSP também começam a aportar demandas desta natureza, com decisões em sede de tutela de urgência deferindo a substituição do IGP-M pelo IPCA no reajuste dos contratos de locação7.
Com efeito, a alta excepcional dos índices IGP-M e IGP-DI como reflexo econômico da pandemia de covid-19 certamente caracteriza a imprevisibilidade referida no dispositivo legal, a possibilitar a revisão do contrato com base na teoria da onerosidade excessiva, a fim de adaptá-lo à realidade, inclusive como medida para permitir o adimplemento contratual. Observa-se que a situação guarda semelhança com o conhecido caso dos contratos de leasing com cláusula de reajuste pela variação cambial quando ocorreu aumento repentino e substancial do dólar no ano de 1999, oportunidade na qual o STJ firmou jurisprudência no sentido de permitir a revisão desses contratos, reconhecendo que a prestação contratual havia se tornado excessivamente onerosa8. Veja-se que, tal qual naquela situação, em que as partes firmaram contratos em uma circunstância de câmbio estável na qual mesmo podendo sofrer variações não se esperava tamanha desvalorização do real, da mesma forma atualmente não se previa um aumento de 30% em relação ao índices IGP-M e IGP-DI, o maior nos últimos 19 anos.
Há que se considerar, ainda, que a função do índice de reajuste no contrato de locação é meramente recompor o valor da moeda no tempo e não propiciar ao locador uma rentabilidade exagerada. Nesse sentido, acrescenta-se que, ao contrário do que se verifica na inflação dos alimentos no período, ao aumento expressivo do IGP-M não corresponde um aumento nos custos dos locadores que justifique tal repasse ao locatário - inclusive durante a pandemia muitos aluguéis foram renegociados com concessão de desconto pelos locadores.
Assim, os Tribunais têm entendido que o reajuste de 30% se mostra discrepante, na medida em que não acarreta a mera atualização do valor da moeda, mas sim em desequilíbrio contratual, com ônus excessivo aos locatários. Por tal motivo, tem-se admitido a substituição do índice pelo IPC-A, cujo acumulado dos últimos 12 meses está em 5,20%9, a fim de reestabelecer o equilíbrio sinalagmático do contrato.
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1 O IGP-DI é composto pelos mesmos índices do IGP-M. A diferença entre ambos é o período da coleta de preços: enquanto o IGP-DI apura os preços do dia 01 a 30, o IGP-M apura informações sobre a variação de preços do dia 21 do mês anterior ao dia 20 do mês de coleta. c
2 Vide: Clique aqui
3 Em fevereiro de 2021 o IGP-M registrou um aumento de 28,94% em relação aos últimos 12 meses (vide: Clique aqui), enquanto o IGP-DI de 29,95% (vide: Clique aqui).
4 Disponível clicando aqui
5 Vide: Clique aqui
6 Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
7 Agravos de Instrumento nº 2012910-93.2021.8.26.0000 e 2298701-80.2020.8.26.0000 do TJSP.
8 REsp 472.594
9 Disponível clicando aqui
Atualizado em: 8/4/2021 12:26
Celiana Diehl Ruas - Mestre em Direito pela PUC/RS. Sócia do escritório Estevez Advogados.
Fonte: Migalhas de Peso
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