sexta-feira, 30 de abril de 2021

Condomínio edilício de graus sucessivos e outras questões práticas


1. Introdução

Este artigo dedica-se a discutir questões práticas envolvendo o condomínio edilício de graus sucessivos e a formatação jurídica de outras espécies de condomínios edilícios que envolvem várias torres.

2. Definição de condomínio edilício

O condomínio edilício é disciplinado nos arts. 1.331 ao 1.358 do Código Civil - CC e também nos arts. 1º ao 27 da lei 4.591/64. O entendimento majoritário é o de que o CC não revogou esses dispositivos da lei 4.591/64, salvo naquilo em que houver frontal divergência. As duas normas seguem em vigor, mas, no caso de eventual conflito entre elas, deve-se valer-se da técnica do diálogo das fontes, que estabelece a necessidade de, no caso concreto, o intérprete buscar a melhor solução.

A lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos - LRP) também tem disciplina, sob o aspecto registral, do condomínio edilício.

Em praticamente todas as cidades brasileiras há edifícios de dois ou mais andares com unidades imobiliárias autônomas, que são geralmente apartamentos ou lojas. Trata-se da figura do condomínio edilício, que também envolve situações de edificações de casas, conforme veremos mais à frente.

Ao contrário do que sucede com o condomínio tradicional, o condomínio edilício não envolve obrigatoriamente uma pluralidade de pessoas na titularidade do mesmo bem.1 Para esse tipo de condomínio, o fundamental não é a pluralidade de pessoas, e sim a pluralidade de unidades autônomas vinculadas a um mesmo terreno e a áreas comuns. Uma única pessoa pode ser titular de todas as unidades autônomas, seja no momento da instituição do condomínio, seja posteriormente mediante a aquisição delas. Metaforicamente, o condomínio edilício não é um condomínio de pessoas, e sim de imóveis (as unidades autônomas). Desse modo, se uma única pessoa for titular de todas as unidades autônomas, ainda assim haverá um condomínio edilício.

Em definição, condomínio edilício é a situação jurídica envolvendo uma edificação (ou um conjunto de edificações) que, por ficção jurídica, é dividida em duas partes: (1) as unidades imobiliárias autônomas, que correspondem às áreas de propriedade exclusiva do seu titular, e (2) as áreas comuns e o solo, que são de propriedade de cada um dos titulares das unidades imobiliárias na proporção da respectiva fração ideal.

O condômino, portanto, é proprietário exclusivo da unidade imobiliária e, concomitantemente, de modo indivisível, titular de uma fração ideal do solo e das áreas comuns.

O cálculo da fração ideal de cada condômino é feito com base em normas técnicas editadas pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) por força do inciso IV do art. 53 da lei 4.591/64. A definição da fração ideal leva em conta a proporção da área construída de cada unidade autônoma, de maneira que o titular de uma unidade autônoma de maior tamanho terá uma maior fração ideal nas áreas comuns e no solo.

Em tese, se a edificação ruir e se os condôminos não deliberarem pela reconstrução (art. 1.357, CC), cada condômino terá perdido a unidade autônoma e as áreas comuns que estavam na edificação (como a área do corredor dos andares), mas ainda será titular de uma fração ideal no solo. O condomínio edilício aí se extinguirá pela falta de uma edificação e, no seu lugar, haverá um condomínio tradicional sobre o solo.

O condomínio edilício pode ser vertical ou horizontal. É vertical quando se trata de condomínio em uma edificação em andares (art. 8º, "b", lei 4.591/64). É horizontal quando se trata de edificações de casas: as unidades autônomas estão alinhadas horizontalmente (art. 8º, "a", lei 4.591/64).

Não se ignora que há quem classifique de forma oposta, focando a direção dos planos imaginários que separam as unidades autônomas;2 todavia, preferimos a classificação mais utilizada na jurisprudência.

3. Nascimento do condomínio edilício: instituição vs constituição do condomínio edilício

Instituição do condomínio é o ato jurídico praticado pelo titular de um imóvel com edificação para criar as unidades autônomas vinculadas a áreas comuns e ao solo. É o ato que dá existência jurídica às unidades autônomas do condomínio. Do ponto de vista do Cartório de Imóveis, a instituição do condomínio é ato registrado na matrícula do solo (matrícula-mãe) para, em seguida, gerar a abertura de matrículas para cada uma das unidades autônomas (matrículas-filhas).

O ato de instituição se instrumentaliza por meio do registro de um ato entre vivos ou de um testamento contendo os requisitos do art. 1.332 do CC e do art. 7º da lei 4.591/64. Esses requisitos são basicamente a descrição jurídica do condomínio edilício, ou seja, a indicação das unidades autônomas, a respectiva fração ideal no solo e nas áreas comuns e a finalidade das unidades (ex.: residencial, comercial etc.).

Ao se tratar de condomínio edilício, constituir o condomínio é diferente de instituí-lo. Apesar de sinônimas no vernáculo, constituição e instituição são conceitos diversos em relação a condomínio edilício.

Instituir é o ato que dá existência jurídica ao condomínio, fazendo nascer juridicamente as unidades autônomas vinculadas a uma fração ideal do solo e das áreas comuns. O ato de instituição é registrado na matrícula do imóvel, a qual fica no Livro 2 do Cartório de Registro de Imóveis (arts. 167, "17", 176, 227, 237-A da LRP).

Constituir é o ato pelo qual se registra a convenção de condomínio, estabelecendo regras relativas ao funcionamento do condomínio. A convenção, além de reiterar os requisitos formais do ato instituição - para deixar claro quais são as unidades autônomas -, dá as regras relativas à custeio financeiro do condomínio, à sua administração, à competência da assembleia e ao regimento interno. Os seus requisitos estão no art. 1.334 do CC e no art. 9º, § 3º, da lei 4.591/64.

A constituição se instrumentaliza por uma convenção que deve ser registrada no Livro 3 do Cartório de Registro de Imóveis (arts. 167, "17", e 178, III, LRP e art. 9º, § 1º, da lei 4.591/64). Ela não é registrada na matrícula do imóvel - a qual fica no Livro 2 -, porque a convenção não trata da estrutura de direito real de propriedade do condomínio edilício, e sim das regras de funcionamento do condomínio.

Numa metáfora, instituir o condomínio edilício é criar o corpo (esqueleto e carne). Constituir é dar a alma para esse corpo funcionar.

Na prática, há ainda a "instalação do condomínio", que nada mais é do que a primeira assembleia dos condôminos destinada a nomear síndico e aprovar orçamentos. Não se trata de uma assembleia prevista em lei; é apenas uma prática. Nessa assembleia, pode também ser aprovada a convenção, mas nem sempre isso ocorre na prática: o costume é a aprovação ocorrer posteriormente.

4. Questões práticas

4.1. Condomínio edilício em parcela de um imóvel

O condomínio edilício necessariamente importa na vinculação da fração ideal das unidades autônomas ao terreno como um todo. Não é possível, portanto, vincular apenas a uma fração ideal do solo.

Se o titular do imóvel tiver esse interesse, o recomendável é ele desdobrar o imóvel em outros dois, criando duas outras matrículas, um para cada um dos imóveis. Em um desses imóveis menores (que terá uma nova matrícula), será viável construir um prédio e instituir um condomínio edilício próprio.

Se, porém, o imóvel for indivisível, o caminho poderá ser o do condomínio de graus sucessivos ou o do condomínio edilício com várias torres, que serão tratados mais à frente.

4.2. Condomínio edilício de graus sucessivos

Apesar de pouco usual e de gerar alguns inconvenientes de ordem funcional, não há obstáculo algum para que, na matrícula de uma unidade autônoma de um condomínio edilício, seja instituído um novo condomínio, que aqui designamos de condomínio de segundo grau. Chamamos assim, porque se trata de um condomínio edilício dentro de um outro.

É possível também que, em uma unidade autônoma desse condomínio de segundo grau, seja instituído um novo condomínio edilício, que agora receberia o batismo de condomínio edilício de terceiro grau.

Outros graus sucessivos de condomínio edilício seriam juridicamente cabíveis. O ordenamento admite o que chamamos de condomínio edilício de graus sucessivos.

Temos que só há dois requisitos necessários: (1) a existência de autorização expressa no ato de instituição, na convenção do condomínio originário ou em votação unânime dos condôminos, porque o condomínio de segundo grau mudará as características da unidade autônoma; e (2) a unidade autônoma na qual será instituído o condomínio de grau sucessivo precisa fisicamente comportar uma construção. Quanto a esse último requisito, exemplifique-se que um apartamento em um prédio é fisicamente inapto a receber uma nova construção em si.

No caso de condomínio de segundo grau, haverá um novo ente despersonalizado, com direito a CNPJ próprio e com um síndico próprio. Não se confunde esse novo ente despersonalizado com o do condomínio edilício originário.

O incômodo nesse tipo de condomínio de graus sucessivos é o fato de que o síndico, por não poder praticar atos de mera administração sem prévia autorização da convenção ou da assembleia, poderá retardar a dinâmica das assembleias do condomínio originário.

4.3. Imóvel indivisível de larga extensão com condôminos interessados em construir prédios nas áreas proporcionais às suas frações ideais

Já tivemos notícia de casos concretos de condomínios de graus sucessivos em serventias de registro de imóveis. Suponha que um terreno de extensão considerável seja indivisível por força de lei. Há matrícula para esse imóvel no competente Cartório de Registro de Imóveis (art. 176, § 1º, da lei 6.015/73 - Lei de Registros Públicos - LRP). Imagine que João seja titular de uma fração ideal de 30% desse imóvel e Artur seja dono do restante.

Nessa situação hipotética, João pode ter interesse em construir um prédio com apartamentos em uma área correspondente a 30% do solo do terreno, deixando o restante do solo para o Artur. Para formalizar isso, João e Artur poderão instituir um condomínio edilício, estabelecendo que 70% do solo do terreno corresponderá a uma unidade autônoma que coexistirá com as várias unidades autônomas que corresponderão aos apartamentos. Artur pode ficar como proprietário dessa unidade autônoma heterogênea.

Nesse caso, como essa unidade autônoma extravagante comporta uma construção em si, nada impede que Artur edifique um prédio e institua um condomínio edilício de segundo grau. Essa instituição ocorrerá por meio de um registro de instituição de condomínio na própria matrícula da unidade autônoma heterodoxa.

4.4. "Condomínio edilícios fechados" com várias torres

Figuras comuns nas grandes cidades são os empreendimentos imobiliários envolvendo várias torres (prédios de andares) erguidas em um mesmo terreno com a construção de áreas de lazer nesse mesmo terreno (campo de futebol, piscina etc.) e com o fechamento de todo esse terreno mediante muros e instalação de portarias para controle de acesso de entrada e saída. Como se podem estruturar juridicamente esses condomínios edilícios fechados com várias torres?

Enxergamos os seguintes arranjos.

Em primeiro lugar, é possível simplesmente instituir um único condomínio edilício, fixando que cada proprietário de uma unidade privativa (um apartamento) será um condômino. Se, nesse conjunto imobiliário houver 4 torres e cada uma contiver 50 apartamentos, teremos 200 condôminos.

Uma desvantagem dessa estrutura é a de que, havendo a necessidade de assembleia para resolver problemas pontuais de apenas uma das torres, será difícil obter quorum para votação. Aliás, diante da grande quantidade de condôminos, haverá dificuldade para a obtenção de quorum de votações para as questões em geral, pois, nesses arranjos imobiliários, é comum a comunidade de condôminos envolver centenas de pessoas.

Para atenuar essa desvantagem, convém que a convenção estabeleça uma gestão descentralizada, conforme exporemos mais abaixo.

Em segundo lugar, é viável valer-se do condomínio de segundo grau. Inicialmente, pode-se instalar um condomínio em que a unidade autônoma será a base territorial do solo sobre a qual será erguida cada torre. No exemplo acima, como serão erguidas 4 torres, haverá 4 unidades autônomas e, portanto, 4 condôminos. Em seguida, em cada uma dessas unidades autônomas, poderá ser instituído um condomínio edilício (condomínio de segundo grau) após a construção da respectiva torre. Nesse caso, cada torre corresponderá a um condomínio edilício próprio e, portanto, os titulares dos apartamentos de cada torre poderão resolver os seus problemas individuais relativos a cada edifício de modo isolado, por meio de assembleias próprias. Quanto ao primeiro condomínio edilício - aquele que, no exemplo, possui 4 condôminos -, caberá a ele resolver os problemas comuns a todas as torres, como as questões relativas a reparos das piscinas, do campo de futebol, da portaria etc. As assembleias reunirão os 4 condôminos, que, agora, serão os 4 condomínios edilícios de segundo grau criados, os quais serão representados pelos respectivos síndicos. Parece-nos que essa estrutura de condomínio edilício é mais vantajosa juridicamente, por facilitar a resolução de questões de interesse restrito de cada torre. Para a formalização desses condomínios de segundo grau, é importante observar o exposto mais acima no tocante aos seus requisitos, como a autorização expressa na convenção ou em assembleia do primeiro condomínio.

Por fim, não nos parece adequado que, nesses arranjos, seja utilizada a figura do condomínio de lotes, exatamente porque ela tem de decorrer de um loteamento. Nesses empreendimentos imobiliários para a instalação de várias torres, não há a intenção de criar lotes, com toda a autonomia jurídica que lhe é inerente.

4.5. "Condomínio edilícios fechados" com várias torres

Há condomínios edilícios em que as unidades privativas estão espalhadas em várias torres em um mesmo terreno. Geralmente, nesses arranjos imobiliários, o terreno é cercado, há uma portaria central para controle de acesso e as áreas comuns possuem piscinas, quadras de esportes e outros equipamentos de uso comum, além de envolver centenas de moradores.

Esses mesmos arranjos imobiliários poderiam ser obtidos de outros institutos jurídicos, como por meio de um condomínio de lotes (em que, em cada lote, seria instituído um condomínio edilício para a respectiva torre).

Estamos aqui a focar a situação em que essa organização imobiliária assume a figura de um condomínio edilício com centenas de condôminos. Formatos jurídicos como esse costumam apresentar problemas operacionais pela dificuldade de aprovação de determinadas matérias em razão da baixa presença dos condôminos nas assembleias ou do desinteresse da maioria em resolver problemas de interesse apenas dos condôminos de apenas uma torre. Em Brasília, em um desses grandes condomínios que envolviam cerca de 800 condôminos, os moradores nunca conseguiam a presença da quantidade mínima exigida para obter o quórum necessário para autorizar a instalação de unidades externas de ar-condicionado na fachada do prédio.

Para esses casos, é recomendável que a convenção de condomínio preveja uma gestão descentralizada para cada uma das torres, nomeando um síndico setorial para cada torre e permitindo que determinadas matérias de seu interesse possam ser deliberadas em assembleia descentralizada que envolvam apenas os condôminos da respectiva torre. A convenção pode fixar quórum específico para essas matérias setoriais. Poderiam essas assembleias setorizadas, inclusive, fixar contribuições extraordinárias oponíveis apenas contra os condôminos da torre envolvida.

4.6. Associação de moradores vs condomínio edilício

Nenhum outro ente tem poder de gestão sobre os interesses comuns dos condôminos senão o próprio condomínio edilício, que é um sujeito de direito. Só ele pode exigir contribuições dos condôminos, fazer obras nas áreas comuns etc.

Nenhuma associação, ainda que composta por condôminos, pode sobrepor-se ao condomínio edilício. Não podem, por exemplo, fazer obras nas áreas comuns nem cobrar dos associados os valores que estes teriam de pagar a título de quota de contribuições condominiais.

Nesse sentido, eventual associação de moradores criada por condôminos de uma das várias torres de um grande condomínio edilício não pode realizar obras nas áreas comuns (com inclusão da fachada e da estrutura de nenhuma das torres) nem pode dispensar os condôminos de continuarem pagando a contribuição condominial para o condomínio edilício. Por isso, o STJ condenou um condômino a pagar as contribuições condominiais atrasadas perante o condomínio edilício, ainda que aquele tenha entregado o valor dessas contribuições para a associação dos moradores de uma determinada torre (STJ, REsp 1231171/DF, 4ª Turma, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 10/02/2015).

Aliás, se a associação de moradores tiver por objeto social administrar as áreas comuns relacionadas a um dos vários edifícios que compõe um condomínio edilício, esse objeto é ilícito, de maneira que sequer o registro do seu ato constitutivo no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas deveria ser admitido (art. 115, LRP3).

5. Conclusão

A figura dos condomínios edilícios acomoda novos arranjos negociais desenvolvidos pelo mercado imobiliário. Expusemos, neste artigo, formas de aplicação dessa figura para situações envolvendo empreendimentos imobiliários com várias torres ou com perfis diferentes de exploração.
__________

1 Ressalva-se que há respeitoso entendimento doutrinário contrário, afirmando que tecnicamente haveria necessidade de haver pluralidade de pessoas, embora seja admitida a instituição do condomínio apenas por um único titular (Melo, 2018, p. 245), entendimento com o qual não acompanhamos pelo fato de inexistir óbice a que uma única pessoa adquira todas as unidades autônomas e o condomínio continue existindo.

2 Condomínio de andares seria condomínio edilício horizontal, pois linhas imaginárias horizontais separam as unidades. Condomínio de casas seria condomínio edilício vertical, pois linhas imaginárias verticais separam as unidades.

3 Lei de Registros Públicos (lei 6.015/73).

Atualizado em: 28/4/2021 08:39

Carlos Eduardo Elias de Oliveira - Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil. Advogado, doutorando, mestre e bacharel em Direito na UnB. Professor de Direito Civil, Notarial e de Registros Públicos na UnB. Ex-advogado da União (AGU).
Fonte: Migalhas Notariais e Registrais

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