De há muito, a doutrina e os agentes econômicos veiculam críticas à eficácia dos direitos reais de garantia tradicionais (hipoteca, penhor e anticrese) numa sociedade de massa e de maciça industrialização, em razão da morosidade do processo judicial com vistas à retomada do bem para viabilizar a execução da dívida.
Por exemplo, José Carlos Moreira Alves enuncia que "o que é certo, portanto, é que, a partir, precipuamente, do século passado, se tem sentido, cada vez mais, a necessidade de criação de novas garantias reais para a proteção do direito de crédito. As existentes nos sistemas jurídicos de origem romana — e são elas a hipoteca, o penhor e a anticrese — não mais satisfazem a uma sociedade industrializada, nem mesmo nas relações creditícias entre pessoas físicas, pois apresentam graves desvantagens pelo custo e morosidade em executá-las" ("Da alienação fiduciária em garantia". Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 5).
Sem que haja mecanismos jurídicos que assegurem, ao mesmo tempo, a rápida retomada pelo credor da garantia e a agilidade da execução da dívida, a atividade econômica dirigida à compra e venda e à concessão de crédito não se desenvolverá plenamente.
Com efeito, no Sistema Financeiro da Habitação o Decreto-Lei 70/1966, em seu artigo 32, admite a execução extrajudicial do débito relativo ao financiamento para a aquisição do imóvel próprio.
No mesmo sentido, o Decreto-Lei 911/1969, que versa sobre o financiamento de bens móveis, e a Lei 9.514/1997, que institui o Sistema Financeiro Imobiliário, estabelecem mecanismos vocacionados à retomada da garantia e à implementação da execução extrajudicial da dívida. Em suma, as citadas leis contemplam que, comprovada a constituição em mora do devedor através de notificação cartorária, deve ser concedida a medida liminar de retomada da garantia, e que o leilão extrajudicial do bem deve ser precedido de intimação prévia e pessoal do devedor.
Nesse contexto, é assente a orientação jurisprudencial de que a concessão da medida liminar na demanda de busca e apreensão (bens móveis a teor do Decreto-Lei 911/1969) e na de reintegração de posse (bens imóveis a teor da Lei 9.514/1997), decorrente do inadimplemento contratual, está condicionada à demonstração da mora do devedor através de notificação cartorária (STJ, AgInt no REsp 1828198), e que há a necessidade de intimação do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial (STJ, AgInt no AREsp 1678642).
Por oportuno, já se alegou que a execução extrajudicial do bem objeto da garantia representaria ofensa ao acesso à Justiça e ao devido processo legal, na medida em que o devedor seria privado do bem sem o controle jurisdicional.
A propósito, o STF já se manifestara pela constitucionalidade da execução extrajudicial do SFH prevista no Decreto-Lei 70/1966 (RE 148.872, 223.075 e 240.361) e da execução extrajudicial do bem alienado fiduciariamente prevista no Decreto-Lei 911/1969 (RE 206.482 e ARE 910.574). Isso porque o fato de a execução ser extrajudicial não impede que o devedor possa veicular pretensão perante o Poder Judiciário, com o propósito de evitar lesão ou de corrigi-la, de sorte que "é irrecusável ao devedor esse direito de fiscalização" (Orlando Gomes. Alienação Fiduciária em Garantia. São Paulo: RT, 1970, p. 110).
Mesmo assim, esse assunto foi novamente submetido à discussão da constitucionalidade. Nesta semana, em repercussão geral (Tema 249), o STF concluiu o julgamento do RE 627.106, em que declarou a constitucionalidade da execução extrajudicial do SFH prevista no Decreto-Lei 70/1966. O voto do relator, ministro Dias Toffoli, assentou que é lícito ao devedor levar à apreciação do Poder Judiciário a ameaça e/ou a lesão em seu direito, eis que deve ser intimado prévia e pessoalmente para acompanhar o leilão extrajudicial. Em igual sentido, o STF, no julgamento do RE 382.928, em 13/10/2020, declarou a constitucionalidade da execução extrajudicial prevista no Decreto-Lei 911/1969.
Pelas mesmas razões já anteriormente explicitadas, em razão da identidade da discussão constitucional, embora ainda esteja pendente de exame o tema 982, o procedimento de execução extrajudicial nos contratos de mútuo com alienação fiduciária de imóvel pelo SFI, previsto na Lei 9.514/97, deve ser considerado constitucional.
Por oportuno, a orientação jurisprudencial no STJ aponta que é lícita a concessão de provimento de urgência, a fim de suspender a execução extrajudicial, devendo haver a demonstração da plausibilidade do direito e do risco de dano irreparável (REsp 1067237).
Somente haveria a inconstitucionalidade no procedimento de execução extrajudicial se a legislação de regência impedisse ou excluísse da apreciação do controle jurisdicional a prática dos atos do credor, o que não é o caso.
A rigor, o acesso pelo devedor ao Poder Judiciário revela-se admissível por ocasião da notificação para a purgação da mora, da tramitação do procedimento do leilão extrajudicial e da conclusão da venda efetuada em leilão (cf. Cândido Rangel Dinamarco. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo: RT, 2002, p. 1.271).
Registre-se, outrossim, que, por serem normas jurídicas especiais, a sistemática do Código de Defesa do Consumidor, em especial o artigo 53, não se aplica aos efeitos dos leilões extrajudiciais decorrentes do inadimplemento contatual com pacto de alienação fiduciária em garantia (STJ, AgInt no REsp 1.822.750).
Por conseguinte, a sistemática de execução extrajudicial de bem — sobre o qual recaia direito real de garantia — não configura violação à Constituição Federal, sendo permitido ao devedor, se assim desejar, submeter ao controle jurisdicional lesão ou ameaça de lesão a seu direito, e representa um fator importante de incentivo às atividades econômicas de comercialização de bens imóveis e móveis e de concessão de créditos, de sorte a assegurar a manutenção do fluxo de retorno das operações de crédito, assim como o interesse coletivo de permanente oferta de crédito. Isso porque as garantias tradicionais oriundas do Direito romano não mais fazem frente às necessidades de uma sociedade de massa e de circulação rápida e eficiente de riquezas.
Gleydson K. L. Oliveira é advogado, mestre e doutor em Direito pela PUC/SP e professor da graduação e mestrado da UFRN.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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