quinta-feira, 15 de abril de 2021

Ainda os "distratos" - A recuperação judicial e a concursalidade do crédito decorrente de resilição da promessa de compra e venda de imóvel por iniciativa do adquirente


A "rescisão" das promessas de compra e venda, em suas várias modalidades, é assunto recorrente na pauta do mercado imobiliário ao menos desde a segunda metade da década passada. Ainda que sem a observância da melhor técnica, convencionou-se chamar o desfazimento do negócio de "distrato". A lei 13.786 de 27 de dezembro 2018, que "altera as leis 4.591, de 16 de dezembro de 1964, e 6.766, de 19 de dezembro de 1979, para disciplinar a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária em incorporação imobiliária e em parcelamento de solo urbano" ficou conhecida simplesmente como "Lei dos Distratos".

Assim, apenas para melhor compreensão e delimitação do objeto de estudo, cabe fazer um esclarecimento inicial. Para fins deste artigo, e sem qualquer pretensão de estudo amplo e aprofundado dos modos de extinção anormal dos contratos1 por causa superveniente à sua formação, consideremos que o desfazimento de um negócio pode ocorrer por resolução, distrato (por vezes também chamado resilição bilateral) ou resilição unilateral. A resolução é o que ocorre no caso de inexecução do contrato - voluntária ou involuntária, com ou sem culpa. O distrato é o acordo de vontades entre as partes contratantes para colocar fim ao negócio. Por fim, a resilição unilateral é o que ocorre no caso de desistência de um dos contratantes - e mais especificamente para os fins do presente estudo, desistência do adquirente em relação ao contrato de promessa de compra e venda, sem que haja culpa do incorporador pelo pedido de rescisão2.

Embora o artigo 473 do Código Civil preveja que a resilição somente é cabível quando o contrato assim o permitir, expressa ou implicitamente, e a despeito da previsão de irretratabilidade e irrevogabilidade das promessas de compra e venda, é firme o entendimento jurisprudencial pela possibilidade de desistência pelo adquirente, que obterá a seu favor a restituição parcial dos valores pagos3.

A questão que merece ser examinada é a seguinte: no caso de resilição do contrato (desistência do adquirente), qual o critério a ser utilizado a fim de averiguar a concursalidade do crédito (restituição parcial dos valores pagos) em caso de recuperação judicial do promitente-vendedor? A matéria é relevante porque a crise do mercado imobiliário fez com que algumas das maiores incorporadoras do país ingressassem, nos últimos cinco anos, com pedidos de recuperação judicial, como ocorreu por exemplo com os Grupos Viver, PDG, Tiner, Urbplan e Odebrecht.

O artigo 49 da Lei de Recuperações Judiciais e Falências (lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005) estabelece que "estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos". A controvérsia residia em definir o que seriam os "créditos existentes na data do pedido"4.

Recentemente, ao analisar o Tema 1.051 dos Recursos Repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça firmou tese nos seguintes termos:

Questão submetida a julgamento

Interpretação do artigo 49, caput, da Lei n. 11.101/2005, de modo a definir se a existência do crédito é determinada pela data de seu fato gerador ou pelo trânsito em julgado da sentença que o reconhece.

Tese Firmada

Para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador.

A orientação consolidada no repetitivo veio reafirmar o entendimento que há muito vinha prevalecendo no próprio STJ5-6 e em outros Tribunais7 (não só para os casos envolvendo compra e venda de imóveis, vale mencionar). A análise acerca da sujeição ou não do crédito à recuperação judicial depende do momento de ocorrência de seu fato gerador, sendo irrelevante o momento do trânsito em julgado de eventual decisão condenatória. Nos casos de demandas indenizatórias decorrentes de atraso na entrega do imóvel, por exemplo, o fato gerador é o atraso; sendo este anterior ao pedido de recuperação, o crédito estará a ela submetido8.

A questão a ser respondida, então, é a seguinte: qual o fato gerador no caso de desistência do negócio por parte do adquirente (resilição por iniciativa do adquirente), qualquer que seja o motivo?

Estamos convencidos de que a resposta, por sua vez, é a seguinte: é a própria celebração do contrato. A análise da ocorrência do fato gerador em tais situações retroage, necessariamente, ao momento da celebração do contrato, que servirá de marco temporal para definir a sujeição (ou não) do crédito à recuperação judicial.

Existem alguns elementos que corroboram essa conclusão. Assim, vale destacar o que observou o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva no voto condutor proferido por ocasião do julgamento do Tema 1.051 dos Recursos Repetitivos (grifamos):

A existência do crédito está diretamente ligada à relação jurídica que se estabelece entre o devedor e credor, o liame entre as partes, pois é com base nela que, ocorrido o fato gerador, surge o direito de exigir a prestação (direito de crédito).

[...]

Na responsabilidade civil contratual, o vínculo jurídico precede a ocorrência do ilícito que faz surgir o dever de indenizar. Na responsabilidade jurídica extracontratual, o liame entre as partes se estabelece concomitantemente com a ocorrência do evento danoso. De todo modo, ocorrido o ato lesivo, surge o direito ao crédito relativo à reparação dos danos causados.

Em outras palavras, os créditos submetidos aos efeitos da recuperação judicial são aqueles decorrentes da atividade do empresário antes do pedido de recuperação, isto é, de fatos praticados ou de negócios celebrados pelo devedor em momento anterior ao pedido de recuperação judicial, excetuados aqueles expressamente apontados na lei de regência.

[...]

Nessa linha, foi editado o Enunciado nº 100 da III Jornada de Direito Comercial,

que tem o seguinte teor: "Consideram-se sujeitos à recuperação judicial, na forma do art. 49 da lei 11.101/2005, os créditos decorrentes de fatos geradores anteriores ao pedido de recuperação, independentemente da data de eventual acordo, sentença ou trânsito em julgado."

Em resumo, ocorrido o fato gerador, surge o direito de crédito, sendo o adimplemento e a responsabilidade elementos subsequentes, não interferindo na sua constituição.

Portanto, ocorrido o fato gerador, considera-se o crédito existente, estando submetido aos efeitos da recuperação judicial.

Frise-se: o STJ concluiu que estão sujeitos à recuperação os créditos "decorrentes da atividade do empresário antes do pedido de recuperação", ou de "negócios celebrados pelo devedor em momento anterior ao pedido de recuperação judicial". Daí se poder afirmar que no caso de resilição de contrato celebrado antes do pedido de recuperação, o crédito titularizado pelo adquirente (referente à restituição parcial dos valores pagos) estará sujeito à recuperação judicial, devendo ser recebido nos moldes do plano aprovado. Sem dúvida, "a noção de crédito extraconcursal é reservada às obrigações constituídas pelo devedor durante o período de recuperação, visto que o objetivo deste novo regime jurídico é a preservação da atividade empresarial"9.

O direito reconhecido ao adquirente de desistir do negócio nasce no instante imediatamente subsequente ao de sua celebração - sendo este, portanto, o fato gerador do crédito. Se o adquirente desiste do negócio 15 dias ou seis meses depois, o efeito jurídico produzido é o mesmo: desfazimento do negócio e restituição parcial dos valores pagos. Trata-se, todavia, de crédito sujeito a condição suspensiva, que somente será exigível caso o adquirente manifeste seu interesse no desfazimento do negócio; e ilíquido, a exigir a definição da quantia exata a ser efetivamente restituída (a depender do montante pago e da retenção aplicável). Ainda assim, trata-se de crédito existente na data do pedido, como prevê o art. 49 da lei 11.101 de 200510, e por isso sujeito à recuperação judicial11.

Embora existam diversos precedentes que fazem menção expressa à data de ocorrência do fato gerador do crédito objeto de discussão, não há definição clara acerca de qual seria este fato gerador nas hipóteses de resilição unilateral por iniciativa do adquirente. Em algumas situações, o TJSP já adotou entendimento de que seria a data de ajuizamento da demanda12, o que parece equivocado.

Na verdade, entendimento diverso do aqui sustentado conduziria a uma situação absolutamente ilógica e incompatível com a ordem jurídica. Explica-se.

Como dito, no caso de resolução do contrato (rescisão por culpa do vendedor - como ocorre no caso de atraso, por exemplo), o fato gerador é o inadimplemento; sendo anterior à recuperação judicial, o crédito estaria a ela sujeito (seria concursal).

Desse modo, adotar marco diverso (do momento da celebração do contrato) para definição do fato gerador no caso de resilição unilateral significaria garantir ao adquirente que injustificadamente desiste do negócio posição tida como mais benéfica que aquela do adquirente prejudicado pelo inadimplemento da parte vendedora.

Ou ainda: imagine-se a situação de dois adquirentes de unidades em um mesmo empreendimento, que celebraram seu contrato no mesmo dia; meses após a celebração do negócio, ambos cessam os pagamentos das parcelas devidas. Um deles, entretanto, decide pela propositura da ação de rescisão do contrato (requerendo a restituição dos valores pagos) dias antes do pedido de recuperação judicial. O outro, por sua vez, embora também tenha cessado os pagamentos juntamente com o primeiro, somente propõe a ação semanas após o pedido de recuperação judicial. Parece absolutamente ilógico que apenas um deles tenha seu crédito submetido à recuperação judicial.

Admitir situações tão incongruentes significa atentar contra a coerência do ordenamento jurídico.

Vale observar que seria diferente a situação daquele que celebra o contrato após o pedido de recuperação judicial. Exigir que este crédito também se submetesse à recuperação (em caso de resilição) representaria absoluto desestímulo à celebração de qualquer negócio com a empresa em recuperação - frustrando os objetivos do próprio instituto.

Conforme observado pelo professor Marlon Tomazette:

Durante o processo de recuperação judicial a atividade do devedor normalmente prossegue e, consequentemente, são assumidas obrigações, as quais são classificadas como extraconcursais, para não prejudicar as pessoas que mantiveram a negociação com o devedor em recuperação judicial. Pelos mesmos motivos, os atos válidos praticados pelo administrador judicial durante o processo de falência também terão essa classificação. Se não fosse dado esse privilégio, ninguém praticaria tais atos13.

Em síntese, é possível imaginar as seguintes situações e soluções:

 

Adquirente 1

Adquirente 2

Adquirente 3

Adquirente 4

Celebração do contrato

Anterior ao pedido de recuperação judicial

Anterior ao pedido de recuperação judicial

Anterior ao pedido de recuperação judicial

Posterior ao pedido de recuperação judicial

Fundamento do pedido

Inadimplemento do vendedor (resolução)

Desistência do adquirente (resilição)

Desistência do adquirente (resilição)

Desistência do adquirente (resilição)

Fato gerador

Inadimplemento

Celebração do contrato

Celebração do contrato

Celebração do contrato

Ajuizamento da ação

Anterior ao pedido de recuperação

Anterior ao pedido de recuperação

Posterior ao pedido de recuperação

Posterior ao pedido de recuperação

Conclusão

Crédito submetido à recuperação judicial

Crédito submetido à recuperação judicial

Crédito submetido à recuperação judicial

Crédito não 

submetido à recuperação judicial

Somente desse modo é possível garantir tratamento verdadeiramente isonômico aos credores de uma mesma classe na recuperação judicial.

A questão também foi analisada pelo Ministro Relator no voto do já citado Recurso Repetitivo, do qual se extrai o seguinte trecho:

É oportuno consignar que esse entendimento é o que melhor garante o tratamento paritário entre os credores, pois se a existência do crédito dependesse de declaração judicial, algumas vítimas do mesmo evento danoso poderiam, a depender do trâmite processual, estar submetidas aos efeitos da recuperação judicial, enquanto outras não.

Há, evidentemente, resistência do adquirente à sujeição de seu crédito ao concurso de credores. De fato, a submissão à recuperação judicial significa ingressar no final de uma fila (porque o crédito é quirografário) que pode incluir milhares (ou mesmo dezenas de milhares) de outros credores. Além disso, os planos normalmente preveem descontos sobre os créditos concursais e prazos alongados de pagamento.

Apesar disso, exame mais cuidadoso permite concluir que a sujeição do crédito à recuperação judicial poderá ser benéfica ao adquirente. A uma, porque melhor atende às finalidades do processo recuperacional, possibilitando a efetiva retomada da atividade que irá permitir a quitação das obrigações pelo devedor; para o credor, é melhor que tenha efetivas condições de honrar com as obrigações assumidas, sem o que se instauraria processo de falência. A duas, por assegurar ao credor a possibilidade de requerer a convolação da recuperação em falência no caso de descumprimento da obrigação, conforme previsto no art. 61, § 1º da Lei 11.101/2005; essa possibilidade é uma importante ferramenta que serve de "incentivo" ao fiel cumprimento da obrigação pelo devedor. A três, porque a execução individual movida perante Juízo diverso do recuperacional seria absolutamente desprovida de enforcement, já que somente o Juízo da recuperação é competente para a prática de quaisquer atos de constrição patrimonial em desfavor do devedor14.

De todo modo, há que se considerar que o processo recuperacional jamais pode ser examinado sob o prisma de interesses individuais considerados de forma isolada. A finalidade precípua do processo é a preservação da empresa mediante superação da crise econômico-financeira, conforme se depreende do artigo 47 da já citada lei 11.101 de 2005. Busca-se, portanto, um equilíbrio entre o exercício da atividade e o interesse de todo o contingente de credores, especialmente mediante tratamento isonômico àqueles integrantes de uma mesma classe.

Por tudo isso, deverá ser tido como concursal (isso é, sujeito à recuperação judicial) o crédito decorrente de resilição de contrato de promessa de compra e venda celebrado anteriormente ao pedido de recuperação judicial, sendo que a data da celebração do contrato deverá ser considerada como o marco temporal para apuração do fato gerador da obrigação nessas situações.

*Bruno de Souza Ferreira Ramos é advogado do Escritório Fazano & De Lucca Advogados. Master of Laws (LL.M) em Direito Societário pelo Insper (em andamento). Especialista em Direito Contratual pela Escola Paulista de Direito. Membro das Comissões de Negócios Imobiliários e de Contencioso Imobiliário do IBRADIM.
__________

1 Porque a extinção normal é o adimplemento.

2 A confusão terminológica foi bem explicada pelos brilhantes professores André Abelha e Olivar Vitale em artigo publicado anteriormente nesta coluna, cuja leitura certamente é mais que recomendável. ABELHA, André; VITALE, Olivar. Súmula 543 do STJ: por que revisá-la? Migalhas. Disponível aqui. Acesso em 08. abr. 2021.

3 Nesse sentido, por exemplo, a Súmula 1 do Tribunal de Justiça de São Paulo e a Súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça. Nesse particular, ainda que o Enunciado Sumular do STJ faça menção expressa à resolução do contrato, a prática evidencia sua ampla e irrestrita utilização também para os casos de desistência do adquirente. Sem prejuízo das discussões acerca da melhor interpretação e aplicação do entendimento, ou mesmo da revisão das Súmulas, é esse o cenário posto - e é a partir dele que se desenvolve o presente estudo. Também sobre isso, recomenda-se mais uma vez a leitura do texto publicado pelos professores Olivar Vitale e André Abelha (cit. nota 3).

4 O Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, relator dos recursos especiais agrupados para julgamento no Tema 1.051 dos Recursos Repetitivos, aponta em seu voto: "Diante dessa opção do legislador, de excluir determinados credores da recuperação judicial, mostra-se imprescindível identificar o que deve ser considerado como crédito existente na data do pedido, ainda que não vencido. A matéria ganha especial dificuldade no que respeita aos créditos que dependem de liquidação" (grifos do original).

5 Por todos: REsp 1447918/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 16/05/2016. No mesmo sentido: EDcl no AgInt no CC 152.900/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES [Des. convocado do TRF 5ª Região], Segunda Seção, julgado em 08/08/2018, DJe 15/08/2018.

6 VALOR ECONÔMICO. Empresas em recuperação judicial vencem disputa sobre ações indenizatórias. Disponível aqui. Acesso em 07 abr. 2021.

7 Por todos: TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.18.117136-4/002, Relator(a): Des.(a) Pedro Aleixo, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 17/06/2020, publicação da súmula em 18/06/2020. No mesmo sentido: TJSP; Agravo de Instrumento 2157417-21.2019.8.26.0000; Relator (a): Maia da Cunha; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Data de Registro: 11/09/2019.

8 Por todos: TJSP; Agravo de Instrumento 2187738-73.2018.8.26.0000; Relator (a): Coelho Mendes; 10ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 02/07/2019. No mesmo sentido: TJSP; Agravo de Instrumento 2114096-33.2019.8.26.0000; Relator (a): Marcus Vinicius Rios Gonçalves; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Data de Registro: 17/10/2019.

9 Decisão proferida no processo de autos n. 0049277-78.2020.8.26.0100, pelo juízo da 27ª Vara Cível, Foro Central Cível, Comarca da Capital, TJSP. Sem grifos no original.

10 Também seria ilíquido, por exemplo, o crédito [indenização por danos morais] eventualmente decorrente de inscrição indevida em cadastro de inadimplentes. O fato gerador nessa situação, todavia, já ocorreu: é a negativação. A iliquidez do crédito, por si só, não significa sua inexistência, tampouco modifica o regime a ser aplicado.

11 "Os direitos expectativos, por serem tuteláveis (art. 130 do CC/2002), submetem-se à recuperação judicial". AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A Construção Jurisprudencial da Recuperação Judicial de Empresas. 4. ed. [[VitalSource Bookshelf version]]. Retrieved from vbk://9788530991357.

12 A orientação foi adotada, inclusive, em acórdão recente, proferido em juízo de retratação após o julgamento do recurso repetitivo pelo STJ: "RESCISÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL C.C. RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS PAGAS - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE EXTINÇÃO DO PROCESSO - Novo exame, com base no art. 1.030, II, do CPC - Promessa de compra e venda de imóvel - Rescisão do compromisso, por dificuldade financeira do compromissário comprador, com pedido de restituição de parte dos valores pagos - Tese fixada pelo Col. STJ, em julgamento de recurso repetitivo, segundo a qual "Para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador" - Segundo o Acórdão paradigma, a data do fato gerador do crédito não se confunde com a data da celebração do contrato entre as partes, sendo necessário analisar em cada caso em que consiste o mencionado fato gerador - No caso destes autos, o fato gerador do crédito perseguido pelo agravado somente nasceu com sua manifesta intenção em rescindir a promessa de compra e venda (o que se deu com o próprio ajuizamento da demanda, em 2019) - Antes disso, inexistia qualquer direito de crédito do agravado (que possuía, apenas, o direito de receber a propriedade do imóvel, desde que efetuasse o pagamento do preço) - Fato gerador que consiste no pedido de rescisão do contrato e negativa de restituição de valores pelas promitentes vendedoras - Fato gerador ocorrido em 2019 - Pedido de recuperação judicial postulado em 23/02/2017 - Crédito que não se submete à recuperação judicial, nos termos do art. 49 da lei 11.101/2005 - Desnecessária a modificação do v. Acórdão reexaminado, que fica mantido pelos seus próprios fundamentos - V. ACÓRDÃO OBJETO DE REEXAME, NOS TERMOS DO ART. 1.030, II, DO CPC, QUE FICA MANTIDO" (TJSP; Agravo de Instrumento 2236361-03.2020.8.26.0000; Relator (a): Angela Lopes; 27ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 30/03/2021).

No mesmo sentido: "Processual. Execução fundada em título judicial. Impugnação da executada pretendendo a sujeição do crédito aos efeitos de sua recuperação judicial, com extinção da execução. Descabimento. Pedido de recuperação datado de fevereiro de 2017. Crédito em execução decorrente da resilição de contrato de compromisso de compra e venda imobiliário, com determinação de restituição de parte dos valores pagos. Demanda ajuizada em setembro de 2017, posteriormente portanto ao requerimento de recuperação, e julgada em agosto de 2018. Constituição dos créditos, de modo a perquirir de sua concursalidade ou não, a ser verificado no mais das vezes no plano da relação material entre as partes, não no momento em que proferida a decisão judicial que reconhece sua existência, muito menos no do respectivo trânsito em julgado dessa. Exceção decorrente de decisões de natureza desconstitutiva, que modificam situações jurídicas, como na hipótese dos autos, em que delineado o crédito em execução a partir da desconstituição do contrato de compromisso de compra e venda. Ajuizamento da demanda, de toda forma, que igualmente foi posterior ao pedido de recuperação. Extraconcursalidade reconhecida, à luz do art. 49, caput, da Lei nº 11.101/2005. Possibilidade de prosseguimento da execução. Decisão de rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença confirmada, por outros fundamentos. Agravo de instrumento da executada desprovido, com observação" (TJSP; Agravo de Instrumento 2039845-10.2020.8.26.0000; Relator (a): Fabio Tabosa; 29ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 30/06/2020, sem grifos no original)

13 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial. Vol. 3. Falência e recuperação de empresas. 8. ed. [[VitalSource Bookshelf version]]. Retrieved from vbk://9788553616749.

14 Trata-se de entendimento amplamente consolidado na jurisprudência: "PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO DE DIREITO E JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL (LEI N. 11.101/05). AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. VALOR DA CONDENAÇÃO. CRÉDITO APURADO. HABILITAÇÃO. ALIENAÇÃO DE ATIVOS E PAGAMENTOS DE CREDORES. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRECEDENTES DO STJ. 1. Com a edição da lei 11.101/05, respeitadas as especificidades da falência e da recuperação judicial, é competente o respectivo Juízo para prosseguimento dos atos de execução, tais como alienação de ativos e pagamento de credores, que envolvam créditos apurados em outros órgãos judiciais, inclusive trabalhistas, ainda que tenha ocorrido a constrição de bens do devedor. 2. Após a apuração do montante devido, processar-se-á no juízo da recuperação judicial a correspondente habilitação, sob pena de violação dos princípios da indivisibilidade e da universalidade, além de desobediência ao comando prescrito no art. 47 da Lei n. 11.101/05. 3. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro (RJ)" (CC 90.160/RJ, Rel. Ministro João Otávio De Noronha, Segunda Seção, julgado em 27/05/2009, DJe 05/06/2009, sem grifos no original).

Ainda: "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO CARACTERIZADA. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO DE NATUREZA EXTRACONCURSAL. MEDIDAS DE CONSTRIÇÃO DO PATRIMÔNIO DA EMPRESA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. 1. Os embargos de declaração objetivam sanar eventual existência de obscuridade, contradição, omissão e/ou erro material no julgado (CPC, art. 1022). 2. Os atos de execução dos créditos promovidos contra empresas falidas ou em recuperação judicial, sob a égide do Decreto-Lei n. 7.661/45 ou da Lei n. 11.101/05, bem como os atos judiciais que envolvam o patrimônio dessas empresas, devem ser realizados pelo Juízo universal. 3. Ainda que o crédito exequendo tenha sido constituído anteriormente ou após o deferimento do pedido de recuperação judicial (crédito extraconcursal), a jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que, também nesse caso, o controle dos atos de constrição patrimonial deve prosseguir no Juízo da recuperação. Precedentes. 4. Embargos de declaração acolhidos para sanar omissão e determinar que os atos de constrição ao patrimônio da empresa em recuperação judicial devem ser submetidos ao juízo recuperacional" (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1416008/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/09/2019, DJe 30/09/2019, sem grifos no original).

Atualizado em: 15/4/2021 08:35

Fonte: Migalhas Edilícias

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