segunda-feira, 16 de julho de 2018

OPINIÃO: O INFERNO ESTÁ CHEIO DE BOAS INTENÇÕES


As notícias de Brasília indicam descontrole na concessão de privilégios para grupos organizados, cada um procurando garantir o seu butim.
Mas essa é apenas parte da história. Não se deve desprezar a combinação explosiva entre populismo e incompetência técnica, como mostrou a discussão sobre o distrato na compra de novos imóveis.

A confusão vem de longa data. Compradores podem não mais querer possuir um imóvel adquirido na planta. Nesse caso, devem vendê-lo no mercado.

Com a crise econômica, porém, alguns descobriram que o preço dos imóveis caíra e passaram a demandar devolvê-los ao vendedor e receber o que haviam pago, mesmo que tivessem sido adquiridos anos antes e estivessem quase concluídos. 

Trata-se do velho oportunismo à brasileira. Quando os preços dos imóveis subiam, como nos anos 2000, seus compradores podiam vendê-los por preço maior do que haviam pago, embolsando a diferença.

Agora, como o preço caiu, nada como empurrar o prejuízo para o incorporador. A isso chamou-se distrato, que foi referendado pelo Judiciário e representou 44% das vendas em 2017 (sem o Minha Casa, Minha Vida), segundo dados da Abrainc. Nada semelhante existe numa dezena de países analisados, desenvolvidos ou emergentes.

Analogias ajudam a entender o disparate: e se você tivesse contratado uma empresa para construir a sua casa e desistisse quando ela estivesse quase pronta? O construtor deveria devolver o que recebeu e gastou? E se fosse uma ação judicial de muitos anos à beira de ser julgada? Pode-se desistir, dispensar o advogado e receber de volta os honorários já pagos?

Qualquer que seja a razão do comprador de não mais querer o imóvel, o incorporador nada tem a ver com isso. O comprador deve vender o imóvel, com os riscos e benefícios associados a qualquer investimento.

Além disso, muitos empreendimentos são iniciados apenas porque um número mínimo de unidades foi vendido previamente. Com o distrato, a garantia da venda inicial deixa de existir, inviabilizando muitos empreendimentos.

Nada como o populismo incompetente, mesmo que bem-intencionado.

O distrato prejudicará os compradores de novos imóveis; afinal ele implica maior risco e custo para o financiamento das construções, reduzindo a oferta e aumentando o seu preço.

Resta a surpresa com a precariedade técnica das discussões. Não estudaram como os demais países lidam com esse tema? Não analisaram as consequências do distrato? Não estudaram as opções de políticas públicas para proteger as famílias mais pobres?

Muitos se dizem surpresos com o pouco crédito, os juros elevados e a escassez de imóveis no Brasil. Não deveriam. Há muita incompetência por trás dos nossos problemas.

Marcos Lisboa - Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.
Fonte: Folha de S. Paulo

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