quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

LINHAS GERAIS SOBRE A LEI DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. PROBLEMÁTICA DO DESCONHECIMENTO DO REGRAMENTO ESPECÍFICO E GENERALIZAÇÃO, QUANDO DA REGULAÇÃO DO CASO CONCRETO


Nos últimos anos, com o aumento da oferta de crédito e do poder aquisitivo, o mercado de incorporações, principalmente com a venda de imóveis na planta, seja com fins especulativos ou para moradia, apresentou grande crescimento, inclusive, no cenário local. Hoje, é comum e assunto recorrente, as possibilidades existentes e o grande leque de opções postos no mercado pelas incorporadoras/construtoras.

A incorporação imobiliária é negócio jurídico em que o incorporador, pessoalmente ou por terceiros, obriga-se a construir, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, além de transmitir a propriedade dessas unidades aos adquirentes.

Por sua vez, considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial.

Da mesma forma, também é incorporador aquele que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e efetivando a incorporação, responsabilizando-se ainda, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas.

E, como não poderia deixar de ser, o aumento do mercado e de transações relativas, inevitavelmente, leva ao crescimento dos litígios e pendências em que se discutem toda a sorte de relações e fatos envolvendo às incorporações imobiliárias.

Destarte, ainda que hoje seja o assunto muito mais comentado e acalorado, afeito a qualquer pessoa, de qualquer nível social, muito motivado por políticas de crédito e subsídios destinados inclusive a atingir as camadas mais baixas da sociedade, a regulamentação legal das incorporações é antiga, porém pouco conhecida e aplicada, principalmente quando se está diante de problemas, debatidos em juízo, envolvendo incorporadores e adquirentes.

Editada no ano de 1964, a Lei 4.591 possui normas que visam regular conjuntamente o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Em suma, a Lei divide-se em dois títulos distintos, um relativo ao Condomínio (artigos 1 a 27) e Incorporações (artigos 28 a 66).

Especificamente, é o entendimento predominante que a parte da Lei nº 4.591/64 que tratava do condomínio foi derrogada, isto é, seus vinte e sete artigos iniciais foram substituídos pelos arts. 1.331 a 1.358 do novo Código Civil (Lei Federal n° 10.406/02) que entrou em vigor em 11/01/03. Ademais, em 2004, a Lei 10.931, fez incluir um novo Capítulo cujos artigos tratam especificamente do regime de afetação das incorporações.

Assim a Lei nº 4.591/64 continua em vigor na parte referente à incorporação imobiliária, com pontuais alterações.

Em linhas gerais, vez que se buscará em artigos posteriores aprofundar a análise de todos os institutos presentes na lei, bem como legislações correlatas e interessantes ao ramo da incorporação de imóveis, a Lei de Incorporações traz e estabelece toda sorte de procedimentos e formalidades, inclusive junto aos Oficiais de Registro de Imóveis, para a criação, desenvolvimento e conclusão da construção, desde a compra do terreno, até a averbação da construção.

Conceitua e tipifica para a Lei quem são os Incorporadores, estabelecendo, posteriormente, de forma expressa, seus direitos e obrigações.

Regula, inclusive, em seu artigo 43, as obrigações para com os adquirentes das unidades, estabelecendo, dentre outros, deveres como de informar periodicamente o andamento das obras, responder pela execução da construção, se abster de alterar o projeto e condições de pagamento. Traz, ao final, capítulo dedicado às infrações, inclusive com tipificações de crimes relativos a economia popular.

Estabelece também, em alteração mais recente, como dito, a regulamentação acerca do regime do patrimônio de afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.

A despeito de toda gama de situações reguladas pela Lei, verifica-se, quando da análise de casos concretos postos em juízo, que grande parte dos aplicadores desconhecem as suas regras, lançando mão na quase totalidade dos casos de meras normas gerais e princípios genéricos que supostamente tutelariam a questão com perfeição.

Exemplos não faltam.

A Lei 4.591/1964 estabelece em seu artigo 48, § 2º, que o contrato da construção do imóvel objeto da incorporação deverá constar a prazo da entrega das obras, bem como, caso seja o caso, as condições e formas de sua eventual prorrogação.

Art. 48. A construção de imóveis, objeto de incorporação nos moldes previstos nesta Lei poderá ser contratada sob o regime de empreitada ou de administração conforme adiante definidos e poderá estar incluída no contrato com o incorporador (VETADO), ou ser contratada diretamente entre os adquirentes e o construtor.

§ 1º O Projeto e o memorial descritivo das edifcações farão parte integrante e complementar do contrato;

§ 2º Do contrato deverá constar a prazo da entrega das obras e as condições e formas de sua eventual prorrogação.

Vez outra, no entanto, é comum se deparar com pedidos e julgados no sentido de declarar nulas as cláusulas contratuais que estabelecem prazos de tolerância de 180 dias para a entrega do imóvel.

Ora, se a própria Lei específica prevê a possibilidade de inserção de cláusula com este conteúdo, impossível aplicar a generalidade do CDC, com fins de atribuir ilicitude a cláusula que, ao contrário, é perfeitamente legal.

Da mesma forma que, em determinados casos, se determina em sede de antecipação de tutela a imediata entrega da unidade ao adquirente sem que, antes, tenha-se analisado a situação dos pagamentos e quitação do saldo devedor pelo adquirente para recebimento da unidade, isto, quando se está diante de atraso na construção, fundando-se na exceção contrato não cumprido, prevista no art. 476 do Código Civil.

O artigo 52 da Lei 4.591/1964 regula a questão e estabelece de forma expressa que “(...) cada contratante da construção só será imitido na posse de sua unidade se estiver em dia com as obrigações assumidas, inclusive às relativas à construção, exercendo o construtor e o condomínio, até então, o direito de retenção sobre a respectiva unidade”.

Isto porque a relação estabelecida entre as partes é de pagamento do preço e construção da unidade. Se houve atraso na construção, mas houve a sua conclusão, cabe ao adquirente pagar o seu preço, eventualmente acordando eventual compensação indenizatória ou buscando a tutela do Judiciário com este fim.

Nada, pelos expressos termos da Lei, no entanto, autoriza a entrega da unidade indistintamente ao adquirente sem o regular pagamento.

A regra visa prevenir situações em que há a imissão na posse do imóvel e o adquirente, por anos, fica sem pagar o preço do imóvel, somente revolvendo-se a situação com um processo longo e custoso de rescisão com reintegração de posse.

Assim, ao se firmar que a sistemática especial da Lei n.º 4.591/64 prevalece, nas incorporações, mesmo depois do advento da legislação tutelar do consumidor, não se está afirmando, de outro lado, que as contratações da espécie totalmente fora do alcance das regras e princípios disciplinadoras das relações de consumo.

Como se passa em qualquer contrato entre fornecedor e consumidor, a incidência da proteção conferida pelo Código do Consumidor na incorporação imobiliária se manifesta contra as práticas abusivas desde a fase pré-contratual, prossegue no estágio contratual, e se estende pelo período pós-contratual.

O incorporador é responsável pelos abusos cometidos por meio de publicidade enganosa ou abusiva (CDC, artigo 37) e pelos danos materiais e morais que acarretem ao consumidor na fase pré-contratual. Da mesma forma que, firmado o contrato, não se admitem as cláusulas abusivas (artigos 39, 51 e 53 do CDC), e ainda, uma vez concluída e entregue a obra, o construtor continuará mantendo a responsabilidade pela segurança e qualidade da obra (Código Civil, art. 1.245), que o CDC denomina de responsabilidade pelo defeito do produto ou serviço (artigo 12), bem como sobre os vícios de qualidade, menos graves que os de segurança, mas que frustram o consumidor nas suas justas expectativas (CDC, artigos 24 e 50).

Demonstra-se, portanto, que o trato da matéria deve ser feito de forma sistemática, prevalecendo e obedecendo-se as garantias e regras estabelecidas pelo regramento específico para os casos envolvendo as incorporações, dando-se efetividade à Lei, abstendo os aplicadores das normas de se utilizarem de argumentos que, muitas das vezes, são inclusive contrários à Lei.

Por fim, como já manifestado acima, o presente artigo apenas tem o objeto de traçar premissas básicas sobre o regramento positivado específico para o ramo da incorporação cível, levantando a problemática do seu desconhecimento e não aplicação, com a valorização da generalização quando dos casos concretos, sendo certo que se buscará em artigos posteriores aprofundar a análise de todos os institutos presentes na Lei de Incorporações, bem como legislações correlatas.

Rennalt Lessa de Freitas - Advocacia empresarial com foco em Incorporadoras e Construtoras.
Fonte: Revista Jus Navigandi

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