sábado, 8 de setembro de 2018

DIREITO DE LAJE: DIREITO REAL SOBRE COISA PRÓPRIA OU SOBRE COISA ALHEIA?

Resumo

O artigo procurará ilustrar a dúvida acerca da natureza do direito real de laje, assim como mostrará argumentos de ambos os lado da discussão. Serão tratados também, ainda que como suporte argumentativo, outros importantíssimos direitos reais, como o direito de propriedade e de superfície e sobre como eles se comunicam com o direito de laje.

Introdução

A primeira questão a ser apontada pode ser considerada como uma mera formalidade acerca da nomenclatura. O termo “direito de laje” é ,na verdade, um termo atécnico que não condiz realmente sobre o que significa. As discussões iniciais acerca do tema elaboraram o nome “direito real de sobrelevação”, uma vez que não se trata apenas da construção aérea imediata acima da construção-base, tratando também de sucessivas construções verticais e o subsolo. Contudo, o Parlamento acabou acatando o termo popular de “Laje”, devido ao impacto e recepção. A nomenclatura atécnica serviu para aproximar a linguagem jurídica do homem comum.

A Lei Nº 13.465, de 11 de Julho de 2017, apesar de possuir em seu texto normativo itens controversos, veio para tentar resolver um dos problemas sociais mais delicados, correlacionado com o crescimento desenfreado das cidades brasileiras; As moradias irregulares que surgiam e que flutuavam em um vácuo normativo. Não eram uma novidade, contudo. As edificações em laje, por assim dizer, não possuíam as mesmas garantias que propriedades regulares. Não podiam ser registradas no cartório e consequentemente não eram tratadas como propriedades para fins legais, sendo para o direito de sucessões ou mesmo para o direito tributário.

Para exemplificar; Um proprietário A é o detentor do solo e da construção-base, mas, para aumentar sua renda, ele cede a superfície (e é importante, frisar isto agora, para a discussão posterior) acima para que outra família construa sua casa e reside lá. A família B passa a possuir o direito sobre aquela superfície, podendo-a usar, gozar e dispor, além de livre trânsito da base até o segundo, terceiro ou qualquer que seja o andar a partir da construção-base.

Um breve adendo para deixar claro uma dúvida importante. O direito de laje, apesar do nome que, como foi dito, é atécnico, não representa apenas as construções aéreas, mas também as do subsolo. É muito comum o proprietário negociar a área abaixo de sua casa, principalmente em terrenos inclinados e portanto essa categoria não deve ser indevidamente esquecida.

As regras estão presentes no artigo 1.510-A, § 1º e § 3º, do Código Civil, incluídos pela Lei Nº 13.465:

Art. 1.510-A. O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.

§ 1º O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base.

§ 3º Os titulares da laje, unidade imobiliária autônoma constituída em matrícula própria, poderão dela usar, gozar e dispor.

O texto da lei deixa claro duas coisas. Primeiro, que o direito de laje possui a qualidade de direito real ao afirmar que o detentor de tal direito pode dela usar, gozar (ou fruir) e dispor. Segundo, que a laje constitui unidade imobiliária autônoma, ou seja, é necessária a criação de uma nova matrícula, junto com o registro de transferência do direito real de laje.

Direito real sobre coisa alheia.

Porém, antes de adentrar no tema da propriedade, faz-se justo discutir o conceito de direito de superfície.
Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

Como é deixado claro no Código Civil, o fator que diferencia o direito de superfície dos demais direitos reais é que ele é constituído tendo por objeto uma construção ou plantação, contudo é separado do direito de propriedade sobre o solo. Quando terminado o prazo da concessão, o superficiário não tem direito à uma fração ideal do solo.

Sendo assim, o direito de superfície é traduzido como um direito real sobre coisa alheia, pois enquanto o contrato perdurar o superficiário possui um direito oponível a todos, assim como autonomia sobre sua construção ou sua plantação, mas não possui domínio do solo.

Para ROBERTO PAULINO DE ALBUQUERQUE JUNIOR {1};
“O direito de laje não constitui um direito real novo, mas uma modalidade de direito de superfície que, desde 2001, já tem previsão expressa na legislação brasileira, a superfície por sobrelevação.”
“Da regulamentação da sobrelevação sob o nome de direito de laje, dois pontos parecem ser mais relevantes: (a) a abertura de matrícula registral autônoma, um ponto delicado do direito de superfície no Brasil (artigo 1510-A, parágrafo 5º); a permissão de constituição do direito de laje sem submissão ao regime do condomínio edilício (artigo 1510-A, parágrafo 6º).”.

O autor argumenta que o legislador procurou afastar o conceito de direito de superfície do direito de laje, concedendo maior autonomia ao último. A abertura de matrícula registral autônoma indica, de grosso modo, que não será firmado um prazo determinado de concessão, como ocorre no direito de superfície. O legislador teria tentado se ater ao problema social da falta de formalidade das moradias para as aproximar do conceito de propriedade.

Um dos principais argumentos sobre o direito de laje ser um direito real sobre coisa alheia está relacionado aos condomínios edilícios. Não é estranho afirmar que, com a própria natureza da laje e suas possíveis sucessões verticais, as normas referentes aos condomínios edilícios sejam aplicadas, uma vez que conflitos relacionados ao ambiente comum claramente veem à tona em algum momento. Não somente devido ao uso da área comum, mas também das próprias personalidades dos moradores que, como o Direito de Vizinhança faz questão de lembrar, podem causar brigas e desentendimentos.
Art. 1.510-C. Sem prejuízo, no que couber, das normas aplicáveis aos condomínios edilícios, para fins do direito real de laje, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam a todo o edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum serão partilhadas entre o proprietário da construção-base e o titular da laje, na proporção que venha a ser estipulada em contrato.

Contudo, de forma contraintuitiva, o tom legal dos condomínios edilícios não é totalmente aplicado ao direito de laje, em especial no que diz à propriedade. Artigo 1510-A, § 4o.

§ 4º A instituição do direito real de laje não implica a atribuição de fração ideal de terreno ao titular da laje ou a participação proporcional em áreas já edificadas.

Se por um lado, nos condomínios edilícios, o comprador adquire uma fração ideal do terreno ao comprar um apartamento, o mesmo não ocorre ao comprador da laje. A título exemplificativo, caso ocorra um terremoto e toda a construção venha abaixo, caso ela não seja reconstruída no prazo de cinco anos, o morador da laje perde o seu direito.

Art. 1.510-E. A ruína da construção-base implica extinção do direito real de laje, salvo:
I - se este tiver sido instituído sobre o subsolo;
II - se a construção-base não for reconstruída no prazo de cinco anos.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não afasta o direito a eventual reparação civil contra o culpado pela ruína.

Assim, não é possível afirmar que o direito de laje é uma espécie de condomínio edilício, somente são similares. As regras do segundo são aplicáveis ao primeiro devido à similitude dentro do direito urbanístico, mas definitivamente está presente um problema quanto à sua essência.

Se o morador da laje perde o seu direito real caso ocorra um acidente de força maior e nada seja feito dentro de um prazo determinado, não estaria o direito de laje mais próximo ao direito de superfície? A família que mora acima da construção base, teria um direito real sobre coisa própria, ao lado do direito de propriedade, ou apenas sobre coisa alheia, sendo o limite acima da casa de outrem?

A Lei 13.465 acabou por criar um novo tipo de direito real que, apesar de configurar como um direito real de propriedade, aproxima-se em vários sentidos com o direito de superfície, criando uma primeira impressão ambígua.

Direito real sobre coisa própria.

Por outro lado, a lei também oferece vários indícios sobre se tratar de um direito real sobre coisa própria. A constituição de uma unidade imobiliária autônoma é o maior deles. A necessidade de se registrar em matrícula a construção de laje é correspondente ao princípio registral da unitariedade, onde cada imóvel deve corresponder a uma moradia, levando a entender que a moradia acima da construção-base também é um imóvel autônomo!

Pelo fato de que é necessária a abertura de uma nova matrícula devido ao princípio registral, o direito de laje não poderia ser um direito real sobre coisa alheia, uma vez que nessas situações legais não é pré requisito a abertura de matrícula. Como foi discutido anteriormente, passado o prazo ou requisitos combinados, é extinto o direito de superfície, tomado este como exemplo.
Art. 1.375. Extinta a concessão, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário.

Quanto ao argumento de o direito real de laje ser extinto em caso de ruína como previsto no artigo 1510-E, CARLOS EDUARDO ELIAS DE OLIVEIRA [2] aponta:

“O fato de o Direito Real de Laje aéreo (e não o subterrâneo, por conta da sua independência física, reconhecida pelo art. 1.510-E, I, CC) ser extinto no caso de ruína da construção-base sem reedificação em 5 anos não corrompe a sua natureza de um verdadeiro direito real de propriedade, pois essa dependência arquitetônica não é decisiva para a conceituação jurídica, que é fruto de uma ficção legal.”

A mera semelhança com o direito de superfície e essa clara diferença com o instituto do condomínio edilício não seriam suficientes para classificar o direito de laje como direito real sobre coisa alheia. O próprio código leva a entender que o direito de laje caminha lado a lado com o direito real de propriedade, possuindo o morador os mesmos direitos de usar, fruir e dispor, além de poder registrar o imóvel como uma unidade imobiliária autônoma.

Conclusão

Enfim, direito de laje é direito real sobre coisa alheia ou é direito real sobre coisa própria?

O que se pode perceber ao analisar outras obras é que existem sim argumentos válidos para cada lado da discussão. Afinal, o legislador tentou adicionar o direito de laje como uma espécie de direito de propriedade, mas ao mesmo tempo o afastou do conceito de condomínio edilício que seria o mais próximo e o aproximou do direito de superfície, que seria um direito real sobre coisa alheia.

O fato de o lajeário não ter direito a uma fração ideal do solo em caso de ruína, dentro das possibilidades expressas na lei, parece enfraquecer muito a qualidade de direito real que o legislador quis conferir à laje.

Contudo não é possível ignorar o fato de que a qualificação de uma unidade imobiliária autônoma, com direito a registro de matrícula, avança na resolução do problema da informalidade de inúmeras moradias nas cidades brasileiras. É claro aqui a intenção do legislador de conceder a característica de propriedade à laje a fim de gerar garantias ao lajeário. Como foi possível reconhecer nas últimas sentenças da jurisprudência, o direito de laje está sendo reconhecido como sinônimo do direito de propriedade em vários casos como forma de aumento de garantias.

Não somente perante o que se mostra na realidade, a doutrina também parece se inclinar para o lado de direito real sobre coisa própria. Diante da interpretação do texto da lei, é forte o argumento de que foi criado um novo tipo de direito real, um alargamento do conceito de que tínhamos de direito de propriedade. Sendo assim, parece injusto uma interpretação que afirme que o direito de laje tenha menos garantias, sendo em questões possessórias ou mesmo em matéria de sucessão, em relação a qualquer outro imóvel formalizado pela lei.

Bibliografia





Vitor Domingues / Fonte: Artigos JusBrasil

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