Conquistar o sonho da casa própria pode até ter sido facilitado nos últimos anos graças às diversas formas de financiamento e programas sociais do governo – como é o caso do tão conhecido “Minha Casa, Minha Vida”–, mas a verdade é que, apesar dessas possibilidades, grande parte da população vê nos contratos de locação uma opção de moradia. Seja pela impossibilidade de compra de um imóvel por motivos financeiros, recessão do país que assusta compradores, necessidade de mudanças de cidade ou até mesmo a falta desse desejo comum, o aluguel de moradias residenciais ainda ocupa uma grande fatia desse mercado imobiliário.
Mas assim como a compra de imóvel tem seus prós e contras, a locação em si é muitas vezes um transtorno. Basta observarmos o número crescente de conflitos entre locador e locatário. Dessa forma, é fundamental que o tema seja estudado a fim de esclarecer as principais dúvidas do consumidor a respeito do contrato imobiliário residencial. Para iniciarmos, vamos esclarecer algumas dúvidas recorrentes relacionadas ao tema:
O contrato de locação residencial e a relação entre locador e locatário é amparado pelo Código de Defesa do Consumidor?
A resposta é NÃO! O STJ (Superior Tribunal de Justiça) possui entendimento harmonizado de que o contrato imobiliário residencial e a relação entre locador e locatário não devem ser amparados pela Lei nº 8.078 de 1990 – Lei do Consumidor.
Para as relações relativas ao universo imobiliário, nós temos a Lei nº 8.245 de 1991, que rege sobre a locação de imóveis urbanos.
Isso ocorre porque, quando há uma lei específica para determinado assunto, essa lei prevalece sobre a lei geral. Desse modo, o Código de Defesa do Consumidor não pode ser aplicado nas questões resultante entre locador e locatário.
Valor do aluguel do imóvel residencial: Existe um preço “justo”, um limite?
O aluguel de um imóvel residencial possui diversos fatores que influenciam no preço final da locação. Exemplo: estado de conservação do imóvel, tamanho, proximidade com escolas e hospitais, pavimentação etc. Portanto, não há como estipular um valor fixado para determinado bairro ou região. De acordo com o artigo 17 da Lei nº 8.245 de 1991, que regulamenta a locação de imóveis urbanos, o proprietário ou a imobiliária são livres para estipular o valor que atenda às próprias necessidades.
O que é uma benfeitoria e qual o seu impacto no contrato de locação de imóvel residencial?
De modo geral, podemos definir a benfeitoria como uma reforma ou edificação realizada pelo locatário no imóvel. Podem ser classificadas como benfeitorias úteis, benfeitorias voluptuárias e benfeitorias necessárias.
As benfeitorias úteis são aquelas que, apesar de não serem fundamentais para manter a estrutura e conservação do imóvel, podem trazer benefícios e potencializar o uso do mesmo.
Exemplo: Se uma pessoa aluga um imóvel que não tem garagem coberta, o locatário pode fazer uma cobertura para que o seu automóvel fique protegido da chuva e do sol.
Apesar de não ser uma obra imprescindível para o imóvel como um todo, não há dúvidas de que a garagem coberta irá agregar valor à residência, será de grande utilidade para o atual locatário e também para os próximos que virão. É evidente, portanto, que o locador será beneficiado. A benfeitoria útil será ressarcida, desde que tenha sido previamente autorizado pelo locador.
Já as benfeitorias voluptuárias são aquelas realizadas para satisfazer a vontade do locatário. Podem até ser de valor considerável, mas não estão relacionadas com a conservação ou utilidade da residência. É algo descartável, sendo considerado muitas vezes como desnecessário. Vale informar, ainda, que a autorização do locador é imprescindível.
Exemplo: A substituição de uma parede de tijolos comum por uma parede de blocos vidro. A parede de blocos de vidro não é item essencial para um imóvel. A grande maioria dos imóveis brasileiros, inclusive, não possui essa característica. Logo, é uma modificação no imóvel que provavelmente será considerada supérflua, dispensável.
Por fim, as benfeitorias necessárias são aquelas inevitáveis para a estrutura e o bom funcionamento do imóvel. Caso não sejam imediatamente realizadas, podem comprometer gravemente o seu uso.
Exemplo: Parede prestes a desmoronar, problema hidráulico e/ou elétrico, telhas quebradas, etc. Observe que são problemas que demandam uma providência rápida, não podem esperar.
Todas as benfeitorias (úteis, voluptuárias e necessárias) implicam no investimento de dinheiro. Porém, tendo em vista que as voluptuárias foram praticadas apenas para atender as vontades do locatário, essas não serão ressarcidas. Caso este deseje, essas benfeitorias poderão ser retiradas, mas apenas se não afetarem a estrutura do imóvel.
Portanto, os gastos suportados em razão das benfeitorias necessárias e úteis (previamente autorizadas) serão devidamente recompensados, desde que devidamente comprovados por notas fiscais ou outro documento que legitime o reembolso de quem teve que arcar com as despesas. É o que dispõe os artigos 35 e 36 da Lei nº 8.245 de 1.991, que regula a locação de imóveis urbanos:
Art. 35. Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção.
Art. 36. As benfeitorias voluptuárias não serão indenizáveis, podendo ser levantadas pelo locatário, finda a locação, desde que sua retirada não afete a estrutura e a substância do imóvel.
Multa no contrato de locação de imóvel residencial: existe um limite?
Assunto objeto de muitos questionamentos, principalmente para os locatários, é comum que o valor do aluguel, por si só, consuma uma parte considerável da renda familiar. Como se isso não bastasse, muitas vezes os locatários são submetidos à multa contratual que sobrecarregam muito a vida financeira da família. Às vezes, um atraso de um ou dois dias pode acarretar uma multa de 20% do valor do aluguel. Sendo assim, cabe o questionamento: existe algum limite para multa contratual por atraso em contrato de locação residencial? Não, não existe um valor limite.
Na realidade, vemos que o valor da multa contratual varia entre 10% e 20% do valor do aluguel. Exemplificando: José paga mensalmente o valor de R$ 950,00 a título de aluguel. A dívida vence todo dia 15. Porém, no último mês, por razões alheias a sua vontade, José efetuou o pagamento apenas no dia 16. Nesse caso, além do valor da locação (R$ 950,00), José terá que arcar com a multa contratual de 20% do valor do aluguel – ou seja, mais R$ 190,00.
Conforme informado nas linhas anteriores, é comum que a multa contratual dos contratos de locações varie entre 10% e 20%. Tudo depende do locador.
Temos abaixo dois entendimentos recentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acerca do assunto. O primeiro entende que a multa contratual estipulada em 10% é suficiente. Já o segundo, por sua vez, informa que a multa contratual de 20% sobre o valor da dívida é legal e não possui traços de abusividade.
1º - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação nº 0034582-43.2011.8.26.0001. Relatora: Desembargadora Cristina Zucchi
EMENTA:
LOCAÇÃO DE IMÓVEIS. DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL REJEITADA. CONFISSÃO DO DÉBITO. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA A PARTIR DE CADA VENCIMENTO. DÍVIDA “EX RE”. MULTA MORATÓRIA PACTUADA EM 20%. ABUSIVIDADE RECONHECIDA. REDUÇÃO DETERMINADA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
Apelação parcialmente provida.
2º - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação nº 1000411-74.2015.8.26.0010. Relator: Milton Carvelho
LOCAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA DE ALUGUÉIS.
Cerceamento de defesa. Inocorrência. Desnecessidade de dilação probatória. Benefício da assistência judiciária concedida ao réu. Revogação possível somente mediante prova da alteração das condições econômicas do beneficiário. Condenação ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como honorários sucumbenciais. Possibilidade. Suspensa a exigibilidade em virtude do benefício. Honorários mantidos em 20% do valor da condenação. Litigância de má-fé. Descabimento. Ausência de dolo. Recurso desprovido.
“No tocante à cobrança da multa moratória de 20% por inadimplemento do aluguel e de 10% por inadimplemento das despesas mensais de rateio (cláusulas 3.2 e 3.5, de fls. 10), não se vislumbra qualquer ilicitude que justifique o desacolhimento do pedido inicial.
Pelo contrário, a condenação da ré ao pagamento da obrigação assumida prestigia a boa-fé nas relações entre particulares, não podendo se falar em abusividade do valor com o qual a recorrente inicialmente concordou e do qual agora pretende injustamente se eximir.”
Como se vê, o entendimento sobre o assunto pode variar muito. A decisão final do juiz será fundamentada de acordo com cada situação.
É importante repetir que a porcentagem da multa contratual não guarda qualquer relação com o Código de Defesa do Consumidor, visto que o Superior Tribunal de Justiça entende que essa relação não é uma relação de consumo. Logo, aplicam-se apenas os termos da Lei nº 8.245 de 1991 (descrita acima).
Informações Importantes: O Fiador no Contrato de Locação
A grande maioria dos locadores exige a apresentação de um fiador no ato da assinatura do contrato de locação de um imóvel.
A figura do fiador é importante para garantir ao locador a segurança necessária caso o locatário não cumpra com as cláusulas de pagamento estabelecidas no contrato. O fiador dará como garantia um imóvel de sua para viabilizar o contrato de locação residencial. Se por ventura o locatário não cumprir o contato de locação, o patrimônio do fiador responderá pela dívida.
Dentre vários possíveis problemas que um fiador pode enfrentar, o maior deles é o risco de perder o seu patrimônio em razão das dívidas contraídas pelo locatário. Isso ocorre porque até mesmo o único bem do fiador, o bem de família, pode ser usado como garantia.
Há casos em que o bem de família é impenhorável e não pode ser penhorado. Entretanto, o artigo 3º da Lei nº 8.009 de 1990 (Lei que regulamenta o assunto) dispõe que há situações em que o bem de família é passível de penhora. Veja:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Vale lembrar que, caso o fiador tenha que arcar com as dívidas do locatário, é possível que esse prejuízo seja ressarcido perante o Poder Judiciário. É o que ensina o Código Civil:
Art. 831. O fiador que pagar integralmente a dívida fica sub-rogado nos direitos do credor; mas só poderá demandar a cada um dos outros fiadores pela respectiva quota.
Art. 832. O devedor responde também perante o fiador por todas as perdas e danos que este pagar, e pelos que sofrer em razão da fiança.
Art. 833. O fiador tem direito aos juros do desembolso pela taxa estipulada na obrigação principal, e, não havendo taxa convencionada, aos juros legais da mora.
Portanto, a perda do imóvel é perfeitamente possível, ainda que seja bem de família.
Após esclarecido esse conjunto dúvidas recorrentes, é importante ressaltar a necessidade de conhecimento das responsabilidades dentro de um contrato de locação tanto por seu locador, como também pelo seu locatário e fiador. Diante de tantos fatores que podem influenciar a vida desses envolvidos, a leitura atenta do contrato de locação é fundamental. Por isso, leia com atenção e, caso julgue necessário, consulte um advogado de sua confiança.
Daiane Firmino Alves - Advogada, pós-graduanda em Processo Civil.
Fonte: Artigos JusBrasil
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