sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

RESPONSABILIDADE DA DÍVIDA DECORRENTE DE ENERGIA ELÉTRICA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO


Uma das tantas discussões travadas no judiciário em relação ao contrato de locação, sobretudo após o término do prazo do contrato, quando da retomada do imóvel pelo proprietário, diz respeito à responsabilidade da dívida decorrente de energia elétrica.

A dívida decorrente dos serviços de energia elétrica configura-se como obrigação ‘propter personam’, de caráter pessoal, e não propter rem, ou seja, não acompanha o imóvel, sendo de responsabilidade do real consumidor do serviço prestado, em nome do qual está – ou ao menos deveria estar – cadastrado o fornecimento do serviço, não apenas derivado de contrato de locação, mas também de venda da propriedade.

Com efeito, o débito deve ser cobrado da pessoa titular da conta à época da ocorrência da irregularidade, tendo em vista ser obrigação de pagamento de débito não aderente à coisa (propter rem), mas decorrente da responsabilidade de quem efetivamente utilizou os serviços (propter personam).

Tal entendimento é pacífico nos Tribunais:

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. ENERGIA ELÉTRICA. OBRIGAÇÃO PROPTER PERSONAM. DÍVIDA DE TERCEIRO EM PERÍODO ANTERIOR À AQUISIÇÃO DO IMÓVEL. CDC. APLICABILIDADE. FORNECIMENTO DE ENERGIA. POSSIBILIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO. (…) II. A obrigação decorrente dos serviços de energia é propter personam, e não propter rem. Com efeito, procede o pleito da parte autora em ver restabelecido o fornecimento de energia elétrica, uma vez que não pode a fornecedora condicionar o pagamento de dívida de terceiro, para ligar o serviço, conforme dispõe o art. §2º, do art. 4º da Resolução nº 456/00 da ANEEL. (…) (Apelação Cível Nº 70059275883, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em 06/08/2014)

Assim, tratando-se de obrigação de caráter pessoal (propter personam), o fornecimento de luz – a exemplo, diga-se de passagem, do fornecimento de água – não acompanha o imóvel, razão porque, o débito em nome do antigo inquilino ou proprietário não tem o condão de responsabilizar o novo usuário.

Por outro lado, a par da responsabilidade pelos pagamentos das contas e/ou débitos do fornecimento da energia elétrica do Imóvel locado enquanto vigente o contrato de locação, obrigação esta que pode ser contraída de forma expressa no contrato, não obstante a disposição do art. 23, VIII, da Lei 8.245/91, mas também pelo fato de usufruir dos serviços de fornecimento de energia elétrica naquele período, outra questão discutida no judiciário é a responsabilidade pela transferência de titularidade destes serviços perante a concessionária responsável.

E, por ser propter personam e não propter rem a obrigação de pagar a conta ou a pendência de débito de fornecimento de energia elétrica constatada na unidade autônoma, ou seja, por surgir da responsabilidade de quem de fato utilizou ou utiliza os aludidos serviços, a obrigação da transferência de titularidade do aludido fornecimento junto à concessionária também é do locatário e não do locador, tampouco da fornecedora de energia elétrica.

Soma-se ao fato da possibilidade de ficar expresso no contrato que a obrigação pelo pagamento é do locatário, parece claro que é deste a responsabilidade da transferência de titularidade dos serviços de fornecimento de energia elétrica.

Ademais, não é apenas pelo fato da obrigação em relação ao pagamento de conta ou pendência de débito de fornecimento de energia elétrica ser “propter personam”, que se conclui que é de responsabilidade da parte locatária a transferência da titularidade dos serviços nos cadastros da concessionária. A própria jurisprudência já se manifestou neste sentido:

“ENERGIA ELÉTRICA. AUSÊNCIA DE TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE. PARTE AUTORA QUE SOFREU SUSPENSÃO NO FORNCIMENTO DE ENERGIA POR CONTA DE DÉBITO DO ANTIGO POSSUIDOR DO IMÓVEL. INCABÍVEL A CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS À AUTORA. 1. Se houve a suspensão do fornecimento de energia elétrica na residência da autora em decorrência do débito não adimplido pelo antigo possuidor, tal fato se deu porque não houve a devida alteração da titularidade do imóvel junto aos cadastros da requerida, o que deveria ocorrer por iniciativa da autora. Estando a requerente a utilizar a energia elétrica em nome de terceiro, é ela a responsável pelo pagamento, pois beneficiária do serviço de fornecimento de energia elétrica. Entendo que se houve prejuízo à autora não é o antigo locatário o responsável ou mesmo a ré RGE, senão a própria autora que não enviou a documentação exigida pela concessionária de energia para a troca da titularidade (contrato de locação do imóvel com firma reconhecida). Dano patrimonial ou extrapatrimonial inexistente. 2. Quanto ao débito em atraso, a autora responde somente por aquele constituído durante o período de sua locação, ou seja, a partir de maio de 2008. RECURSO PROVIDO EM PARTE.” (Recurso Cível Nº 71003885142, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Lucas Maltez Kachny, Julgado em 30/04/2013).

No caso do r. julgado, a “autora/recorrente” era a parte “locatária”, motivo pelo qual não teve seu pleito indenizatório (moral e material) deferido porque não foi diligente em transferir a titularidade dos serviços de fornecimento de energia elétrica para o seu nome, responsabilidade essa que era sua por ter ocupado um imóvel, por força de um contrato de locação, que já tinha fornecimento de energia elétrica, motivo pelo qual novo contrato de fornecimento entre o novo morador (inquilino) e a concessionária de energia deveria ter sido celebrado.

Outros tantos julgados atestam tal entendimento, em especial os acórdãos da Apelação Cível n.º 0002720-03.2012.8.26.0233, julgada em 13.03.2014 pela 32ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, e da Apelação Cível 0397952-57.2010.8.26.0000, julgada em 016.08.2012 pela 37ª Câmara de Direito Privado, igualmente do Tribunal de Justiça de São Paulo, bem como o Recurso Cível n.º 71001226083, da Terceira Turma Recursal Cível do Estado do Rio Grande do Sul, julgado em 22.05.2007. No r. Recurso Cível, o nobre Relator embasou seu entendimento na experiência comum vertida exatamente no sentido de que cumpre ao próprio inquilino tomar as providências necessárias para a transferência da conta de energia elétrica para o seu nome, ou seja, cabe ao locatário, quando da ocupação do imóvel, providenciar a alteração da titularidade da aludida conta, bastando para tanto contatar a concessionária e demonstrar a licitude da posse exercida sobre o imóvel locado mediante a apresentação do contrato de locação.

Por fim, importa destacar que a posição do Superior Tribunal de Justiça reflete o entendimento dos Tribunais inferiores:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA EM NOME DO PROPRIETÁRIO. ILEGITIMIDADE ATIVA DO LOCATÁRIO QUE NÃO SOLICITOU A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO EM SEU NOME. 1. A responsabilidade do locatário ao pagamento da "conta de luz" (art. 23, VIII, da Lei 8.245/91) não o legitima a discutir perante a concessionária a fruição de contrato de fornecimento de energia aderido em nome do proprietário, porquanto tal preceito não vincula terceiros alheios à avença. Inteligência dos arts. 14, inciso I, da Lei 9.427/96, combinado com os arts. 2º, III, e 113, II, da Resolução 456/2000 da Aneel, bem como do art. 6º do CPC. 2. No caso concreto, a recorrente deixou, oportunamente, de cientificar a concessionária de energia elétrica do contrato de locação, bem como de solicitar o fornecimento do serviço em seu nome, motivo pelo qual não tem ela legitimidade ativa para discutir a fruição de contrato de fornecimento do qual não é titular de direito. 3. Recurso especial não provido. (REsp 1.074.412-RS, 1ª Turma, Relator Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 04.05.10)

Desta forma, parece claro que o locatário, especialmente na ausência de disposição diversa no contrato de locação, é responsável tanto pelo pagamento da dívida de energia elétrica quanto pela troca de titularidade do serviço nos cadastros da concessionária correspondente.

Fonte: Barufaldi Advogados

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