quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

COMO FUNCIONA O REAJUSTE DE ALUGUEL


No Brasil há centenas de tipos de contrato que na maioria são regulados pelo Código Civil. Raros são os contratos que têm uma legislação específica, pois somente quando a transação é muito complexa é que o legislador cria normas especiais. Este é o caso da locação de imóveis urbanos regulada pela Lei do Inquilinato, nº 8.245, de 18/10/91.

De forma ilógica vemos todos os meses a mídia afirmar que o “IGP-M é a inflação do aluguel”, ignorando que este índice é composto por dezenas de itens, como alimentos, vestuário, salários, combustível, energia elétrica, transporte e outros que têm peso bem superior à variação do aluguel, o qual está incluso no subitem habitação, que é mais amplo.

Para entender melhor, o IGP-M da Fundação Getúlio Vargas (FGV) é formado pela ponderação de três índices: o IPA-M (Índice de Preços por Atacado – Mercado ) com o peso de 60%; o IPC-M (Índice de Preços ao Consumidor – Mercado) com o peso de 30%, sendo que neste, o setor Habitação tem o peso de 25,17% e dentro deste percentual, o aluguel representa apenas 4,25% e o INCC-M (Índice Nacional do Custo da Construção), que representa 10% do total do IGP-M. No final, o resultado é que o aluguel representa apenas 1,27% da composição do IGP-M, o que resulta ser ilógico dizer que ele seja o índice do aluguel, pois 98,73% de sua composição refere-se a outros produtos e serviços. 

O fato do IGP-M ser utilizado como indexador em milhares de contratos de aluguel não justifica o título de “índice do aluguel”, pois vários outros índices são também utilizados, especialmente no boom imobiliário, ocasião em que os imóveis subiram entre 14% a 25% ao ano, no período de 2007 a 2013. Dessa forma, milhões de contratos não utilizaram o IGP-M, pois a sua variação muito baixa nos anos de 2011 e 2014 agravaria o prejuízo do credor, no caso, o locador. Assim, foram utilizados outros índices que medem a inflação de forma a amenizar essa defasagem. A opção por outros índices foi uma prática plenamente legal e justa, já que nem se fosse aplicado o maior índice de inflação, este não atualizaria o valor do aluguel conforme seu preço real de mercado, pois este subiu mais que o dobro dos referidos índices. Por isso, observamos decréscimos nas ações de despejo por “denúncia vazia” e de revisionais de aluguel entre locadores e inquilinos nos últimos anos.

Escolha do índice pode gerar lucro ou prejuízo 

São comuns dúvidas sobre a forma de reajustar o aluguel, a ponto de ocorrerem litígios, já que os índices variam expressivamente. Se o prazo do contrato é longo e o valor muito elevado, pode ocorrer variação de preço do negócio bem significativa. Em apenas um ano pode-se pagar 3,15% a mais, já que o IGP-M/FGV acumulou 3,98% contra 7,13% do INPC/IBGE nos últimos doze meses (fev/14 a jan/15).

Após a implantação do Plano Real, em 1994, através de Medidas Provisórias que foram sendo reeditadas até se transformarem na Lei nº 9.069/95, toda a economia passou a vigorar com base nas suas determinações, incidindo a regra do reajuste anual dos contratos. Entretanto, o artigo 17 da Lei do Inquilinato veda a sua estipulação em moeda estrangeira e a sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo. 

De onde tiraram a idéia de que o IGP-M é o índice do aluguel?

Em 1994, o Governo criou regras provisórias para combater a indexação desenfreada. Basta vermos que a URV tinha variação diária, atrelada ao dólar, a qual vigorou por alguns meses até entrar em vigor a moeda Real. Neste ponto, o Governo, no art. 83 da Lei nº 9.069/95, revogou o art. 16 da Lei do Inquilinato e criou um índice provisório, atribuído aos contratos em geral a partir de 1º/07/1994, denominado IPC-r, conforme art. 27 “A correção, em virtude de disposição legal ou estipulação de negócio jurídico, da expressão monetária de obrigação pecuniária contraída a partir de 1º de julho de 1994, inclusive, somente poderá dar-se pela variação acumulada do Índice de Preços ao Consumidor, Série r – IPC-r.”

Durante o período de um ano o IPC-r vigorou, pois os contratos em geral eram indexados a ele, mas, com a publicação da Lei nº 10.192, de 14/02/2001 (Ex MP nº 1.053, de 30/06/95), ficou estipulado no art. 8º que a partir de 1º/07/1995, o IBGE deixaria de calcular e divulgar o IPC-r, devendo ser substituído pelo índice previsto contratualmente, dentre os diversos de abrangência nacional.

Tendo em vista que a Lei nº 9.069/95, que instituiu o Plano Real, prevê no art. 28 que “Nos contratos celebrados ou convertidos em REAL com cláusula de correção monetária por índices de preço ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados, a periodicidade de aplicação dessas cláusulas será anual”, fica evidente que antes e depois do Plano Real sempre existiram diversos índices de preços, dentre os mais conhecidos: INPC, IPCA, IPC, IPCA-E, IPA-EP-DI, IGP e IGP-M, os quais são apurados pelo IBGE ou pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e têm abrangência nacional. Há ainda os índices regionais, como IPC da FIPE, o IPCA/BH do IPEAD/UFMG, dentre outros, sendo todos legais e perfeitamente utilizáveis em qualquer contrato. Somente no período inicial do Plano Real, mais precisamente, até 30/06/95, houve a imposição do IPC-r, o qual não existe mais.

É livre inserir um ou mais índices no contrato

As leis são claras ao permitirem a liberdade dos contratantes elegerem um ou mais índices para reajustar o contrato, não tendo fundamento alegar que o IGP-M é o índice do aluguel, pois decorre da variação de diversos produtos e serviços distintos que representam 98,73% de sua composição, enquanto os valores dos aluguéis o afeta em apenas 1,27%.

Na realidade não existe índice nacional que apure a variação do aluguel no Brasil, mas é incontestável que o preço dos imóveis disparou no período de 2007 a 2013. Basta vermos que o IPEAD da UFMG apurou, em Belo Horizonte/MG, que os aluguéis residenciais subiram 10,47%, os comerciais 13,47%, contra a inflação de 6,08% do INPC e 5,09% do IGP-M no ano de 2011, ou seja, mesmo que fosse aplicado o maior índice que mede a inflação, o resultado seria a correção em torno da metade do que realmente subiram os preços de mercado dos aluguéis.

A lei permite que as partes elejam no contrato dois ou três índices de variação da inflação, podendo ser aplicado o maior ou até mesmo a média deles, conforme estabeleceu o Plano Real. Mas, mesmo assim, vemos que durante o boom imobiliário nenhum índice de inflação chegou perto da realidade da alta dos preços dos aluguéis, que caso tivessem um índice próprio seria muito superior ao IGP-M. Diante da sistemática da composição dos índices nacionais, consiste numa ilógica dizer que qualquer deles seja o “índice do aluguel”.

Somente se existisse um índice nacional que tivesse o foco na locação, como existe o INCC e o CUB que se baseiam nos insumos e no custo da mão de obra da construção civil, seria possível dizer que o mesmo representaria a variação dos preços dos aluguéis, mas por enquanto isso não foi criado. Em 2008, com os preços dos imóveis subindo 3 vezes a evolução da inflação, o Governo, através do Banco Central, cogitou criar um índice que refletisse a variação dos preços dos imóveis, mas isso não evoluiu.

Dessa forma, ao analisarmos que os índices variam e que não há uma relação expressiva deles com a variação específica dos preços dos aluguéis, cabe aos contratantes eleger um ou mais índices e definirem no contrato como será realizado o reajuste, pois a lei autoriza ampla possibilidade de escolha. É consagrada na locação a liberdade de contratar o reajuste, podendo ser aplicado a maior variação do índice legal. A única restrição é que o reajuste de aluguel não seja por prazo inferior a 12 meses, podendo o contrato estipular que será menor esse período, desde que a lei no futuro venha a permitir.

Kênio de Souza Pereira - Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG.
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG.
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis.
Fonte: E-morar

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