A locação de imóveis é uma relação comercial onde o locador (dono do imóvel) concede o direito de uso do imóvel por período de tempo determinado em contrato ao locatário (pessoa que aluga o imóvel, inquilino).
Apesar de parecer uma relação comercial sem complexidade, pelo menos à primeira vista, já que quando findo o contrato de aluguel o imóvel deverá ser desocupado, a locação de imóveis costuma gerar muitos conflitos entre locador e locatário, principalmente quando uma das partes acredita estar sendo prejudicada por exigências feitas pela outra.
O presente artigo tem como objetivo trazer para discussão e reflexão uma prática muito comum no mercado imobiliário, que é a inserção de uma cláusula em contrato locatício que prevê, além da multa moratória pela inadimplência, multa moratória de até quatro aluguéis para os casos de rescisão de contrato antecipada, por culpa do locatário ou até do próprio locador.
É certo que a cláusula prevê a mesma multa para ambos os contratantes, porém, esta suposta isonomia na aplicação da sanção é mera ilusão, pois, certamente que, o locador está convicto de que nunca provocará a rescisão antecipada, e manterá o contrato até o final da vigência do mesmo.
A cláusula que parece uma aposta de que quem desistir primeiro deve pagar ao outro, é muito semelhante à aposta feita pelas "Casas Bahia" em sua promoção durante a Copa. Para quem não entendeu a promoção, era o seguinte:
“A Promoção Emoção em Dobro Casas Bahia acredita que a Seleção Brasileira vai ser Campeã do Mundo e por isso vai dar pra você que comprar uma TV de 60 polegadas a oportunidade de pagar apenas R$ 1,00 por 1 TV de 51 polegadas, se isso realmente acontecer.”
Não precisa dizer que os que acreditavam que a taça ia ficar aqui compraram a TV de 60 polegadas achando que iam comprar uma de 51 polegadas por apenas R$ 1,00. E também não precisa dizer que as Casas Bahia tinha consciência da fragilidade de nossa equipe canarinho em garantir o hexa, por isso incluíram na explicação da campanha a frase: "se isso realmente acontecer".
Pois bem, em se tratando de locação de imóveis é muito comum encontrarmos abusos quando o locatário, por força contratual, deve efetuar depósito de três aluguéis e até quatro aluguéis como forma de caução para garantir cumprimento de pagamento da obrigação principal e das obrigações acessórias (IPTU, condomínio, etc.).
Entretanto, passados alguns meses da locação, quando o locatário encontra-se em situação financeira difícil e, por conseguinte, venha tornar-se inadimplente com as obrigações contratuais retro citadas, ele se vê sendo notificado pelo locador sobre a rescisão contratual, pedido de devolução do imóvel por inadimplência e ainda a informação de que os três meses do aluguel, destinados à garantia de pagamento serão devidamente absorvidos pela multa moratória, pela rescisão contratual antecipada, conforme cláusula estipulada no instrumento locatício.
Este entendimento ainda não é baseado em julgamento de nenhuma discussão judicial, não que eu saiba, mas, está claro que o locador está excedendo em seu direito de cobrar os valores, e ainda colocando o locatário e o relacionamento contratual entre as partes, em situação mais vulnerável ainda, pois, considerando que o locatário já está com problemas de pagar os aluguéis e obrigações acessórias, a sua dívida aumentará a ponto de se tornar impagável, principalmente pelo fato do locador suprimir o depósito de caução para pagamento da multa moratória pelo distrato além, claro, de cobrar os valores em aberto acrescidos de juros, multa (em contratos de locação a multa moratória pode chegar a 20% e não há proibição para fixação deste percentual, quando deveria ser de apenas 2%), correção monetária e os honorários advocatícios, juntamente com ação de despejo, deixando o locatário em situação extremamente delicada, e agravando o conflito.
É certo que o direito de reaver o imóvel em função de descumprimento contratual é lícito e justo, e a ação de despejo é a única forma que o locador possui para exercer seu direito à propriedade, conforme legislação. A questão, entretanto, não é esta, mas, tão somente a cláusula de multa moratória pela rescisão contratual.
Considerando que geralmente, ou, poderemos considerar, que todos os locadores tratam do contrato de aluguel como sendo algo inalterável, e que deve ser aceito pelo locatário a todo custo e com cláusulas absurdas e ainda partindo do pressuposto de que para o locador se o propenso locatário não quiser aceitar as condições por ele impostas contratualmente tem outro na fila, poderemos perceber a desproporcionalidade e até a desvantagem do locatário que não vê outra opção, se ele quiser garantir o “teto” da sua família, que é aceitar todas as cláusulas apresentadas.
No meu entendimento do princípio da razoabilidade o locador poderia abater os débitos que não foram pagos do depósito de caução destinado para garantia da adimplência destes valores, e ajuizar a devida cobrança dos haveres restantes que não puderam ser cobertos pela mesma. O locador poderia ainda condicionar a permanência do inquilino no imóvel mediante o pagamento dos haveres remanescentes, devidamente acrescidos de juros, multa e correção monetária e, cumulativamente, a substituição da garantia que poderia passar a ser através de fiança de terceiros, seguro fiança ou título de capitalização ou, então, prosseguir com a ação de despejo e cobrança daqueles valores remanescentes.
A situação aqui apresentada é baseada em inúmeras ações de despejo com cobrança de aluguéis e obrigações contratuais acessórias, em que fica claro que o depósito caução foi absorvido pela cláusula moratória supra referenciada, apresentando ao juízo um valor acima do arrazoado, cabendo, claro, discussão por parte do locatário que poderá apresentar suas contrarrazões e indicar o valor que entende ser justo, deixando a decisão final para o magistrado.
Em meu entendimento, o magistrado que for julgar uma ação de despejo com cobrança de aluguéis e obrigações acessórias deve atentar para esta situação específica, e requerer do autor a justa compensação dos valores cobrados utilizando-se o depósito caucionado que, contratualmente, é destinado à garantia de pagamento de obrigações contratuais e não da multa moratória por rescisão e, ainda, considerar de plena nulidade esta cláusula, por ser economicamente abusiva, ou consignar que não houve inadimplemento ou culpa de qualquer das partes, já que o distrato se deu em decorrência de incapacidade econômica para suportar o pagamento dos aluguéis e não por má fé.
Embora o contrato de locação seja regido por legislação específica, assim como ocorre entendimento de que locação de bens móveis representa uma relação de consumo de prestação de serviços, a locação de imóvel não deixa de ter uma característica de prestação de serviços onde um locador oferece um produto para ser alugado, com condições estipuladas em ato jurídico próprio e, portanto, podendo ser julgado à luz do Código do Consumidor, além da Lei do Inquilinato (lei 8.245/91), com o objetivo de garantir o respeito e proteção às garantias não só do locador mas também do inquilino com relação, por exemplo, às cláusulas abusivas ou vícios aparentes ou ocultos no imóvel alugado.
Assim, é meu entendimento que a cláusula que prevê a multa moratória deve ser considerada, à luz do Código de Defesa do Consumidor, uma vantagem exagerada ao locador, fundamentando-me no seu artigo 51 conforme abaixo, pois, é fundamentado naquela cláusula contratual que o locador resolve, unilateralmente, reter o valor integral ou substancial do depósito caucionado posto em garantia.
CDC - Lei nº 8.078 de 11 de Setembro de 1990
Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
Art. 51.São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
II- subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;
Com relação ao que está disposto na Lei nº 8.245/91, também chamada de lei do inquilinato, lemos, em seu artigo 45:
“São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto.”
Isso quer dizer que, mesmo o locatário assinando o contrato com uma cláusula abusiva, que viole o que está determinado na lei 8.245/91 e no Código de Defesa do Consumidor, ele não poderá ser obrigado, nem judicialmente, a acatar o que está disposto em tal cláusula. Ou seja, a cláusula automaticamente deverá ser anulada.
É justo e razoável admitir-se a retenção, pelo locador, de parte ou integralmente, os aluguéis pagos antecipadamente em forma de depósito de caução, como meio de indenizá-lo pelas obrigações financeiras não cumpridas pelo inquilino, porém fere o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade quando o locador apodera-se desta garantia para cobrar a multa moratória pela rescisão contratual.
Michael Pereira de Lira - Economista
Formado em Economia e Direito pela UNAMA , em Belém-PA; especialização e Finanças e Banking do Programa Treinee do Banco Banorte em 1990, em Recife-PE, com dissertação na área do Direito Econômico e do Consumidor ante Plano Econômico do Governo; Pós-Graduado em Gestão Financeira, Auditoria e Controladoria pela FGV, em 2010, com mais de 20 anos de experiência em gestão e em consultoria empresarial de grandes empresas; atualmente Economista em estatal Federal.
Fonte: Artigos JusBrasil
Formado em Economia e Direito pela UNAMA , em Belém-PA; especialização e Finanças e Banking do Programa Treinee do Banco Banorte em 1990, em Recife-PE, com dissertação na área do Direito Econômico e do Consumidor ante Plano Econômico do Governo; Pós-Graduado em Gestão Financeira, Auditoria e Controladoria pela FGV, em 2010, com mais de 20 anos de experiência em gestão e em consultoria empresarial de grandes empresas; atualmente Economista em estatal Federal.
Fonte: Artigos JusBrasil