A locação ainda é a maior forma de adquirir um local para morar, e é cercada de procedimentos burocráticos que acabam dificultando não apenas a vida de quem precisa alugar uma casa para morar, mais também a vida de quem tem uma casa e precisa aluga-la, hoje vamos tratar sobre os deveres daquele que coloca seu imóvel a disposição de uso por outra pessoa, por meio da locação, este procedimento regido pela Lei 8.245/1991, conhecida como lei de locação.
Não se trata de uma lei que tem o intuito de proteger o locatário, ou seja, aquele que aluga o imóvel para morar durante determinado período, ou por tempo indeterminado conforme disposições contratuais, mas se trata de um instituto normativo com inovações que tendem mais a proteger o locador, aquele que tem um imóvel e o coloca a disposição de moradia de outra pessoa, que tem como contraprestação o pagamento de aluguéis, nesse sentido destaca Tartuce (2015), a nova lei de Locação não é uma lei protetiva do locatário, uma vez que protege mais o locador. No entanto, não podemos deixar de mencionar que o locador também tem deveres a serem cumpridos durante a locação e esses deveres são essências para o bom relacionamento entre ambos e a eficácia do contrato, pois o não cumprimento desses deveres pode gerar a rescisão contratual por parte do locatário.
O artigo 22 da referida lei destaca os deveres do locador, e os analisaremos brevemente, apenas para título de conhecimento geral:
Art. 22. O locador é obrigado a:
I - entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina;
II - garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado;
III - manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel;
IV - responder pelos vícios ou defeitos anteriores à locação;
V - fornecer ao locatário, caso este solicite, descrição minuciosa do estado do imóvel, quando de sua entrega, com expressa referência aos eventuais defeitos existentes;
VI - fornecer ao locatário recibo discriminado das importâncias por este pagas, vedada a quitação genérica;
VII - pagar as taxas de administração imobiliária, se houver, e de intermediações, nestas compreendidas as despesas necessárias à aferição da idoneidade do pretendente ou de seu fiador;
VIII - pagar os impostos e taxas, e ainda o prêmio de seguro complementar contra fogo, que incidam ou venham a incidir sobre o imóvel, salvo disposição expressa em contrário no contrato;
IX - exibir ao locatário, quando solicitado, os comprovantes relativos às parcelas que estejam sendo exigidas;
X - pagar as despesas extraordinárias de condomínio.
Parágrafo único. Por despesas extraordinárias de condomínio se entendem aquelas que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção do edifício, especialmente:
a) obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel;
b) pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas;
c) obras destinadas a repor as condições de habitabilidade do edifício;
d) indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas em data anterior ao início da locação;
e) instalação de equipamento de segurança e de incêndio, de telefonia, de intercomunicação, de esporte e de lazer;
f) despesas de decoração e paisagismo nas partes de uso comum;
g) constituição de fundo de reserva. (LEI 8.245/91)
Assim, analisando o primeiro inciso, ele se refere a ” - entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina”, e isso está relacionado a condição de moradia do imóvel, não pode o locador colocar um imóvel para alugar que não possui condições de moradia, por esse motivo, reparos de origem estruturais no imóvel ficam a cargo do proprietário, pois esses são inerentes as condições de moradia, e nesse sentido tem se pautado as decisões judiciais, em ações propostas por locatários que tem problemas de vazamentos, infiltrações entre outros, que impossibilitam ou dificultam a moradia no imóvel, a saber:
CIVIL – LOCAÇÃO – EMBARGOS À EXECUÇÃO –COBRANÇA DA MULTA CONTRATUAL PELA RESCISÃO ANTECIPADA DO CONTRATO – FALTA DE CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE DO IMÓVEL COMPROVADA – JUSTO MOTIVO PARA DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL PELO LOCATÁRIO EMBARGANTE – EXECUÇÃO AFASTADA – Infere-se dos autos que a desocupação antecipada ocorreu em razão de falta de condições de habitabilidade do imóvel - Indevida imputação de responsabilidade ao ex-locatário pela multa contratual - Dívida inexigível - Honorários advocatícios - Redução cabível - Sentença mantida – Recurso provido em parte.
(TJSP; Apelação 1010426-51.2014.8.26.0006; Relator (a): Carlos von Adamek; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VI - Penha de França - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/09/2017; Data de Registro: 18/09/2017
Aqui a rescisão contratual feita pelo locatário do imóvel foi validada pelo Tribunal, haja vista que o imóvel não possuía condições de ser habitado, afastando a execução sobre a multa contratual que seria devida pela rescisão antecipada do contrato de locação, em outros julgados o locador poderá inclusive ser condenado a danos morais aos locatários, quando a sua inércia em promover os reparos necessários gera danos e transtornos:
AGRAVO RETIDO. Recurso não reiterado. Inteligência do art. 523, § 1º, do CPC. Não conhecido. LOCAÇÃO. RESCISÃO E INDENIZAÇÃO. Vícios no imóvel. Locatários que notificaram o locador e, em vista de sua inércia, providenciaram reparos. Não obstante, sobreveio desabamento do teto. Resolução do negócio. Inobservância ao art. 22, I e II, da Lei 8.245/91. Danos materiais. Despesas com a reforma que devem ser reembolsadas. Danos morais. Abalo que não configura mero aborrecimento decorrente de descumprimento contratual. Indenização fixada em R$10.000,00 que não comporta redução. Verba honorária também fixada com acerto. Recurso desprovido.
(TJSP; Apelação 0019496-96.2005.8.26.0565; Relator (a): Milton Carvalho; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Caetano do Sul - 1ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 13/08/2015; Data de Registro: 14/08/2015)
Assim percebe-se que o locador deve providenciar os reparos necessários, desde que estruturais, o mais rápido possível assim que for notificado pelos locatários, onde ainda se aconselha que tal notificação ocorra por escrito.
Ainda com relação as responsabilidades do locador, o inciso II, visa que este deve garantir o uso pacífico da propriedade locada, o uso pacifico se refere a possibilidade do locatário usufruir da propriedade sem interferências por parte do locador ou de outras formas de transtorno, e sendo provada essas situação surge o dever de indenizar do locador:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. LOCAÇÃO COMERCIAL. IMÓVEL OCUPADO POR TERCEIRO NO CURSO DA LOCAÇÃO. AUTORA/LOCATÁRIA IMPEDIDA DE USAR O IMÓVEL LOCADO. IMÓVEL OBJETO DE DISCUSSÕES JUDICIAIS PENDENTES. RÉU CUJA POSSE SOBRE O BEM ASSENTA-SE EM CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. DEVER DO RÉU/LOCADOR DE GARANTIR O USO PACÍFICO DO IMÓVEL NA VIGÊNCIA DO CONTRATO. ARTIGO 22 , INCISO II , DA LEI N. 8.245/1991. OBRIGAÇÃO LEGAL DESCUMPRIDA. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. DANO MORAL. NÃO OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE LESÃO A DIREITO DE PERSONALIDADE. DANOS MATERIAIS. PROVA A RESPEITO DE APENAS PARTE DELES. LUCROS CESSANTES NÃO EVIDENCIADOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A Lei n. 8.425 /1991, com louvável técnica, impôs às relações locatícias algumas obrigações ditas legais (em contraposição àquelas previstas apenas pontualmente em cada contrato, chamadas contratuais), que constituem o substrato mínimo de todo e qualquer contrato de locação, independentemente da vontade negocial das partes. Dessarte, é dever do locador garantir ao locatário, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado (artigo 22 , inciso II , da Lei do Inquilinato), até mesmo contra turbação e esbulho provocados por terceiros. Regras como essa, na precisa lição de Nagib Slaibi Filho (Comentários à nova lei do inquilinato. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense. 1999. p. 200), "devem ser consideradas cogentes, na vigência do contrato, pois sua deturpação poderia desnaturar a própria natureza da locação [...], e do caráter social imposto pela legislação do inquilinato urbano". Se o réu/locador devia, por imperativo legal, assegurar à autora/locatária, na vigência do contrato, o uso pacífico da coisa, o descumprimento desse dever impõe-lhe a obrigação de indenizar os prejuízos sofridos.
(TJ-SC - AC: 537711 SC 2007.053771-1, Relator: Jaime Luiz Vicari, Data de Julgamento: 01/06/2010, Segunda Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Balneário Camboriú)
Portanto cabe ressaltar que o locador deve permitir que o locatário faça uso de imóvel de forma mais pacífica possível, e com relação ao inciso III, - “manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel”, também está relacionado ao mesmo sentido de que o imóvel deve ser mantido em condições estruturais para que o locatário possa usufruir de seu uso de uma forma mais pacífica e segura.
O inciso IV traz a responsabilidade do locador por vícios que existiam antes da locação, defeitos preexistentes no imóvel, que por algum motivo venham a aparecer apenas depois de locado, esses são de responsabilidade do locador, desde que provado que o locatário não tinha conhecimento, assim também há jurisprudências nos tribunais pátrios, a titulo de ilustração:
AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL RESIDENCIAL. COBRANÇA Do ALUGUEL DE JANEIRO/2014. PEDIDO CONTRAPOSTO REFERENTE A REEMBOLSO POR CONSERTO NECESSÁRIO E URGENTE NO IMÓVEL. FOSSA. PROBLEMAS PREEXISTENTES À LOCAÇÃO. DEVER DO LOCADOR DE RESPONDER PELOS VÍCIOS ANTERIORES À LOCAÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 22, IV, DA LEI N. 8.245/91. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA RECONHECER O DIREITO AO REEMBOLSO E CONSEQÜENTE ABATIMENTO NO LOCATIVO COBRADO. (Recurso Cível Nº 71005423546, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Vivian Cristina Angonese Spengler, Julgado em 08/07/2015).
(TJ-RS - Recurso Cível: 71005423546 RS, Relator: Vivian Cristina Angonese Spengler, Data de Julgamento: 08/07/2015, Segunda Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 13/07/2015)
E ainda entre as outras obrigações do locador, está a de fornecer ao locatário uma descrição minuciosa das condições do imóvel na data da entrega, com a finalidade de que possam haver certezas sobre o estado do imóvel locado, e ainda fornecer os comprovantes de quitação de aluguel, e encargos da locação, pois o locatário na figura de devedor da relação tem o direito à quitação, as taxas relativas a administração imobiliária, se houver e outras despesas que venham a surgir para a coleta de informações sobre o locatário e seus fiadores também são de responsabilidade do locador, assim como as taxas e impostos, inclusive o IPTU, o que ocorre com relação a esse imposto é que a lei, permite que tais encargos possam ser transferidos ao locatário por força do contrato, e deve ainda apresentar os comprovantes detalhados de todas as parcelas que estão sendo exigidas pelo locador, referentes a alugueis, encargos, impostos, taxas, despesas de condomínio e etc., ainda com relação as despesas de condomínio, no caso de condomínio edilício, as de caráter extraordinárias são também de responsabilidade do locador, e a própria letra da lei determina quais são as despesas extraordinárias, sendo aquelas que importem em reformas na estrutura do condomínio, pinturas, fachadas, obras que visem dar ou repor condições habitacionais ao prédio, indenizações trabalhistas que o condomínio venha a ser condenado, assim como as previdenciárias, desde que a dispensa do empregado do condomínio tenha ocorrido em data anterior a locação, e ainda as despesas para instalação de materiais de segurança, telefonia, lazer esporte etc., e o que é cobrado para a formação de fundo do condomínio, salvo se essas despesas de formação de fundo visarem suportar despesas que ficam a cargo do locatário, que sã das despesas ordinárias, água, luz de áreas comuns por exemplo, e outras que estão descritas no artigo 23 § 1º da Lei 8.245/91.
Assim aqui buscamos mostrar que o locador também assume obrigações com a locação, mesmo que essa venha a ser intermediada por uma administradora de imóveis ou imobiliária, onde em alguns casos pode até configurar relação de consumo, conforme vem sido admitido pela jurisprudência, mas esse tema fica para uma próxima oportunidade.
Esse artigo tem como objetivo elucidar às pessoas que pretendem locar imóveis, ou ainda àquelas que pretendem colocar seus imóveis para locação, que sempre é aconselhável a ajuda de um profissional para evitar transtornos futuros com o negócio.
Referências:
TARTUCE, Flávio. Direito Civil 3 - Teoria Geral dos Contratos e Contratos em espécie. Editora Método. São Paulo.2015.
Adriana C. de Paula Gonçalves - Advocacia e Consultoria
Fonte: Artigos JusBrasil