Tranquilidade, possibilidades de lazer, convívio social saudável. Não são poucos os atributos utilizados para, de forma velada, vender o óbvio: segurança.
Essa escolha trouxe, em seu bojo, discussões jurídicas significativas: antes mesmo da Lei Federal dos Loteamentos Fechados em 2017, já se tornara comum o fechamento destas áreas em prol da valorização dos atributos acima, com ou sem autorização legislativa para tanto. Afinal, especialmente ao Poder Público Municipal, estas medidas eram vantajosas: os custos de manutenção e segurança destas áreas passavam ao particular, permitindo-lhe focar em outros setores ou locais.
Entretanto, como tudo na vida, essas medidas e fechamentos não são aceitas de forma unânime ou pacífica: não são poucos os proprietários de imóveis que, enclausurados pela vontade de seus vizinhos, recusam-se a arcar com esses custos. Afinal, se o Município - apesar de receber os impostos para tanto - deixa de arcar com essas despesas, alguém terá que fazê-lo.
E, como não poderia deixar de ser, esse desencontro de vontades acabou sempre por desaguar no Poder Judiciário, podendo ser sintetizada essa disputa entre duas grandes correntes: aqueles que privilegiam o direito de não se associar - pois não havia lei que os obrigasse - e aqueles que, em razão da valorização do imóvel decorrente do seu enclausuramento, entendem obrigatória a contribuição para evitar o enriquecimento sem causa daquele proprietário.
Quantas ações não foram, são e ainda serão travadas nessa discussão! Quantos debates e divergências entre Juristas, Advogados, Juízes, Desembargadores e Ministros!
Não diminuindo a angústia (profissional, é claro) dos demais operadores do direito, ousamos dizer que eram os advogados os que mais sofriam: como explicar, especialmente a clientes com vínculos próximos entre eles - por serem vizinhos no mesmo loteamento, por exemplo - que a decisão de um foi num sentido e a de outro diametralmente oposta?
Que pacificação social era essa? Honestamente? Não era.
Em 2015 o Superior Tribunal de Justiça tentou pacificar a questão decidindo, sobre o formato de Recurso Repetitivo, em prol da liberdade associativa e publicando o Tema 882, afirmando que: "As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram".
Isso, contudo, não resolveu a questão, já que, apesar da força vinculante desta decisão, não raras ainda são as decisões de Juízes e Tribunais em sentido contrário, defendendo -- com ardor quase de parte interessada -- que o enriquecimento sem causa daquele que não contribua à Associação de Moradores deva superar a previsão constitucional da liberdade de associação!
Não se pode negar o mérito - e a falácia - desta tese: quem adquire um imóvel sabendo-o em um loteamento fechado - ainda que de fato, com ou sem autorização legal para tanto - realmente se locupletaria injustamente ao não pagar a taxa associativa respectiva. Essa pessoa buscou um "condomínio fechado", mas não quer os ônus desta situação.
Todavia, a situação é diferente para aqueles que já possuíam o imóvel antes do fechamento - morando ou não neste imóvel - e são surpreendidos com essa decisão de seus vizinhos e a cobrança consequente. Esses, por mais que se beneficiem das consequências do fechamento, não compraram o imóvel por essa razão.
Mas, e aí? Qual instituto jurídico privilegiar?
Como julgador final desta questão - já que a liberdade de associação é uma questão constitucional - o Supremo Tribunal Federal foi chamado para decidi-la. E, particularmente, cremos que o fez com ímpar sabedoria.
No julgamento do Recurso Extraordinário 695.911/SP, aquela Augusta Corte a resolveu (ainda que pendente de recursos) dividindo o cenário desta questão em três grandes universos:
Aos casos - e cobranças - anteriores à Lei de Loteamentos Fechados (municipal ou a Lei Federal nº 13.465 de 11 de julho de 2017), declarou inconstitucional qualquer cobrança feita de quem não se associou, independente de estar ou não num loteamento que fora fechado.
Após esse marco legislativo, ainda, estabeleceram-se dois cenários distintos, a depender do registro, no imóvel, da situação de "pertencer" a uma Associação:
b.1) se a propriedade do imóvel foi adquirida antes do registro da existência da Associação junto à matrícula do imóvel, apenas será lícito cobrar daqueles que voluntariamente se associaram;
b.2) se já houver o registro da Associação junto à matrícula, o novo adquirente não poderá se eximir da contribuição associativa.
De forma simples: venceu a liberdade de associação - artigo 5º, inciso X, da Carta Política de 1988 -, sem se negar a obrigação do Estado de se evitar o enriquecimento sem causa - por meio do conhecimento prévio e público da existência da Associação e do loteamento fechado - daquele que adquire o imóvel.
Entretanto, a pacificação social está longe de ser alcançada. Ao contrário, o cenário de belicosidade pode se tornar ainda mais acentuado, antes que a almejada paz social seja alcançada.
Deixe-nos dar dois exemplos: primeiro, as execuções movidas por associações de moradores, ainda que com base em decisões transitadas em julgado, poderão ser declaradas inexigíveis nos termos do parágrafo 12 do artigo 525 do Código de Processo Civil.
Ou seja, quem ainda não pagou a execução, pode não ter que pagar, ainda que tenha uma decisão condenatória e irrecorrível dizendo o contrário.
Por segundo, de acordo com a referida decisão, para que se possa exigir dos futuros adquirentes as taxas associativas, a existência da Associação precisa constar da matrícula do imóvel. Como isso será feito? Terá a Associação legitimidade para exigir esse registro nos imóveis de terceiros? E se o proprietário se opuser?
Não é sem razão que a decisão do STF teve 92 páginas e ainda foi desafiada por recursos! Afinal, para o bem ou para o mal, algumas questões precisam ser esclarecidas antes da conclusão deste julgamento e sua aplicação prática, tanto pelo Judiciário, quanto pelo Registro Imobiliário, mas, especialmente, pelas Associações de Moradores e proprietários destes lotes.
Agora, quer uma sugestão? Se você está nesta situação, procure um advogado de sua confiança e decida com ele a melhor estratégia para o seu caso.
Se, em regra, não há uma única solução para todos os casos do universo jurídico - por mais idênticas que sejam as descrições e situações -, enquanto não transitada em julgado essa decisão do Supremo Tribunal Federal, certamente muitas interpretações diferentes ainda vão ocorrer entre Associações, não associados e o Poder Judiciário!.
Atualizado em: 15/6/2021 09:37
Paulo Augusto Rolim de Moura - Advogado e sócio júnior da Área Cível da Advocacia Hamilton de Oliveira. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Formado em Processamento de Dados e Mecatrônica. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho. Assessor da presidência da 17ª Turma Disciplinar do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados Subseção de Campinas.
Fonte: Migalhas de Peso
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