domingo, 26 de maio de 2019

PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO E A NOVA LEI DA MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA


Preparar uma sucessão imobiliária de forma harmônica, pacífica e racional é sempre um desafio. Existem várias maneiras de se atingir este objetivo. Dentre as mais comuns, estão a doação em adiantamento de herança, a criação de empresa (s) e via testamento. Com a recente Lei nº 13.777/18, que trata da multipropriedade, abrem-se novas possibilidades de acomodação e partilha de bens imóveis.

Inicialmente, é preciso que entendamos o que é o conceito da multipropriedade e quais novidades a referida legislação trouxe ao Direito brasileiro. Segundo prevê a própria lei, multipropriedade é um “regime de condomínio” em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo. Cria-se assim uma ficção jurídica que permite a propriedade por tempo, individualizada documentalmente como imóvel autônomo. Parece pouco, e há aqueles que fizeram associação aos contratos de “time sharing”. Mas, neste caso, trata-se de algo totalmente distinto sob o ponto de vista legal.

Explica-se: os contratos de “uso compartilhado”, popularizados nos anos 1980 aqui no Brasil, eram perpetuados por redes hoteleiras, havendo a contratação da compra do uso de diárias em pool de locação num sistema associativo, muitas vezes em redes internacionais. Estes contratos geraram um longo embate jurídico quando surgiram penhoras e conflitos sucessórios

Com a nova lei – a princípio – estes problemas devem ser superados, porque agora a propriedade por tempo compartilhado possuirá uma escritura pública e consequentemente matrícula imobiliária individualizada. A nova lei se utiliza de toda a legislação do condomínio edilício e de incorporações imobiliárias, ou seja, o art. 1331 e seguintes do Código Civil e a Lei nº 4.591/64 e ainda altera a Lei de Registros Publicos, nº 6.015/73, considerando a unidade periódica como objeto de direito real sobre coisa própria.

Portanto, como unidade autônoma com matrícula própria, a quota da fração de tempo apresenta-se livre para venda, não restando sequer o direito de preferência a condôminos. Os impostos e taxa de condomínio são individualizados, bem como existe a possibilidade de que seja oferecida em garantia hipotecária. Além do que, não se sujeita a ação de divisão ou extinção de condomínio e não se extingue automaticamente se todas as frações passarem a pertencer ao mesmo proprietário.

Importante ressaltar que a “propriedade por tempo” pode incidir também sobre terrenos urbanos ou rurais e imóveis comerciais, permitindo com isso inúmeras composições e organizações comerciais e sucessórias.

Entre as formas previstas de instituição da multipropriedade, a Lei 13.777/18 prevê no art. 1.358-F: “Institui-se a multipropriedade por ato entre vivos ou testamento, registrado no competente cartório de registro de imóveis, devendo constar daquele ato a duração dos períodos correspondentes a cada fração de tempo.” O testamento não tem ingresso no registro de imóveis, cujo acesso documental é expresso e limitado. Portanto, o que deve ser registrado é a partilha de bens do inventário, resultante da vontade testamentária.

O testamento é uma disposição de vontade que possui eficácia diferida, ou seja, só produz efeito após o óbito de seu autor, sendo por isso revogável pelo mesmo a qualquer tempo.

Mas porque alguém faria um legado testamentário em regime de multipropriedade? Tendo lavrado cerca de 3 mil testamentos, nestes mais de 30 anos de profissão, posso assegurar que as possibilidades de vontade dos testadores são infinitas. Só mesmo aquele que conhece a fundo sua prole pode entender as razões para o destino de seu patrimônio. Assim, há casos em que um imóvel se destaca dos demais pelo seu valor e indivisibilidade, uma loja ou uma propriedade rural, uma casa de praia ou qualquer imóvel cuja integridade física importa pelo valor agregado ou simplesmente é indivisível.

Sabemos também que uma boa partilha sucessória é aquela que preserva - no mínimo - o jantar de fim de ano e que o condomínio imobiliário é eterna fonte de conflitos, lembrando que quando falamos em condomínio, bastam dois proprietários no mesmo imóvel, o que é muito comum em sucessões hereditárias.

Sem embargo das idiossincrasias e susceptibilidades humanas, as vantagens do compartilhamento condominial de imóveis têm-se apresentado maiores do que os dissabores. O regime de propriedade compartilhada pode não ser garantia de pacificação, mas é sem dúvida um importante dispositivo que proporciona claras regras de uso, preservando um bom arranjo entre pluralidade e exclusividade patrimonial.

A multipropriedade precisa ser vista dentro de uma nova tendência de compartilhamento de bens que vem crescendo exponencialmente, sobretudo entre a população mais jovem. Para estes, o conceito de “propriedade” já não significa a exclusividade plena do bem, mas sim o momento de usufruir. O saturamento dos recursos naturais, o recrudescimento da vida urbana em grandes metrópoles e seu consequente aumento de custo de vida conspiram para a racionalidade no uso dos imóveis.

A multipropriedade delimita o uso de área exclusiva e comum por tempo de uso, não eliminando o inconveniente de confrontar interesses contrapostos. Porém, abre possibilidade de locação e uso fracionado, otimizando o aproveitamento do imóvel.

A previsão de multipropriedade em disposição testamentária deve - preferencialmente e no mínimo - estabelecer todos os requisitos da convenção condominial previstos no art. 1.358-G do Código Civil, evitando-se assim possíveis conflitos entre os herdeiros. Ou ser designado um testamenteiro, com amplos poderes para estabelecimento das cláusulas e regras da convenção, que deve ser a mais detalhada possível, não se limitando ao referido dispositivo do Código Civil.

Como os proprietários das frações podem ser pessoas jurídicas, tais como holdings familiares ou administradoras de bens, permite-se também ajustes contratuais sobre distribuição de receita dos aluguéis e regras sucessórias subsequentes ao legado da multipropriedade.

Desta forma, a divisão por tempo de um imóvel, pode fazer todo o sentido no planejamento de um patrimônio imobiliário, seja para uso ou como fonte de renda.

Angelo Volpi Neto – Notário e presidente da Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (Anoreg-PR)

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