A crise econômica desencadeada no Brasil no ano de 2014 impactou profundamente o mercado interno, desestabilizando as empresas brasileiras e resultando num surto de pedidos de Recuperação Judicial.
Durante a crise, diversos setores da economia sofreram forte retração, o que resultou na diminuição dos postos de trabalho. Dentre estes setores, destaca-se a indústria da construção civil, que anos antes gozava de um verdadeiro boom imobiliário. É neste cenário econômico que muitas empresas do ramo da construção civil ajuizaram os respectivos pedidos de recuperação judicial.
De um lado, temos o mercado desaquecido proporcionando a queda no preço dos imóveis. Do outro, no entanto, muitos consumidores têm receio de adquirir os imóveis com valores mais baixos de empresas em recuperação judicial. Esta insegurança é compreensível, pois há escassez de informações claras acerca da temática. O objetivo deste breve artigo é descortinar os eventuais riscos envolvidos numa aquisição desta natureza.
De início, é importante salientar que, estando tudo certo com a incorporação, não há risco algum para o adquirente de boa-fé. Isto porque o sistema jurídico brasileiro adota diversos mecanismos que protegem o adquirente de um imóvel nestas condições.
Quais são esses “mecanismos” jurídicos?
Antes, cabe destacar o que é e para que serve o instituto da recuperação judicial. Neste ponto, é importante frisar que Recuperação Judicial não se confunde com a Falência, instituto que cuida da quebra da empresa e da liquidação patrimonial para pagamento dos credores.
Pois bem, o regime de Recuperação Judicial é regulamentado pela Lei 11.101/2005 e visa o soerguimento de uma empresa em crise financeira superável. E assim, através do instituto da recuperação judicial, a empresa recuperanda deverá apresentar uma estratégia para os pagamentos de seus credores, sob pena de ser decretada falida. Ou seja, quando uma empresa requer a concessão da Recuperação Judicial, ela se compromete perante o Judiciário a quitar todas suas dívidas na forma estabelecida ou terá sua atividade encerrada.
A referida Lei determina que o imóvel adquirido pelo comprador de boa-fé não se submete aos efeitos da recuperação judicial. Equivale dizer que o imóvel é de quem o adquiriu, não podendo a incorporadora utiliza-lo para saldar dívidas trabalhistas, de fornecedores ou mesmo tributárias. Ou seja, o imóvel é seu, mesmo que ele esteja na planta e financiado.
Neste diapasão, veja trecho do artigo 49, parágrafo 3º, da Lei 11.101/2005, onde o legislador cuidou de proteger aqueles promitentes compradores de boa-fé:
3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva […]
Todavia, pode ocorrer da incorporadora incluir indevidamente o imóvel comercializado no rol patrimonial da recuperação, neste caso, o adquirente deverá procurar um advogado para que solicite ao Juiz da recuperação a exclusão imediata do imóvel do processo.
Por outro lado, atente-se que este regramento não se aplica à hipótese de extinção do contrato de compra e venda com a incorporadora, se ocorrido em momento anterior ao pedido de recuperação. Ou seja, se o consumidor desiste da compra do imóvel antes da concessão da recuperação judicial da incorporadora, ele não mais estará protegido pelo artigo 49 § 3 da Lei de recuperação.
Nesta circunstância, o imóvel volta a pertencer ao patrimônio da empresa e o consumidor passa a ter direito de crédito, que será pago na forma do plano de recuperação. Nestes casos, é altamente recomendável que constitua-se um advogado para acompanhar o processo e assegurar o recebimento crédito.
Outra garantia legal está na Lei de Incorporações Imobiliárias, que institui o regime de patrimônio de afetação. Este regime – que está explicitado no Capítulo I-A dessa Lei e ratificado pelo Código de Processo Civil, no artigo 833, inciso XII – assegura que os recursos destinados para a construção de um determinado empreendimento imobiliário devem ser separados do patrimônio geral da incorporadora. Ou seja, existe o patrimônio geral da incorporadora e existe o patrimônio do empreendimento em construção, tal separação é chamada de regime de patrimônio de afetação.
Essa separação de patrimônio com o patrimônio geral da incorporadora garante que: mesmo em hipóteses de concessão de recuperação judicial ou decretação de falência, o empreendimento não deverá ser afetado pelos efeitos da insolvência até a finalização da obra. Este entendimento tem sido adotado pelos tribunais.
Para fechar, vimos que o comprador de um imóvel ofertado por uma empresa em regime de Recuperação Judicial é beneficiado com as proteções legais expostas acima. Todavia, tratando-se de aquisição de um bem de valor considerável e em muitos casos, da realização de um sonho, a orientação é de que, antes de qualquer aquisição imobiliária o consumidor busque assessoramento com um advogado especializado para que, mediante uma investigação contratual e patrimonial, os riscos da operação possam ser mitigados, ainda mais em tempos de crise.
Victor Lawinscky de Andrade Nobre - Formação em advocacia de negócios.
Fonte: Artigos JusBrasil