domingo, 16 de julho de 2017

UMA PROPOSTA PARA OS DISTRATOS


O mercado imobiliário viveu dois momentos distintos. No início da década, animadas pela queda dos juros, pelos incentivos fiscais, e pelo aumento da renda, as incorporadoras foram tomadas por uma febre de lançamentos. O primeiro imóvel, ou o apartamento com varanda gourmet, pareciam estar mais perto do que nunca de milhões de brasileiros. Cinco anos depois, o sonho da casa própria havia se transformado em pesadelo. Incapazes de pagar as prestações e ameaçados de perder o que haviam pago, milhares de compradores tentaram cancelar os negócios.

Previstos no acerto entre as partes, os chamados distratos se multiplicaram. Só no ano passado foram canceladas 44.233 transações, segundo dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). As cláusulas do distrato constam da maioria das propostas de venda. A praxe é a construtora poder reter de 10% a 20% do valor pago pelo comprador até o momento da desistência, dependendo de quantas parcelas já foram pagas. Ela também pode descontar despesas com corretagem.

O dinheiro só volta para o comprador 12 a 24 meses após o encerramento da obra. Essa demora protege as finanças da incorporadora. “A empresa usa as parcelas que os compradores vão pagando para erguer o edifício”, diz Claudio Hermolin, presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi) do Rio de Janeiro. Quando alguém desiste, diz ele, esse fluxo de recursos se interrompe, e é preciso esperar outro comprador para que a situação volte ao normal.

Se o mercado estiver operando normalmente, não há problemas. Porém, a queda do emprego afugentou compradores e fez as desistências se multiplicarem. Com um agravante: a crise torna o recebimento incerto, e as multas são consideradas injustas. Daí os pleitos judiciais que pedem o ressarcimento integral do valor pago e o crédito imediato na conta do desistente. “O assunto foi muito judicializado”, diz o advogado Joaquim Rolim Ferraz, sócio do Juveniz Rolim Ferraz Advogados Associados. Ferraz advoga em favor das incorporadoras, e diz que os tribunais não têm sido benevolentes com as empresas.

“A média de decisões favoráveis ao distratante tem sido de 60%, o que, no Judiciário, é um percentual elevadíssimo”, diz ele. Segundo o advogado, a origem do problema é um vácuo legal. O assunto é regido pela Lei de Incorporações Imobiliárias. É um texto promulgado em 1964, que sofreu apenas uma alteração significativa, em 2004. Naquele ano, a falência da construtora Encol criou um mecanismo para proteger o consumidor. Conhecida pelo nome assustador de patrimônio de afetação, a regra é simples de entender.

Cada empreendimento é uma empresa isolada. Se a construtora quebrar, como ocorreu com a Encol, os edifícios em construção não são tragados pelo sorvedouro da massa falida. No entanto, diz Ferraz, essa proteção causa um problema se houver muitos distratos. “O dinheiro que o consumidor pagou não fica com a incorporadora, mas é transformado em cimento”, diz ele. “Se tiver de sacar os recursos do caixa, a incorporadora fica sem capital para dar andamento à obra.”

Para tentar um acordo, representantes das incorporadoras e dos consumidores reuniram-se, na terça-feira 11, com técnicos do governo. A reunião, realizada na sede da Casa Civil, em Brasília, tentou buscar um meio termo entre as propostas. Um dos principais pontos é a diferenciação entre imóveis residenciais e comerciais. “Quem compra um escritório está pensando em investir, seja alugando ou revendendo o espaço, seja abrindo uma empresa”, diz Hermolin. “Ele não pode ser comparado, em termos de fragilidade, com quem está comprando seu primeiro imóvel.”

As demais propostas referem-se ao percentual que será retido pela incorporadora e ao prazo de pagamento (observe o quadro ao final da reportagem). Para os analistas, a retirada dessa incerteza jurídica deverá favorecer as ações das empresas imobiliárias, que vêm apresentando oscilações abruptas nos pregões. Ainda é difícil prever qual será o impacto sobre as cotações, mas a percepção é que o terreno sobre o qual essas companhias edificam seus lucros deve ficar mais sólido.

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Cláudio Gradilone
Fonte: ISTOÉ DINHEIRO

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