O termo Due Diligence possui origem na língua inglesa e quando traduzido na sua literalidade significa “diligência devida”. Outra tradução que o termo possui é diligência prévia1, significado este extraído na sua origem em 1933, mais especificamente na Seção 11 do US Securities Act2 através do qual a responsabilidade civil por distorções ou omissões na declaração de valores mobiliários poderia ser afastada se fosse comprovado a prévia investigação.
A origem da Due Diligence está relacionada à realização de auditoria preventiva ao fechamento de negócios jurídicos. Posteriormente, utilizada nas operações de reorganização empresarial, como a fusão, a cisão e a incorporação, quando o pretendente investidor busca diligenciar informações sobre a situação financeira, contábil, fiscal, trabalhista, previdenciária, patrimonial, ambiental, tecnológica e jurídica em geral da sociedade empresária.
Entretanto, hoje, a Due Diligence Legal (DDL) também é providência importante nos ramos dos direitos imobiliário e agrário voltada para auxiliar na tomada de decisão nos mais diversos negócios existentes. Trata do estudo de viabilidade e segurança jurídica de quem pretende adquirir ou alienar imóvel para habitação ou empreendimento urbano, ou simplesmente usar e fruir sem imprevistos que prejudiquem a continuidade da posse direta e a colheita da produção rural.
É consultoria imobiliária anterior à tomada de decisão de como negociar o imóvel urbano ou rural, obtendo relatório jurídico conclusivo de providências recomendadas. A consultoria direcionará as soluções com o objetivo de viabilizar o negócio a ser celebrado com o máximo de segurança jurídica possível, seja para eliminação ou mitigação de riscos, além de recomendações de cláusulas contratuais específicas. Em algumas circunstâncias, visualiza-se o alto grau de risco ou de entrave jurídico para negociação. Portanto, a recomendação, nestes casos, pode ser para não seguir com a contratação.
Por muitas vezes, diante de uma proposta comercial tentadora e a necessidade imperiosa de empreender ou produzir, que acarretam a urgência de fechar o negócio jurídico imobiliário, conduz o proponente consulente a assumir riscos e, consequentemente, a sofrer prejuízos, principalmente se ocorreu pagamento de parte ou total do preço pactuado. Tal circunstância poderá ocasionar percalços, entraves e dor de cabeça para exercer os plenos poderes de proprietário. A rapidez ao fechar o negócio sem observar aspectos cruciais acabará esbarrando na não efetivação do mesmo e no dito popular: “pagou, mas não levou”, circunstância nunca desejada por qualquer das partes, sendo a DDL o meio de evitar essa situação.
Infelizmente, não é pouco comum os adquirentes de imóveis se depararem com decisões judiciais de anulação, declaração de nulidade absoluta e ineficácia do negócio jurídico concluído, muitas vezes posteriores ao pagamento do preço na compra e venda.
A DDL é iniciada com a auditoria documental da situação do proprietário ou possuidor do imóvel, bem como de seus antecessores na cadeia dominial, a depender da espécie de contrato que se pretende firmar. O foco da diligência está vinculado ao objetivo negocial do consulente, inclusive, a espécie contratual pretendida. Diante das circunstâncias encontradas e do direcionado na negociação, esta poderá sofrer mudanças de foco no decorrer da auditoria sob o prisma de manter a viabilidade do negócio.
Por meio dos documentos pessoais, certidões extrajudiciais e dos órgãos distribuidores do poder judiciário, há investigação dos passivos que possam recair sobre o imóvel através da análise da situação no âmbito societário, fiscal, previdenciário, ambiental, trabalhista, criminal e patrimonial em geral da pessoa proprietária e/ou possuidora. A análise de riscos visa evitar as consequências decepcionantes advindas da incapacidade civil, ausência de representatividade e suprimento judicial, insolvência civil atrelada à fraude contra credores e à fraude à execução, dentre outras.
O ponto de partida para definir qual ou quais pessoas que serão investigadas numa auditoria DDL é a análise dos documentos do imóvel, tais como título aquisitivo, a matrícula do cartório do registro de imóveis, o contrato particular, o formal de partilha, etc.
A matrícula ou transcrição imobiliária constante no registro público é o documento mais importante a ser analisado, e norteia quem possui a legitimidade para dispor do bem, isto é, quem é o atual proprietário em matrícula. Na certidão de inteiro teor e de cadeia sucessória de aquisições é possível verificar a legalidade do registro atual e dos anteriores, a continuidade das transmissões e, principalmente, se há constrições e gravames prejudiciais que coloquem em risco a finalidade pretendida pelo consulente no negócio jurídico.
Surpresas infelizes, tais como a penhora, o arresto, a indisponibilidade, a constatação de condôminos que não foram signatários no contrato preliminar, o proprietário falecido sem formal de partilha registrado e a situação de ações reais ou pessoais reipersecutórias podem ser evitadas com a DDL.
Na aquisição de imóveis para a incorporação imobiliária e constituição de condomínios residenciais e empresariais, muitos empreendedores são surpreendidos por não terem feito uma análise técnica da matrícula segundo a lei de registros públicos (lei 6.015/73). Problemas com a unificação de matrículas, com a descrição tabular matricial e outras situações de necessidade de regularização imobiliária e retificações de área e de registro incompatíveis com a intenção comercial de prazo para o lançamento do empreendimento imobiliário. A DDL pode apontar tais riscos, bem como recomendações preventivas antes da contratação, inclusive, até mesmo ligadas ao plano diretor do município, legislação de obras e construções, normas técnicas (NBR/ABNT), lei de incorporações imobiliárias, etc.
Não obstante, a DDL é de grande importância para a elaboração das minutas de contratos preliminares e da escritura pública definitiva. Ademais, pode contribuir para a formalização dos negócios jurídicos do Sistema Financeiro da Habitação – SFH e do Sistema Financeiro Imobiliário – SFI.
Nos contratos agrários típicos de arrendamento e parceria rural, como também nos atípicos de compra e venda de produção futura, contratos aleatórios, comodato rural, cessões de direitos possessórios etc., a DDL é de suma importância para que o produtor não seja surpreendido com a perda da posse direta e, a depender das situações jurídicas específicas, das benfeitorias, construções e acessões.
Dentre várias situações, dívida não adimplida oriunda de crédito rural, com garantia real vigente e registrada na matrícula, é situação de risco e de recomendações pertinentes para quem pretende produzir no imóvel de terceiro devedor mediante contratos agrários.
Deve-se analisar outras conjunturas, tais como a situação dominial da terra, a existência de conflito agrário no imóvel ou em imóveis confrontantes, verificando se há ações possessórias, reivindicatórias, discriminatórias e de usucapião. Tudo para evitar surpresa após a implantação de cultura e investimentos na terra.
Outros cuidados devem ser diligenciados quando o negócio jurídico pretendido for agrário. Além dos documentos imobiliários, há de se verificar a situação do imóvel rural perante a legislação específica do Sistema Nacional de Cadastro Rural, não sendo permitida qualquer negociação preliminar se o imóvel não tiver o Certificado de Cadastro do Imóvel Rural – CCIR expedido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.
Tanto a lei
6.015/73 quanto o decreto
4.449/02 regulam a exigência de certificação do georreferenciamento pelo INCRA, a depender de sua dimensão territorial, antes de qualquer situação de transferência, desmembramento, remembramento e criação ou alteração da descrição do imóvel rural na matrícula do registro imobiliário.
A DDL também pode incluir a análise ambiental (DDLA) e situação do imóvel perante os órgãos ambientais de âmbito municipal, estadual e federal, verificando se há processos administrativos e judiciais, interdições, multas, embargos, necessidade de licença ou de dispensa. A análise dos riscos ambientais e das responsabilidades administrativa, civil e criminal, antes da imissão ou transmissão da posse e do direito de propriedade, é de suma importância. As obrigações ambientais são de natureza propter rem segundo a súmula 623 do Superior Tribunal de Justiça3.
Portanto, a DDL nos ramos dos direitos imobiliário e agrário é auditoria documental anterior a quem pretende fechar qualquer negócio jurídico imobiliário e agrário, com estudo de viabilidade do objeto pretendido, análise de riscos e soluções viabilizadoras para o fechamento da negociação, sempre com foco na segurança jurídica do consulente.
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1 O termo "diligência prévia" primeiramente entrou em uso comum com o US Securities Act, de 1933, um
decreto que incluía uma defesa referida no próprio texto como "
due diligence", que poderia ser usada pelos
brokers caso fossem acusados de insuficiente divulgação de informação relevante aos investidores, quando estes se aprestavam a comprar instrumentos financeiros. Desde que o broker tivesse feito a sua investigação de "diligência prévia" em relação à companhia cujas
acções estavam a vender, e tivesse divulgado aos investidores o que tinha apurado, ele não poderia ser acusado de não divulgação de informação (que não tivesse sido obtida nessa investigação). A totalidade dos brokers rapidamente instituíram isso como uma prática-padrão, conduzindo investigações de diligência prévia em qualquer Oferta Pública de Venda (
OPV) na qual se envolvessem. Originalmente o termo limitava-se a ofertas públicas de acções, mas ao longo do tempo também passou a ser associado a investigações de
fusões e
aquisições. O termo tem sido adaptado para o uso em outras situações e também traduzido como "avaliação de risco". Diligência Prévia. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Wikimedia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Dilig%C3%AAncia_pr%C3%A9via. Acesso em: 15 de junho de 2020.
2 SJOSTROM JR, William K. The Due Diligence Defense Under Section 11 of the Securities Act of 1933. Brandeis Law Journal. Vol 44, 2006, p.549.
3 Súmula 623: As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.
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Grasielle Amorim de Souza Flores é advogada. Mestranda em Direito, Governança e Políticas Públicas pela Universidade Salvador. Coordenadora da divisão de Direito Imobiliário/Agrário da MoselloLima Advocacia.
Ivan Mauro Calvo é especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela FGV-Rio. Diretor da Divisão Imobiliária/Agrária e sócio Fundador da MoselloLima Advocacia.
Fonte: Migalhas