quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

COBRANÇA DE CRÉDITO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL


De todas as formas de garantia, a alienação fiduciária de bem imóvel é a que mais protege o direito do credor de receber seus haveres. Não há garantia maior nem mais segura para o credor transacionar com seus capitais. Como se sabe, pela alienação fiduciária o devedor fiduciante transfere ao credor fiduciário a propriedade resolúvel e a posse indireta de um bem imóvel, que passa a garantir com exclusividade o pagamento do débito. Esta exclusividade de o bem alienado fiduciariamente responder ao credor pelo pagamento do débito é tão absoluta, intocável e inalcançável por outros débitos do fiduciante que a lei nem precisou protegê-lo com cláusula de impenhorabilidade ou outros atos processuais, como o fez em favor de bens empenhados ou hipotecados, notadamente no caso do DL 167/67.

Como a alienação fiduciária transfere a propriedade resolúvel do bem, este só pode ser fiduciariamente alienado a um único credor, coisa diversa da garantia pignoratícia ou hipotecária onde diversos gravames podem incidir sobre a mesma coisa ao mesmo tempo.

Como a transferência da propriedade fiduciária é feita ao credor ao tempo de firmação do contrato, o devedor tem a opção de reaver a propriedade da coisa somente depois de quitar o débito garantido, conforme sobressai do art. 25 da Lei 9.514/97.

Se o devedor não quitar o débito, a propriedade fiduciária se consolidada no nome do credor, nos termos do previsto no art. 26 da Lei 9.514/87.

Como a Lei não fala que o credor adquire a propriedade com o inadimplemento do débito, mas que somente a consolida, o pressuposto é que anteriormente a propriedade lhe foi transferida, pois somente se pode consolidar, ou seja, tornar sólido e imodificável, o ato já efetivado.

Isto faz com que a alienação fiduciária se torne um gravame sui generis que em tudo protege, e de forma absoluta, o direito e o interesse do credor fiduciário.

Assim, tão logo o inadimplemento da obrigação garantida se verifica, por força de preceito legal especial, o credor pode iniciar o processo de consolidação da propriedade em seu nome, coisa que acontece de forma rápida e simples, até mesmo sem a intervenção do Poder Judiciário.

A despeito do benefício que a alienação fiduciária consagra ao credor fiduciário para o recebimento do seu crédito, uma questão que tem trazido inquietação atualmente é que muitos deles vêm cobrando seus haveres pelo procedimento executório disciplinado pelo CPC, ao invés de fazê-lo pelo procedimento ostensivamente ditado pela Lei 9.514/97, enquanto mantêm no Registro de Imóveis o registro da propriedade resolúvel em seu favor.

Noutras palavras, o credor fiduciário mantém a propriedade resolúvel em seu nome e somente não a consolida para se dar ao luxo de adotar outro procedimento de coação de pagamento contra o devedor, a saber, a execução judicial.

Ao se valerem do procedimento executivo para cobrança de seus créditos previsto no Código de Processo Civil, os exequentes se põem à efetivação da penhora de todos ou de outros bens do devedor, estrangulando sua vida negocial pela oneração processual.

E o pior, antes mesmo da efetivação da penhora o exequente se vale da certidão da execução para averbar no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade (art. 828/CPC), a existência da cobrança.

Com efeito, de um lado a cobrança do crédito pela via da execução forçada (CPC) é muito mais onerosa para o devedor do que a cobrança pela via da consolidação da propriedade (Lei 9.514/97), quer pela incidência de custas processuais, honorários advocatícios, etc., quer pelos entraves que promove na obtenção de novos créditos, realização de negócios, etc., e muito mais lenta para o credor realizar seu crédito.

De outra parte, a cobrança do crédito nos termos da Lei 9.514/97, além de ser bem menos onerosa para o devedor, é bem mais rápida e favorável ao credor do que a prevista no CPC, inclusive quanto ao tempo de sua duração, pois naquela o tempo máximo não chega a 120 dias, enquanto nesta o tempo mínimo supera, em muito, 1000 dias.

É certo que o art. 797 do CPC apregoa que a execução se realiza “no interesse do credor”, mas interesse aqui não deve ser lido como arbítrio ou capricho que lhe outorgue a escolha do procedimento que tenha condições de piorar ainda mais vida do outro, mesmo que não represente, na prática, uma cobrança mais ágil do seu crédito.

Por mais incrível que a alguns possa parecer, nos termos do art. 805 do mesmo Codex, assiste proteção estendida ao devedor no sentido de ser demandado de “modo menos gravoso”.

Tal proteção dada ao devedor é tão real que o dispositivo processual, em redação cogente, diz que “ o juiz mandará” que a execução se processe pelo modo menos penoso.

Com efeito, são os artigos 26 e seguintes da Lei 9.154/97 que disciplinam o procedimento que o credor fidicuário deverá adotar para o recebimento do seu crédito impago, de modo que a este ritmo deve se submeter o contrato.

Sustentar de modo diferente é aplicar o CPC como um instrumento de verdadeiro “garrote” no devedor, retirando-lhe o “oxigênio” patrimonial para obrigá-lo a render-se sem defesa ao despotismo do credor.

Com efeito, quando contratou a alienação fiduciária de bem imóvel em garantia do seu crédito, o credor sabia que deveria submeter seu contrato a todos os termos da Lei 9.154/97 e não somente à parte que mais lhe interessasse, de modo que não pode alegar desconhecer o trâmite em questão.

Como o parágrafo único do art. 805 do CPC diz que “ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos”, tendo por base a Lei 9.154/97 cabe-lhe indicar o procedimento da consolidação da propriedade em nome do credor para solução do débito inadimplido, diga-se de passagem, procedimento bem mais eficaz que a própria execução, ao mesmo tempo que menos oneroso.

Ademais, não parece justo que ao credor seja deferido o direito de manter a propriedade resolúvel em seu nome, enquanto caça outros bens do devedor para também chamar de seu.

Finalmente, quando o Código Civil dispõe no seu art. 1.368-B que a alienação fiduciária “confere direito real de aquisição ao fiduciante”, é porque já reconhece que o bem, ao ser alienado, foi adquirido pelo credor para satisfação do seu crédito.

Portanto, se é assim que ocorre com a alienação fiduciária, ou seja, o credor adquire a propriedade ao tempo de firmação do contrato e o devedor a readquire com a quitação do débito, o inadimplemento contratual somente confere ao credor o direito de consolidar em seu nome a coisa que é sua.

Outrossim, não se pode falar em execução do contrato, mesmo porque, até que fique provado que o bem alienado fiduciariamente não foi suficiente para quitação do débito, coisa que só se comprova depois da consolidação e venda pública do imóvel, a quitação do débito já se deu com a própria transmissão da propriedade ao tempo de constituição da garantia.

O Poder Judiciário deve conter tal ímpeto escravizador do credor para não ocorrer de o instituto da alienação fiduciária de bem imóvel se desvirtuar do seu objetivo central e se transformar num simples mecanismo de espoliação do outro.

Lutero de Paiva Pereira – Advogado especializado em direito do agronegócio em Maringá (PR). 
Fonte: Direito Rural

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

CONDOMÍNIO E AIRBNB


Na ampla problemática dos condomínios e empreendimentos assemelhados como loteamentos fechados, avulta mais recentemente a questão da hospedagem curta proporcionada pelo sistema denominado Airbnb.

Esse sistema consiste em uma plataforma on-line de hospedagem pela qual os interessados podem se hospedar em quarto ou imóvel inteiro (casa ou apartamento) por curta temporada. Utiliza um imóvel normal, e não uma pousada ou local específico para hospedagens. O sistema possui uma classificação do hóspede por estrelas. Os pagamentos são realizados por plataforma de cartão de crédito.

O maior entrave para a utilização generalizada dessa modalidade diz respeito aos condomínios estritamente residenciais. Esta, como inúmeras inovações sociais trazidas nesta contemporaneidade, gera inquietação aos moradores, principalmente pela quebra de segurança, sem falar na interferência do sossego e no eventual tumulto da vida condominial.

Não existe ainda uma regulamentação legal nem uma proibição expressa na lei para esse tipo de prática. Em princípio, o instituto seria regulado pela Lei n. 11.771/2008, que trata da hospedagem para turismo, mas essa lei está voltada para estabelecimentos de hotelaria. Não se amolda, em absoluto para conjuntos residenciais comuns. A Lei do Inquilinato (arts. 48 a 50 da Lei n. 8.245/1991) prevê a locação por temporada por até 90 dias, mas dirige-se a outra classe de inquilinos, e não a hóspedes. A locação por temporada se destina a lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras no imóvel do locatário e situações símiles, como dispõe o art. 48. Porém, há que se ressaltar que na locação por temporada há locatários, e não hóspedes. Essa compreensão é fundamental. A locação por temporada somente se perfaz com contrato escrito, pois exige o prazo determinado, sendo incompatível o contrato verbal.

Nos condomínios, na situação do Airbnb e dos congêneres que certamente surgirão no mundo globalizado, o “hospedeiro” está locando não apenas sua unidade, mas toda parte comum do condomínio. A primeira questão já se posta para esses hospedes no tocante à utilização dos bens de uso comum, como piscinas, salão de festas, sala de ginástica etc. Já aqui surge uma inquietação compreensível dos condôminos em sua vida social, e não apenas sob o aspecto da segurança.

O zelador e o síndico não são recepcionistas hoteleiros e não estão preparados para tal, não sendo esse seu mister.

Os condomínios estritamente residenciais não têm permissão para explorar comercialmente suas unidades, caracterizando essa hospedagem como um desvio de finalidade, para dizer o mínimo.

Os condôminos atingidos por essa situação devem decidir em assembleia sobre a proibição, até que se faça expressamente menção do fato em alteração da convenção, embora tecnicamente não nos pareça necessário, ainda que seja mais conveniente para espargir dúvidas, pois não se sabe por ora para onde baloiçam exatamente os ventos dos tribunais.

Não resta dúvida, contudo, que a questão é sensível e polêmica, exigindo pronta intervenção do intérprete.

Caberá ao síndico a primeira palavra no sentido de impedir a entrada e saída de pessoas, que irão certamente tumultuar a vida condominial. Uma deliberação assemblear para respaldar o síndico será, em princípio, a primeira medida, com ampla divulgação aos partícipes da vida condominial.

Note que essa discussão não causa problemas apenas entre nós, mas também no Exterior.

Se levarmos a questão para o nível constitucional, tudo girará em torno da função social da propriedade. Mormente nos condomínios de apartamentos e assemelhados, os poderes do proprietário encontram maiores restrições legais e de equidade, pela própria natureza dessa modalidade de propriedade. Cada propriedade deve ser utilizada de acordo com sua função social.

Destarte, parece-nos evidente que a utilização desses condomínios não pode ter função de hotelaria, por sua própria natureza, por não estar destinado a tal, porque não tem mínima condições de atuar nesse ramo, que tem finalidade lucrativa. Todavia, por vezes o caso concreto terá particularidades que mereçam melhor estudo, o que não deve alterar a regra geral que aqui expomos, com o devido respeito às vozes dissonantes. A aplicação do Direito exige sempre bom senso e equilíbrio, mormente levando-se em conta que a acomodação legislativa desse fato social ainda levará algum tempo.

A solução mais eficiente nos parece ser a previsão ou proibição de hospedagem pela natureza do condomínio na sua convenção. A verdade patente é que o condomínio estritamente residencial não se amolda e esse tipo de hospedagem.

A insistência em utilizar essa hospedagem sem o aval do condomínio é infração à sua finalidade, acarretando ao condômino recalcitrante a tipificação de antissocial, sujeitando-o às penalidades definidas no Código Civil (arts. 1.226, 2º, e 1.337). Analisamos detidamente essas hipóteses e penalidades em nossa obra Direitos Reais (cap. 15).

A convivência em edifícios e condomínios é muito mais complexa do que simples direitos de vizinhança. Os primeiros julgados sobre o tema têm sufragado majoritariamente a opinião aqui exposta. Alentado parecer da OAB de São Paulo – Comissão Especial de Direito Condominial, é da mesma opinião.

Aguardemos que as partes que eventualmente conflitem nessa área consigam a melhor solução.

Silvio Venosa
Fonte:GEN Jurídico

ÍNDICE QUE CORRIGE ALUGUEL SOBE 0,88% EM FEVEREIRO


O Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), usado para reajustar a maioria dos contratos imobiliários, subiu 0,88% em fevereiro, após variar 0,01% em janeiro, diante da pressão mais forte dos preços no atacados, egundo divulgou nesta quarta-feira (27) a Fundação Getulio Vargas (FGV).

Com este resultado, o IGP-M acumula alta de 0,89% no ano e de 7,60% nos últimos 12 meses.

Em fevereiro de 2018, o índice havia subido 0,07% e acumulava queda de 0,42% em 12 meses.

O IGP-M sofre uma influência considerável das oscilações do dólar, além das cotações internacionais de produtos primários, como as commodities e metais.

O índice encerrou o ano de 2018 com uma alta acumulada de 7,54%, acima da inflação oficial do país, medida pelo IPCA, de 3,75%. Em 2017, o índice teve deflação de 0,52%.

O Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), que mede os preços no atacado e que responde a 60% no cálculo do IGP-M, subiu 1,22% em janeiro após queda de 0,26% em dezembro. A principal contribuição para este resultado partiu do subgrupo alimentos in natura, cuja taxa de variação passou de 3,54% para 17,41%, no mesmo período.

O Índice de Preços ao Consumidor (IPC), relativo aos preços no varejo, que responde a 30% do cálculo, variou 0,26% em fevereiro, ante 0,58% em janeiro.

Já o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) variou 0,19% em fevereiro, contra 0,40% em janeiro.

Fonte: G1 Economia

COMPLIANCE IMOBILIÁRIO: A IMPORTÂNCIA DAS REGRAS


Compliance. Você sabe o que é isso? Uma palavra incorporada recentemente ao nosso vocabulário de negócios vem do inglês “comply”, que pode ser traduzida como “agir em sintonia com as regras”. No mercado imobiliário brasileiro, o conceito também chegou e inclui a responsabilidade de informar ao Conselho de Controle de Operações Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, a suspeita de negociações ilícitas, seja na origem do dinheiro usado, no valor declarado do negócio ou no registro irregular do imóvel.

Os imobiliaristas têm ainda o dever de verificar a regularidade do índice cadastral de um imóvel perante os mais diversos órgãos, de acordo com a sua natureza (rural ou urbano), podendo ser destacados como principais o Registro de Imóveis, o Incra, a Receita Federal e a Prefeitura Municipal. Devem ainda ser observados, para o imóvel urbano, a Licença de Ocupação (“Baixa e Habite-se”) e o Alvará de Localização e Funcionamento, caso seja nele exercida qualquer atividade econômica. É importante também considerar as normas urbanísticas, como o Plano Diretor, a Lei de Zoneamento Urbano, a Lei de Parcelamento, a Lei de Uso e Ocupação do Solo e a Lei de Perímetro Urbano.

Orientação sobre a matrícula do imóvel 

Cabe ainda aos imobiliaristas a orientação quanto à matrícula do imóvel perante o Cartório de Registro de Imóveis competente, tanto para os imóveis rurais quanto para os imóveis urbanos, uma vez que só é dono quem registra. A ausência do registro impede a transmissão da propriedade do imóvel, transformando o então proprietário em simples posseiro. Todos os contratos particulares assinados, assim como as escrituras públicas lavradas e não registradas, não bastam para transmitir a propriedade de um imóvel. Somente depois do registro do título aquisitivo na matrícula é que o imóvel pode ser considerado regular sob o ponto de vista registral/imobiliário, configurando um ativo íntegro e seguro.

Importante também é a regularização da situação das servidões instituídas, como as linhas de transmissão, minerodutos, gasodutos, oleodutos e aquedutos. O risco, no caso de inexistência de servidão regulamentada, é de futuros questionamentos de terceiros envolvendo a posse sob o imóvel.

A implementação e revisão de políticas de Compliance Imobiliária, com a realização de ações que visem a regularização imobiliária, são essenciais para que se possa gerir os bens de seus clientes de forma eficiente, considerando a responsabilidade do administrador de proteger, preservar e valorizar os bens imóveis. Em junho de 2009, a CGU e o Instituto Ethos publicaram o primeiro guia brasileiro para orientar as ações das empresas que se preocupam em contribuir para a construção de um ambiente íntegro e de combate à corrupção: “A Responsabilidade Social das Empresas no Combate à Corrupção.”

Cumprir a regulamentação

No geral, o conceito de “compliance” significa estar totalmente alinhado às normas e política internas de uma empresa, assim como com as diretrizes externas estabelecidas em forma de leis. Em resumo, é cumprir à risca todas as imposições dos órgãos de regulamentação, dentro dos padrões exigidos para o segmento do seu negócio, com ética refletida no comportamento de seus funcionários, colaboradores e fornecedores. Portanto, se queremos um país melhor, eis um caminho a seguir: conhecer, incorporar e exigir programas de compliance nas empresas das quais participamos ou com as quais negociamos.

Implantar programas de compliance nas empresas virou mais que moda ou tendência. Tornou-se uma necessidade para conseguir os selos que asseguram a idoneidade para participar de algumas licitações e para garantir ao consumidor que ele está negociando com uma organização com princípios e valores em que pode confiar.

Para alertar os profissionais e empresas do mercado imobiliário sobre os riscos e vantagens da implantação de um programa de compliance para que busquem se adequar às regras e exigências no país, promovemos recentemente uma palestra com os advogados especialistas Mariana Cardoso Magalhães e Bernardo José Drumond. Eles destacaram que que não é possível imaginar uma economia nos dias de hoje funcionando sem compliance.

Enfim, compliance é colocar em prática a ética. Nosso mercado trabalha com a confiabilidade, com credibilidade. Nada mais tranquilo que incorporar o conceito em nossas empresas.

Cássia Ximenes - Jornalista, especialista em negócios imobiliários, empresária e presidente da CMI/Secovi-MG (Câmara do Mercado Imobiliário e Sindicato das Empresas do Mercado Imobiliário de Minas Gerais).

CONSTRUTORA PAGAR QUOTA DE CONDOMÍNIO MENOR É ILEGAL


Construtora elabora unilateralmente a convenção de condomínio, onde a cobrança indevida é maquiada

A construtora, aproveitando-se do fato da maioria dos compradores não lerem a convenção, que vem impondo aos proprietários de unidades adquiridas na planta uma relação leonina. Isso ocorre quando o edifício é entregue aos adquirentes, e ainda faltam algumas unidades a serem vendidas, sendo os moradores obrigados, por força da escritura de convenção, pagar a quota de condomínio num valor superior ao que seria correto. 

A construtora, ao elaborar sozinha a convenção do condomínio, estabelece que somente as unidades vendidas pagarão a quota de condomínio integral e que as unidades que pertencem ao investidor/construtora, enquanto não forem vendidas pagarão, por exemplo, apenas 30% da quota de condomínio. Tal cláusula abusiva é encontrada também em alguns estatutos de associação de condomínios fechados, onde os lotes de propriedade do loteador se valorizam à custa dos adquirentes que assumem todas as despesas de manutenção e conservação do empreendimento. 

Prejuízos expressivos em alguns casos

O cálculo funciona da seguinte maneira: se o valor das despesas ordinárias (porteiros, faxineiras, água, energia elétrica, etc) resulta na quota de condomínio de R$1.000,00 por unidade ocupada ou vendida, a construtora pagaria somente R$300,00 (30%) pela unidade que ainda está à venda. 

O problema gera prejuízos expressivos em alguns casos, pois na hipótese de um edifício com 50 unidades, tendo sido vendidas apenas 20 apartamentos, os 30 apartamentos da construtora pagariam R$9.000,00. O valor de R$21.000,00, referente aos 70%, seriam transferidos para os 20 apartamentos, os quais pagariam a quota de R$1.000,00 mensal acrescida de R$1.050,00 que seriam de responsabilidade da construtora. O resultado seria cada proprietário que comprou o apartamento ser cobrado no valor mensal de R$2.050,00, o que configura ilegalidade, por acarretar enriquecimento sem causa do construtor. 

Convenção unilateral

Pelo fato da convenção ser elaborada unilateralmente pela construtora, a cobrança indevida é maquiada, como se fosse legal, e os condôminos por confiarem em demasia pagam a quota acima do valor correto sem nada questionar.

A obrigatoriedade de pagar as despesas de condomínio decorre do direito de propriedade, sendo o condômino é obrigado a pagar as despesas de conservação e manutenção da edificação/condomínio, independentemente de residir/trabalhar ou não na sua unidade. O valor a ser pago por todas as unidades deve ser igualitário, pois se paga pelo que se utiliza ou pelo que está à disposição, sendo que a lei determina que todos os moradores têm o mesmo direito de usufruir das áreas comuns e dos empregados. 

Tendo em vista que essas despesas beneficiam todas as unidades, inclusive, as que estão à venda, qualquer regra que venha a isentar ou reduzir o percentual de participação de unidade não vendida no pagamento dos custos necessários à preservação da propriedade coletiva, acarretará enriquecimento ilícito pelo beneficiado.

Forma de lucro condenável

A construtora que impõe tal cláusula na convenção visa o lucro e a redução de despesas de forma condenável, transferindo ilegalmente a responsabilidade aos demais condôminos. Porém, trata-se de típica relação de consumo entre os compradores prejudicados e a construtora, motivo pelo qual a cláusula que determina esse rateio desigual é abusiva e pode ser anulada, conforme o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: […] IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

Diante da ilegalidade, os condôminos, devidamente assessorados juridicamente, podem valer-se da lei e de sua autonomia administrativa para rerratificarem a convenção, de modo a garantir o rateio justo entre todas as unidades incluindo-se as que são de propriedade da construtora ou da empresa loteadora, conforme o caso.
 
Consolidação do prejuízo

A condução amadora num caso dessa complexidade pode resultar na consolidação do prejuízo, já que a construtora ou loteadora possui um departamento jurídico competente, apto a afrontar o síndico que não tem domínio das diversas leis aplicáveis ao caso. Os condôminos lesados, mediante uma condução técnica, podem ainda, exigir o reembolso de todas as despesas pagas a mais no período em que vigorou a convenção elaborada pela construtora ou pelo loteador. 

A prática dessas táticas montadas pelas construtoras e loteadoras decorre da desunião dos compradores, que deixam de se defender de forma adequada ao não se organizarem mediante uma assessoria jurídica unificada e especializada, favorecendo assim prejuízos que poderiam ser evitados. 

Kênio de Souza Pereira - Advogado e presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG; Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis.
Fonte: Artigos Emorar

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

QUEDA NO MINHA CASA, MINHA VIDA PREOCUPA A CBIC


O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, expressou, ontem, preocupação com os rumos do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida ao apresentar o estudo "Indicadores Imobiliários Nacionais" referente a 2018. Segundo Martins, em janeiro, as contratações do programa habitacional chegaram a 14 mil unidades, ante 78 mil unidades no primeiro mês do ano passado.

"As contratações do programa em janeiro caíram mais de 80% em relação ao mesmo mês do ano passado, em decorrência da transição de governo", disse Martins.

Os números de fevereiro ainda não estão fechados, mas conforme o representante setorial há sinais de que não foram muito diferentes dos de janeiro. A CBIC solicitou reunião com o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, e com o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, para tratar de questões referentes ao Minha Casa, Minha Vida.

"Não sabemos o quanto vamos recuperar de contratações do Minha Casa, Minha Vida ao longo do ano", disse Martins. De acordo com o presidente da CBIC, como o programa responde por dois terços do mercado, "qualquer 'movimentozinho' é um tsunami".

O orçamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para este ano está 5% menor do que o que foi previsto para 2018, segundo o representante setorial. Segundo ele, os recursos do Tesouro Nacional destinados a subsídios só puderam ser liberados após a sanção da Lei Orçamentária, em meados de janeiro.

Apesar da preocupação com o programa, Martins afirmou estar muito otimista com o mercado imobiliário brasileiro. A CBIC prevê crescimento de lançamentos em 2019. Enquanto se espera pelo menos estabilidade para o volume lançado no Minha Casa, Minha Vida, a expectativa para as unidades financiadas com recursos da poupança é de alta de 20% a 30%.

Segundo o presidente da entidade, a expansão do setor independe da aprovação da reforma da Previdência. "Se houver a reforma da Previdência, o desempenho fica melhor", afirmou Martins.

No ano passado, os lançamentos de imóveis residenciais aumentaram 3,1%, para 95.566 unidades, de acordo com levantamento da CBIC. As vendas cresceram 19,2%, para 120.142 unidades.

A oferta final disponível de imóveis, no Brasil, era de 124.028 unidades no fim do ano passado, volume 10,8% menor do que o do encerramento de 2017. Na prática, se não houver mais nenhum lançamento, neste ano, o total de imóveis disponíveis no mercado será vendido em onze meses. "O número de unidades em estoque está muito baixo", disse Martins.

No quarto trimestre, os lançamentos de imóveis residenciais caíram 9%, na comparação anual, para 34.939 unidades. De outubro a dezembro, as vendas aumentaram 4,4%, para 34.378 unidades, conforme a CBIC. 

Fonte: VALOR ECONôMICO

DIVULGAÇÃO: CURSO DE AVALIAÇÃO IMOBILIÁRIA

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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

PROPRIETÁRIO TEM O DIREITO DE LOCAR IMÓVEL POR MEIO DE APLICATIVO


Algumas preocupantes decisões de primeira instância têm proibido proprietários de unidades condominiais a locar seus imóveis por meio de aplicativos ou plataformas on-line, principalmente a mais conhecida: Airbnb.

Baseando, equivocadamente, em disposições sobre hospedagens como hotéis e albergues, os juízos decidem proibir a livre utilização da propriedade privada, em clara contradição à Constituição e ao Código Civil.

Veja-se que o Estado brasileiro é alicerçado em alguns pilares democráticos que são norteadores da nossa sociedade, sendo um deles o da propriedade privada (artigo 5º, caput e inciso XXII da CF), garantia fundamental a todos os brasileiros estendida. Ainda nessa esteira, percebe-se que a eventual proibição sem amparo legal contraria o princípio-garantia da legalidade (artigo 5º, inciso II, CF).

Seguindo a hierarquia jurídica das normas e leis brasileiras, o proprietário e condômino detém alguns direitos inerentes ao seu imóvel, propriedade privada, podendo dele usufruir livremente, se não perturbar o sossego de seus vizinhos ou fizer obras que comprometam a segurança da edificação. As disposições sobre livre utilização do bem estão inseridas nos artigos 1.228 e 1.335 do Código Civil.

Ocorre que o Judiciário tem decidido proibir o uso garantido pela Constituição e pela lei civil com base nas convenções condominiais, que por vezes têm regras sobre festas ou barulho nas unidades condominiais, e no Decreto 84.910, de 1980, que não é aplicável aos particulares que locam imóveis.

O que se vê pela redação do decreto é a necessidade de certos registros e verificações para que uma “hospedagem de turismo” seja devidamente autorizada pelo poder público a ser utilizada pelos turistas. Diz o artigo 3º deste decreto que “somente poderão explorar ou administrar Meios de Hospedagem de Turismo, Restaurantes de Turismo e Acampamentos Turísticos, no País, empresas ou entidades registradas na Empresa Brasileira de Turismo – EMBRATUR”.

Contudo, o mesmo decreto dá o conceito de “hospedagem”, restringindo, assim, a sua própria amplitude: “os empreendimentos ou estabelecimentos destinados a prestar serviços de hospedagem em aposentos mobiliados e equipados, alimentação e outros necessários aos usuários”, e que, de certo, exclui a hipótese de o particular locar um apartamento, por exemplo.

Isso não bastasse, fica claro que o decreto não pode se sobrepor à Constituição ou ao Código Civil, de maneira que sua utilização na ação movida por condomínios ou condôminos é patentemente equivocada.

Dito isso, fica claro que não haveria empecilhos para o proprietário que quisesse locar seu imóvel por meio de uma plataforma digital, pois a forma que se faz a contratação é lícita, desde que obedecida a Lei 8.245/91, a Lei da Locação.

Ou seja, parece-nos que a situação está, infelizmente, se aproximando de outras tantas em que uma plataforma digital ou inovadora toma o mercado de surpresa e há grande confusão na aplicação da legislação em vigor, causando entendimentos equivocados, como o que comentamos neste artigo.

Entretanto, a solução é mais simples do que se imagina. Temos diversas técnicas e disposições para tratar lacunas legais ou outros tipos de inovações que traga a sociedade para a apreciação do Judiciário, tais como as regras gerais, os princípios e fundamentos da Constituição Federal, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que não foram, ao que parece, utilizados nos casos em comento.

De que maneira se trate a questão, ao nosso ver, o resultado será o mesmo: o proprietário tem o direito de locar seu imóvel nos termos da Lei 8.245/91, seja por meio de contrato escrito e mediação de imobiliária ou por aplicativo/plataforma on-line.

Se há eventual desrespeito às regras internas do condomínio, dispostas nos seus estatutos ou convenções, o proprietário arcará com as consequências neles redigidas, lembrando-se que não é possível proibir a locação por meio de tais instrumentos condominiais. Há, ainda, a figura da responsabilidade civil por eventuais excessos ou ilicitudes praticados pelos locatários, sendo certo que também haveria o direito de regresso contra os mesmos locatários.

Fato é que não se pode proibir por meio de decisão judicial ato ou contratação que a lei expressamente permite sem que haja ilegalidade ou desrespeito aos ditames da mesma lei que autoriza (no caso, a Lei 8.245/91), por força do princípio da legalidade, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (artigo 5º, inciso II, CF). Nesse sentido, como se percebe que é impossível enquadrar o condômino como “hospedagem de turismo”, não entendemos possível que as decisões proibitórias prosperem.

De certo, temos, como sociedade, que encontrar meios adequados de tratar as situações como a descrita neste artigo à luz da Constituição e da lei aplicável, sem deturpar ou extirpar direitos fundamentais dos cidadãos de bem, e, simultaneamente, tratando e punindo aqueles que excedem ao usufruir dos mesmos direitos fundamentais em detrimento dos seus iguais.

Rogamos para que o Judiciário e demais aplicadores do Direito brasileiro possam, rapidamente, criar um consenso sobre a matéria das locações de unidades condominiais por meio de aplicativos e por curto espaço de tempo, unificando a jurisprudência e protegendo a segurança jurídica necessária para a nação.

Marcos Batalha Júnior - Sócio do Batalha e Oliveira Sociedade de Advogados, especialista em Direito Empresarial e Direito e Processo do Trabalho e head do Departamento Jurídico das Empresas do Grupo Polynt-Reichhold na América do Sul.
Marcelo Dias Freitas Oliveira - Sócio do Batalha e Oliveira Sociedade de Advogados, especialista em Direito Tributário e Políticas Públicas e Controle Externo.
Fonte: Conjur

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

MINISTÉRIO DA ECONOMIA LANÇA ÍNDICE DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL

Em parceria com as entidades, o Ministério da Economia anunciou, nesta sexta, os primeiros dados do índice de registro de imóveis no país, elaborado pela Associação de Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP) e Associação de Registradores Imobiliários do Rio de Janeiro (ARIRJ), com consultoria técnica e metodológica da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

Os primeiros índices divulgados se referem aos municípios de São Paulo e Rio de Janeiro e contemplam dados referentes às transferências imobiliárias, quantidade, natureza e tipo de imóvel – do período de 2012 a 2018. A capital paulista registrou 159 mil transações imobiliárias no ano passado, o que representa aumento de 13% na comparação com 2017. O município do Rio de Janeiro teve alta de 1%, totalizando 66 mil transações no mesmo período.

Com previsão de divulgação mensal, o Índice do Registro de Imóveis do Brasil ficará disponível para consulta no portal https://www.registroimobiliario.org.br/portal-estatistico-registral. Segundo o ministério, nos próximos meses serão anunciados dados sobre financiamentos imobiliários, inclusive execuções de inadimplentes feitas pelos registros de imóveis e eficiência na recuperação desses créditos. Em breve os índices abrangerão todo o estado de São Paulo e Rio de Janeiro, além dos demais estados envolvidos no projeto. Até o momento, também fazem parte dessa iniciativa os estados do Paraná, Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará, Pernambuco e Pará. Os registradores de Imóveis remetem os dados pertinentes às entidades estaduais, analisados pela Fipe.

Também foi criado um grupo de trabalho que vai atuar na melhoria da posição no ranking do Doing Business, sistema que avalia os ambientes de regulamentos para fazer negócios e sua implementação em 190 países. O Brasil está na 109ª posição no ranking. A meta do governo é chegar ao final de 4 anos de mandato na 50ª posição.

O indicador pode ajudar na melhoria da colocação. Além disso, de acordo com o Secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, na próxima semana devem ser anunciadas medidas para facilitar a abertura de empresas, o que também contribui para a melhoria do ambiente de negócios. Para o governo, o índice servirá como termômetro para o mercado imobiliário, tendo impacto na qualificação de políticas públicas e possibilitando melhores decisões do setor privado sobre o mercado imobiliário. "Com isso, você pode rever políticas habitacionais, políticas de crédito, políticas de acesso à terra, facilidade de fazer registro. Você consegue determinar se uma política pública no passado teve ou não efeito", declarou Uebel.

Fonte: Revista Amanhã com informações da Agência Brasil

QUAL O TAMANHO DO MERCADO IMOBILIÁRIO NO BRASIL?


Parceria entre governo, registradores de imóveis e Fipe começa a responder essa questão de forma objetiva, melhorando a nota do país no ranking de facilidade de negócios do Banco Mundial

Quando o presidente Jair Bolsonaro esteve no Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, ele estabeleceu uma meta desafiadora para o ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o Brasil deveria figurar entre os 50 melhores países para se fazer negócios até o fim de seu mandando em 2022.

Atualmente o país está em 109º lugar no ranking “Doing Businiess”, elaborado pelo Banco Mundial, e uma das primeiras ações do grupo de trabalho formado para levar o país a galgar pelo menos 59 posições vai atuar no quesito “registro de propriedades”, um dos dez pontos que são observados para determinar a posição no ranking.

O interessante é que ao atuar para sanar essa deficiência, uma externalidade positiva apareceu. Com ajuda da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) os cartórios de imóveis passaram a disponibilizar as informações sobre transferências, compra e venda de imóveis.

Nesta primeira etapa teremos acesso aos dados nos mercados das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, mas outros Estados já se comprometeram a abrir os números também, como Paraná, Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará, Pernambuco e Pará. Os dados estão aqui.

A inciativa foi lançada, nesta sexta-feira, pelo secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, em conjunto com o secretário especial adjunto da secretaria de Modernização do Estado da Presidência da República, coronel Odilon Mazzini, a coordenadora do departamento de estatística da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP), Patrícia Ferraz, o diretor da Associação dos Registradores Imobiliários do Rio de Janeiro (ARIRJ), Bruno Mangini de Paula Machado, o coordenador de Pesquisas da Fipe, Eduardo Zylberstajn.

Segundo Zylberstajn, para realizar qualquer negócio é importante conhecer o mercado no qual se vai atuar e a ausência de informações sobre o mercado imobiliário, um dos mais importantes em qualquer país, sempre surpreendeu.

De acordo com o especialista, na recente crise o preço dos imóveis caiu relativamente pouco, sugerindo uma rigidez de preço nesse mercado. Se o preço não caiu é de se supor que o ajuste se deu na liquidez do mercado. “Mas ninguém sabia o tamanho do mercado”, explicou.

Agora, sabemos que em São Paulo, entre 2012 e 2018 ocorreram entre 12 mil a 15 mil transferências de imóveis por mês, e que a maior parte deles decorreu de operações de compra e venda. No Rio de Janeiro os números variavam de 2 mil a 6 mil por mês nesse intervalo de tempo (gráficos abaixo).


Essa disparada nos registros vistas em São Paulo em 2015 foi reflexo de uma antecipação das operações em função de um aumento no ITBI.


Dados do Rio de Janeiro mostram sazonalidade forte nos meses de dezembro.

Em todo o ano de 2018, São Paulo registrou 100 mil operações de compra e venda e o Rio de Janeiro teve 43 mil operações do tipo. Considerando as demais modalidades de transferência, os montantes sobem a 159 mil em São Paulo e 66 mil no Rio.


O ano de 2018 também marcou o segundo ano de recuperação nas transações de compra e venda vindo de um mínimo da série de 80,5 mil em 2015 em São Paulo e 39 mil no Rio de Janeiro. Em 2012, início da série o mercado se mostrava mais aquecido, com 146 mil registros em São Paulo e 60 mil no Rio de Janeiro.


Em breve as séries serão mais abrangentes, distinguindo entre casas, apartamentos, terrenos, galpões e lajes corporativas. Também serão acrescentados dados sobre volume de imóveis financiados e aqueles que foram retomados por inadimplência.

Como não há prazo obrigatório para registro, os dados captam tanto a data dos negócios como o registro efetivo. Portanto, as séries passarão por revisões periódicas. Os dados são “oficiais” e ajudarão a formar um melhor panorama do setor ao se somarem aos números compilados por entidades como a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Sindicato da Habitação (Secovi) e Abecip.

Segundo Uebel, a iniciativa será apresentada em dois eventos marcados para a semana que vem, em São Paulo e Rio de Janeiro, aos especialistas que respondem aos questionário do relatório “Doing Business”. A ideia é melhorar a qualidade das respostas, algo que pode render melhora na pontuação do país.

Além do registro de propriedades, também são avaliados os quesitos abertura de empresas, alvarás de construção, acesso à eletricidade, acesso ao crédito, proteção de acionistas minoritários, qualidade/tempo para pagamento de impostos, comercio exterior e solução de insolvência.

A próxima ação do governo, segundo Uebel, será voltada à facilitar a abertura de empresas e deve ser anunciada já na próxima semana.

O coronel Mazzini, que coordena do grupo, lembrou que o país tem mais de 5 milhões de normativos vigentes e a cada dia 750 novos normativos são editados por diferentes esferas de governo. "Diminuir essa quantidade de normativos vai deixar o país mais competitivo", afirmou.

Eduardo Campos
Fonte: Seu Dinheiro

CINCO QUESTÕES JURÍDICAS SOBRE O APP QUINTO ANDAR


Ao tratar da estrutura das revoluções científicas ("The Structure of Scientific Revolutions", título de seu livro mais conhecido), Thomas Kuhn apresenta ponto de vista que pode ser utilizado para entender a relação entre lei e tecnologia. Para Kuhn, quando certos postulados, e o conhecimento científico produzido com base neles, não mais soluciona determinados problemas, as respostas devem ser buscadas fora deste quadro.

Kuhn refere-se aqui ao conhecimento produzido por revolução, e não meramente por acumulação; na primeira hipótese, a resposta pretendida somente é alcançada, metaforicamente, através da construção de uma nova peça para o quebra-cabeça, ausente no conjunto disponibilizado pelo conhecimento científico existente sobre determinado tema. Nas palavras dele, quando isto ocorre tem-se a erupção de um novo paradigma científico, que supera o anterior.

Kuhn faleceu em 1996 e não viveu para conhecer Uber, Spotify, iFood, Rappi, nem qualquer uma das startups que não sabíamos que precisávamos e que hoje não conseguiríamos viver sem. Cada um destes negócios, em conjunto com inúmeros outros, tem em comum a tensa relação com a lei, que não raro os obriga a transgredi-la para ter sucesso.

De forma análoga à tese de Thomas Kuhn, estes negócios nascem radicalmente ilegais em alguma medida, mas precisam desafiar a lei vigente para proporem soluções a problemas reais de seus consumidores. Ao final, colocam certos setores do mercado e sua própria regulação jurídica em um novo patamar (vide, neste sentido, Youtube, Netflix, dentre outros exemplos).

É sob este pano de fundo que a comunidade jurídica observa o avanço do Quinto Andar, um aplicativo brasileiro que une locatários e locadores, cujo sucesso pode ser medido pelos seus incríveis números – captação de investimentos junto a fundos internacionais de mais de 1 bilhão de reais em pouco mais de 5 anos de vida... -, como pelos elogios recorrentes dos usuários. O modelo de negócios levanta 5 questões jurídicas com as quais a plataforma e os tribunais serão confrontados na medida do avanço deste novo modelo de negócio.

1. As relações jurídicas estabelecidas através do Quinto Andar são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor?

O Quinto Andar tem como objetivo declarado desburocratizar o contrato de locação. Para atingi-lo, uma das frentes utilizadas é a padronização das condições contratuais das locações firmadas no âmbito do aplicativo. Conforme consta do site da plataforma, "padronização é essencial para garantirmos a segurança e agilidade do processo para todas as partes envolvidas. Temos um contrato padrão que cobre todas as condições gerais da locação, as quais não são negociáveis".

Esse dado atrai um debate que parecia superado, a respeito da possível aplicação do Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90) aos contratos de locação. Ainda que se possa indicar certa discussão na doutrina1, de fato a jurisprudência da Terceira2 e da Quarta Turma3 do Superior Tribunal de Justiça há muito assentou ser inaplicável a legislação consumerista às relações regidas pela lei 8.245/91.

O modelo de negócio do Quinto Andar insere novos elementos no debate, o que justifica a questão aqui posta: (i) as locações não são livremente negociadas, sendo negociável apenas o valor do aluguel; e (ii) o uso da plataforma eletrônica é oferecida ao mercado de consumo como atividade fim do Quinto Andar, tornando fora de dúvida a incidência do CDC entre o usuário e o aplicativo. À luz de tais elementos, sendo os termos da locação padronizados, é relevante discutir se as normas estipuladas na locação, neste caso específico, podem igualmente ser objeto do escrutínio das normas consumeristas.

Para tanto, deve-se ter em vista que, na comum expressão utilizada no mercado de tecnologia, pode-se dizer que o Quinto Andar é um marketplace: o seu principal negócio não é vender produtos aos seus usuários, mas sim uni-los para que viabilizem um contrato entre si (no caso, a locação). Sua função é tornar possível o match, o encontro, entre quem quer ceder um imóvel e quem quer pagar o aluguel. Ao oferecer esta plataforma no mercado de consumo, padronizando inclusive o negócio em torno do qual pretende unir locador e locatário, a caracterização da relação de consumo parece clara.

O seu serviço é viabilizar a locação, unindo em torno disso a garantia, a segurança e a ausência de burocracia oferecidas a locador e locatário. O Quinto Andar atua no mercado de consumo com intuito lucrativo, habitualidade e profissionalismo, sendo evidente a sua condição de fornecedor na forma do CDC (art. 3º); seus usuários, por sua vez, são os destinatários finais de sua atividade empresarial (art. 2º, CDC), em linha com a teoria finalista adotada pela doutrina4 e pela jurisprudência da Seção de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça5.

Assim, a Lei de Locações regerá a relação locatícia; este específico contrato firmado no âmbito do Quinto Andar, no entanto, será regido igualmente, naquilo que for cabível, pelo Código de Defesa do Consumidor. A dupla regulação não deve surpreender, nem é algo incomum, podendo-se tomar como exemplo o que ocorre com os contratos de plano de saúde, igualmente regulados pela lei federal 9.656/98 e, de modo geral, pelas normas do CDC.

No caso do Quinto Andar, o que de interessante se observa é que a relação de cada usuário com o aplicativo, aquele que pretende ser locador e o que busca ser locatário, é inegavelmente uma relação de consumo. Eventualmente se a plataforma permitisse uma livre negociação dos termos contratuais, poder-se-ia cogitar da não incidência do CDC na relação construída pelas partes, de modo que o Quinto Andar se mantivesse como uma espécie de corretor imobiliário entre os seus usuários. Na realidade, no entanto, ao padronizar o contrato ao qual as partes aderirão, parece claro que este bloco de relações jurídicas entrelaçadas em regime de evidente coligação contratual deverá ser regido pelo Código de Defesa do Consumidor, e não apenas pela Lei do Inquilinato.

2. O Quinto Andar pode ser responsabilizado civilmente por danos causados por uma parte à outra do contrato?

Outra questão que se coloca diz respeito à responsabilidade civil por danos causados por uma parte à outra do contrato. Os possíveis exemplos são vastos, como ocorreria se o locatário quebrasse equipamentos do locador mantidos dentro do imóvel, ou se o locador desistisse unilateral e injustificadamente de ceder o imóvel em locação, causando prejuízos ao locatário.

A aplicação do CDC, indicada anteriormente, aponta para a responsabilidade objetiva do Quinto Andar na hipótese (art. 14, CDC). O descumprimento do contrato por parte de um usuário que contratou com outro por intermédio da plataforma impõe o dever de indenizar da empresa que opera o aplicativo, que por oferecer o seu produto ao mercado responde pelos danos causados decorrentes do contrato que ela própria viabilizou.

Ao auferir vantagem econômica através do match viabilizado entre locador e locatário, o Quinto Andar insere-se na cadeia econômica, responsabilizando-se em face do locador pelos locatários que com ele contratarão e, lado outro, em face do locatário pelos locadores que ali disponibilizam seus imóveis. Deste modo, aplica-se o regime de solidariedade no âmbito da cadeia de consumo, sendo o aplicativo também responsável pelos danos causados por um contratante ao outro, nos termos do art. 25, §1º, CDC. Também aqui a jurisprudência brasileira parece madura ao reconhecer a responsabilidade dos marketplaces, em linha com o que aqui se defende6.

3. O contrato assinado eletronicamente pelo Quinto Andar pode ser averbado na matrícula do imóvel?

As locações firmadas no âmbito do Quinto Andar não dependem de assinatura física, nem de instrumento físico, por escrito. Com o objetivo de eliminar burocracias, o contrato é enviado aos usuários, que o aprovam e o assinam digitalmente.

A assinatura digital é reconhecida como meio idôneo para manifestação de vontade no âmbito de contratos. Com ela, a assinatura física é substituída pelo uso de uma chave digital, que valida o que foi assinado e quem assinou.

Essa tecnologia tem suporte legal nos termos da Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e garante a autenticidade, integridade e validade jurídica de documentos em forma eletrônica. Firmado sob este arcabouço legal, os contratos assinados eletronicamente no âmbito da plataforma Quinto Andar são plenamente válidos, não havendo, sob o ponto de vista dos efeitos jurídicos, qualquer distinção quando comparados com os contratos firmados por escrito e assinados fisicamente.

Uma possível restrição, todavia, pode ser apontada: o contrato assim firmado no Quinto Andar pode ser objeto de averbação junto a matrícula do imóvel? É sabido, por exemplo, que a Lei de Locações prevê a possibilidade de averbar o instrumento de locação com o fito de atribuir eficácia em face de terceiros, como ocorre com o direito de preferência (art. 33) e na hipótese de alienação do imóvel durante a locação (art. 8º).

A locação não depende de instrumento público, como se sabe. Assim, a averbação pode ser feita à luz de mero instrumento particular. Pode-se, então, vislumbrar a possibilidade de protocolo do contrato físico, impresso, já com as comprovações de que as assinaturas digitais das partes foram efetuadas. Como a certificação torna o ato de reconhecimento de firma prescindível, a via física do contrato nesta hipótese terá rigorosamente o mesmo valor que um instrumento particular cujas assinaturas foram reconhecidas por um tabelionato, de modo que nenhum óbice poderá ser levantado para a averbação no caso.

O reconhecimento da assinatura digital para fins registrais, no entanto, dependerá da regulamentação por parte dos respectivos tribunais.

Convém destacar que a averbação não depende apenas do contrato em si. É obrigatório que no instrumento "tenha sido consignada cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada" (art. 167, I, "3", lei 6.015/73), além do "seu valor, a renda, o prazo, o tempo e o lugar de pagamento, bem como pena convencional" (art. 242, lei 6.015/73). Por fim, não se olvide que a Lei do Inquilinato exige a assinatura de duas testemunhas para que a averbação seja realizada (art. 33, parágrafo único).

4. Qual a natureza da garantia oferecida pelo Quinto Andar ao locador?

Sem dúvida uma das principais vantagens da plataforma Quinto Andar está no conjunto de garantias oferecidas ao locador. Além da diminuição dos procedimentos burocráticos e da maior possibilidade de negócios por meio de sua base de possíveis locatários, o aplicativo estimula a adesão dos proprietários de imóveis a partir da chamada Proteção Quinto Andar.

O aplicativo promete "mais facilidade e segurança para proprietários e inquilinos" anunciando ao usuário que "você tem a certeza que receberá o valor do aluguel em dia não importa o que aconteça, além de ter a integridade do seu imóvel garantida. Enquanto isso, os inquilinos não precisam pagar o seguro-fiança ou cheque-caução e nem encontrar um fiador".

É interessante observar que o novo modelo da Proteção Quinto Andar "substituiu o seguro-fiança, cujo valor era coberto pela imobiliária desde o fim de 2015", conforme noticiou a imprensa. Assim, não se tratando de uma fiança, nem de um seguro-fiança, como informa a plataforma, qual seria a garantia oferecida pelo aplicativo?

O contrato padrão utilizado pela plataforma não é disponibilizado antes da locação, o que dificulta a análise deste ponto. Com esta ressalva, mas tendo em vistas as informações divulgadas pela própria empresa, parece certo tratar-se de fato de uma fiança, a despeito do marketing da plataforma afastar esta modalidade de garantia.

Nos termos do art. 818 do Código Civil, pelo contrato de fiança "uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra". Sem dúvida este é o caso da garantia oferecida pelo aplicativo, que dá certeza ao locador, credor das obrigações assumidas pelo locatário, de que receberá pontualmente os aluguéis, a multa e eventuais indenizações por descumprimento contratual.

A fiança se constitui por escrito, quer seja no próprio contrato de locação, quer seja no contrato que a plataforma firma com o usuário dono de imóveis. Uma vez prevista tal garantia, independente do nomen juris que a ela se dê, ostentando ela as características do art. 818, a condição de fiança não poderá ser afastada pelas partes. E, ante este regime, deve-se ter claro alguns dos efeitos que eventualmente os usuários locatários não tem em vista: (i) o pagamento, pelo Quinto Andar, de valores devidos pelo locatário lhe sub-roga neste crédito; (ii) por tal razão, tudo o que vier a ser pago pelo Quinto Andar poderá ser cobrado do locatário (art. 831, Código Civil).

Ainda sob este ângulo, pense-se na hipótese de o contrato firmado através do aplicativo chegar ao seu termo final e as partes, sem dar ciência ao Quinto Andar, decidem manter o seu vínculo contratual, sem solução de continuidade, agora por prazo indeterminado. Trata-se de exemplo concreto, próprio das informais relações brasileiras no âmbito do mercado imobiliário. Veja-se que, neste caso, "salvo disposição contratual em contrário" – que não se sabe existente -, "qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado" (art. 39, lei 8.245/91).

Assim, o aplicativo poderá continuar responsável pelos débitos do locatário, mesmo não tendo ciência da prorrogação informal do vínculo inicialmente firmado no âmbito da plataforma.

5. A cláusula compromissória inserida no contrato padrão do Quinto Andar é válida?

Em caso de controvérsia entre as partes, o aplicativo informa que a lide será resolvida por um "tribunal de arbitragem". Aparentemente, o contrato padrão de locação firmado no âmbito do aplicativo prevê uma cláusula compromissória, por meio da qual as partes obrigam-se a sujeitar seus litígios à arbitragem, na forma do art. 4º da lei 9.307/96.

A hipótese, todavia, suscita debates. A relação entre contratos de adesão, particularmente aqueles que também são regidos pelo CDC, e as cláusulas compromissórias é polêmica e inconclusa.

Como premissa, dispõe art. 4º, §2º da Lei de Arbitragem que "nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição". Sendo a convenção de arbitragem um desdobramento natural da liberdade contratual, em grandeza tal que permite às partes inclusive afastar o Poder Judiciário na resolução de seus conflitos, a lógica da lei institui como principal elemento desta prerrogativa a efetiva manifestação de vontade de contratar uma cláusula tal.

É certo que a simples adesão a qualquer regulamento contratual pré-instituído também é manifestação de vontade. Todavia, dados os possíveis conflitos em razão da ausência de concreta negociação das cláusulas impostas por uma das partes, a Lei de Arbitragem previu mecanismo inteligente de atribuir ao aderente a iniciativa de instituir a arbitragem – opção em que a escolha pela arbitragem será sua, o que demonstra a inexistência de prejuízos; ou de manifestar expressamente sua vontade neste sentido, e não apenas aderir, comprovando assim sua ciência e concordância a respeito.

A fórmula prevista na lei, de fato, segundo Carlos Alberto Carmona, "protege o contratante mais fraco". É que, querendo a parte aderente a solução para seu litígio, "dará início ao procedimento [arbitral], contra o quê não poderá opor-se o contratante mais forte; e, não querendo optar pela via arbitral, bastará ao oblato propor demanda judicial, contra o quê também não poderá opor-se o policitante"7.

Por outro lado, em contratos regidos pelo CDC, como ocorre na locação por adesão do Quinto Andar, a legislação consumerista expressamente considera nula de pleno direito cláusulas que "determinem a utilização compulsória de arbitragem" (art. 51, VII). A disposição presente no Código do Consumidor é anterior à regra da Lei de Arbitragem, causando aparente conflito quando a cláusula compromissória for contratada em contratos de consumo.

Para o douto Professor Carmona, escrevendo logo após a publicação da Lei de Arbitragem, a solução deste conflito passaria pelo reconhecimento da invalidade da cláusula compromissória "em contrato que discipline relação de consumo"; isto, porém, não impediria que se introduza "a arbitragem pela via do compromisso: surgida a controvérsia, podem as partes, de comum acordo, celebrar compromisso arbitral para submeter o dissenso à solução de árbitros"8.

Essa posição mais restritiva, no entanto, encontra óbice na própria possibilidade de celebração de compromisso arbitral após a existência do conflito. De fato, se é possível por manifestação expressa de vontade submeter um conflito já existente à arbitragem, mesmo efeito haveria na instauração de arbitragem por parte do consumidor com aquiescência do fornecedor. A iniciativa por parte do consumidor ou a sua aquiescência posterior, previstas na Lei de Arbitragem, são as soluções já previstas no sistema para a compulsoriedade proibida no CDC.

A atribuição dessa espécie de eficácia condicionada à cláusula compromissória, posto que dependente da iniciativa do consumidor ou de sua aquiescência, tem dirigido o entendimento das duas Turmas da Seção de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça.

Em acórdão relativamente recente, por exemplo, decidiu a Terceira Turma, seguindo voto da relatora Ministra Nancy Andrighi, que "o art. 51, VII, do CDC limita-se a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem, no momento da celebração do contrato, mas não impede que, posteriormente, diante de eventual litígio, havendo consenso entre as partes (em especial a aquiescência do consumidor), seja instaurado o procedimento arbitral"9. De igual modo, no âmbito da Quarta Turma, também já se decidiu que "não há incompatibilidade entre os arts. 51, VII, do CDC e 4º, § 2º, da lei 9.307/96. Visando conciliar os normativos e garantir a maior proteção ao consumidor é que entende-se que a cláusula compromissória só virá a ter eficácia caso este aderente venha a tomar a iniciativa de instituir a arbitragem, ou concorde, expressamente, com a sua instituição, não havendo, por conseguinte, falar em compulsoriedade"10.

À luz do que se viu, não existem dúvidas de que a arbitragem prevista nas locações firmadas por intermédio da plataforma Quinto Andar não é obrigatória, mas uma alternativa à escolha de locador e , dependente da aquiescência da outra parte – como visto, ambos são igualmente consumidores. Surgindo controvérsia, caberá a cada uma das partes optar ou não pela via arbitral, considerando sobretudo os custos para tal, normalmente mais altos do que as despesas para ajuizar demanda judicial.

6. Conclusão

Com algum gracejo, diz-se que (alguns) advogados são deal brakers, sujeitos que, amarrados a paradigmas superados, seriam os responsáveis por dificultar a operação de novos modelos de negócio. A crítica é injusta: quer seja porque não parece ser esta a mentalidade da maior parte dos profissionais da área jurídica, quer seja pelo fato da lei, bem, ser a lei.

A lei não pode e não deve ser superada. O Poder Judiciário, hoje, atua como verdadeiro órgão regulador do mercado, sendo fundamental a empreendedores e usuários conhecer de que modo negócios como o Quinto Andar serão recebidos quando colocados sob a lente de juízes e tribunais.

Sem dúvida a plataforma Quinto Andar tem méritos e poderá revolucionar o mercado imobiliário brasileiro. Para que isto ocorra, convém que a comunidade jurídica possa ter claro quais são os seus limites e suas possibilidades.
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1 "Como se acenou, contudo, o microssistema do consumidor aplicar-se-á ao inquilinato, integralmente, sempre que o locador se posicionar como fornecedor, na definição do art. 3º da Lei. Não existe razão para a exclusão de aplicação". (VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do Inquilinato Comentada – Doutrina e Prática. São Paulo: Atlas, 10. ed., 2010, p. 23). Também assim: "(...) se tratando de locação residencial, aplicação das normas protetivas do CDC, em minha opinião, deveria ser a regra, com o que concorda apenas parte minoritária da jurisprudência" (MARQUES, Claudia. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: RT, 6. ed., 2011, p. 453).

2 AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RELAÇÃO LOCATÍCIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firmado no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável aos contratos locatícios. 2. Os argumentos expendidos nas razões do regimental são insuficientes para autorizar a reforma da decisão agravada, de modo que esta merece ser mantida por seus próprios fundamentos. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 111.983/RS, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21/08/2012, DJe 28/08/2012)

3 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESPEJO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 52 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. GRAU DE SUCUMBÊNCIA. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. (...) 2. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica a relações locatícias, porquanto regidas pela Lei 8.245/91. Precedentes. (...) 4. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no AREsp 253.960/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 14/4/2015, DJe de 6/5/2015)

4 Confira-se, por todos: "Parece-me que, restringindo o campo de aplicação do CDC àqueles que necessitam de proteção, ficará assegurado um nível mais alto de proteção para estes, pois a jurisprudência será construída em casos em que o consumidor era realmente a parte mais fraca da relação de consumo e não sobre casos em que profissionais-consumidores reclamam mais benesses do que o direito comercial já lhes concede. As exceções, sempre nesta visão teleológica devem ser estudadas pelo judiciário [...]". (BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 5ª ed. Revista dos Tribunais, 2013. p.94)

5 Em sucessivos julgados, a Segunda Seção firmou a orientação de que o destinatário final, para fins de incidência do CDC, “é aquele que ultima a atividade econômica, ou seja, que retira de circulação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfação própria, não havendo, portanto, a reutilização ou o reingresso dele no processo produtivo. Logo, a relação de consumo (consumidor final) não pode ser confundida com relação de insumo (consumidor intermediário)”. (REsp 1599042/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, j. 14/03/2017).

6 APELAÇÕES CÍVEIS. JULGAMENTO NA FORMA DO ART. 942 DO NCPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALUGUEL DE IMÓVEL PELA INTERNET POR INTERMÉDIO DO SITE IMOVELWEB. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA NÃO CONHECIDA. PRECLUSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO SITE RESPONSÁVEL PELA INTERMEDIAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO E QUE AUFERE LUCROS COM O SERVIÇO OFERTADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR. DEPÓSITOS DE ALUGUEL E CAUÇÃO EFETIVADOS SEM A ENTREGA DAS CHAVES E CONCRETIZAÇÃO DA LOCAÇÃO. FRAUDE. CULPA CONCORRENTE EVIDENCIADA. DIREITO À RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO PELA METADE. DANOS MORAIS NÃO OCORRENTES. (...) 2. Responsabilidade objetiva do fornecedor. A parte ré obtém lucro significativo com o serviço que disponibiliza e a partir daí deve responder por eventuais prejuízos decorrentes de fraudes que seu sistema de segurança não consiga impedir. Veja-se que o responsável pelo ilícito somente chegou até o autor graças ao serviço disponibilizado pela ré. Em outras palavras, a pessoa responsável pela conduta criminosa, somente chegou até o autor graças ao serviço disponibilizado pela ré, que lucra valores... significativos e até por isso deve responder quando o sistema mostra-se falho. Aplicação do disposto no art. 14 do CDC. 3. Caso concreto em que o autor interessou-se por locar um imóvel constante na plataforma da ré, cadastrando-se e solicitando maiores informações, sendo-lhe remetido o contato da anunciante pela ré. Efetuados depósitos de aluguel e caução tal como negociado, a locação não se consumou, amargado o autor o prejuízo. (...). (TJ-RS, Apelação cível 70073268286, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, publicado em 31/10/2017). JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. ALUGUEL POR TEMPORADA. IMÓVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PRELIMINARES REJEITADAS. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. (...) 5. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza consumerista, devendo a controvérsia ser solucionada sob o prisma do sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n.8.078/1990), que, por sua vez, regulamenta o direito fundamental de proteção do consumidor (artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal). 6. O art. 14 do Código de Defesa do Consumidor preconiza que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. 7. A questão dos autos reside no fato de o autor ter procedido à locação por temporada, inclusive com realização do respectivo pagamento, de um imóvel inexistente, anunciado nas páginas da recorrente, que somente aceita anúncios mediante remuneração diária do locador, e, em contrapartida, informa no site que para anunciar é necessária a comprovação formal da existência do imóvel e dos documentos pessoais do locador, e, no presente caso, isso não ocorreu. 8. Consta dos autos, ainda, que o autor/recorrido realizou cadastro no site da ré, ocasião em que procedeu a escolha do imóvel a ser locado, tendo solicitado o contato do proprietário na plataforma do sítio eletrônico (ID 4169525 e 4169528, pags. 03 e 04). Registre-se, ademais, que o proprietário, da mesma forma, apresentou sua resposta à solicitação do autor, utilizando-se da plataforma do site da ré (ID 4169528). Enfatize-se, ainda, que os dados constantes do contrato em questão estavam em consonância com o registrado no anúncio publicado/ofertado pela empresa ré (ID 4169527). Por fim, vislumbra-se que as respostas por email da recorrente, que fazem alusão ao anúncio do imóvel em seu sítio eletrônico (ID 4169528, pags. 07 e 09), bem como o formulário de pedido de reembolso com o timbre da empresa ré (ID 4169529, pags. 01 a 03) revelam sua responsabilidade com o ato ilícito praticado. (...) (TJ-DF, Recurso inominado n. 07500247820178070016, Relator: Fabrício Fontoura Bezerra, publicado em 22/08/2018)

7 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei n. 9.307/96. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 85.

8 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei n. 9.307/96. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 57.

9 REsp 1.753.041/GO, Rel. Ministra Nancy Andrigui, Terceira Turma, julgado em 18/09/2018, DJe de 20/09/2018.

10 REsp 1.189.050/SP, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 1º/03/2016, DJe de 11/03/2016.

Ermiro Ferreira Neto - Doutorando em Direito Civil (USP). Professor de Direito Civil e Direito Imobiliário da Faculdade Baiana de Direito (graduação e pós-graduação). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, Instituto Brasileiro de Direito Civil, Instituto de Direito Privado e Instituto Baiano de Direito Imobiliário. Advogado, sócio de Fiedra, Britto & Ferreira Neto Advocacia Empresarial.
Fonte: Migalhas Edilícias

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA: A TARIFAÇÃO EXPRESSA DA CLÁUSULA PENAL PELA LEI 13.786, A "LEI DOS DISTRATOS"


A Lei Federal 13.786, de 27 de dezembro de 2018, já em vigor, renova o marco regulatório do mercado imobiliário, de enorme importância para as incorporações e os loteamentos.

O texto da nova lei limita e tarifa a cláusula penal na hipótese de resolução do contrato, por inadimplemento da obrigação de pagamento do preço.

O propósito da nova regulamentação foi pacificar as relações de consumo, trazendo regras claras para reforçar a obrigatoriedade do vínculo contratual, como forma de proteção do empreendimento, da sociedade como um todo, e, principalmente, do bom consumidor.

A restituição é inerente à resolução do contrato e meio de evitar o enriquecimento ilícito1. 2A nova lei fixa faixas de valoração pelas partes de dimensão máxima de cláusula penal, determinando o necessário equilíbrio para se evitar o enriquecimento ilícito.

A livre convenção dentro das bandas previstas na nova lei retira da cláusula penal qualquer vestígio de abusividade ou presunção de exagero, vedadas pelo art. 51, § 1º, do CDC.

Agora, nas incorporações com submissão ao regime do patrimônio de afetação, a cláusula penal pode ser livremente convencionada, mas observado o limite de até 50% da quantia do preço até então paga pelo adquirente (art. 67-A §5º da Lei Federal 4.591/64).

E, naquelas sem patrimônio de afetação, este limite é reduzido a 25% dessa mesma quantia até então paga (art. 67-A, II, da Lei Federal 4.591/64).

Por outro lado, nos parcelamentos do solo urbano, este limite para o livre ajuste é de 10% do preço da venda e compra, então compromissada, corrigido monetariamente (art.32-A da Lei Federal 6.766/79).

Trata-se de regra específica que afasta objetivamente a aplicação do art. 413 do CC/02, que impõe aos juízes o dever de reduzir, mesmo de ofício (isto é, independentemente do pedido da parte), a penalidade estabelecida em contrato, se entendida no caso concreto como desproporcional e excessiva ao consumidor.

Diante da tarifação expressa pelo legislador da multa máxima paga pelo comprador inadimplente, não há mais que se falar na aplicação do 413 CC/02, restrita às situações de ausência de previsão legal do montante da cláusula penal.

Evidente que o regramento da redução proporcional da multa não se submete aos casos expressamente tarifados pelo legislador.

De fato, em face da tarifação expressa, não se admite intervenção judicial que afaste sua incidência.

Isto porque, o arbitramento judicial da cláusula penal compensatória somente tem cabimento quando a lei não predeterminar seu valor ou um critério diretivo de sua fixação3.

Argumenta-se a prefixação cogente das perdas e danos envolvidos no negócio, em função da segurança jurídica com o fomento de investimentos econômicos em benefício da sociedade como um todo, seja na perspectiva do consumidor ciente da responsabilidade assumida em cenário de aquisição em incorporação e em loteamento, evitando meras “apostas” distratáveis, seja sob a ótica do empreendedor ao qual cabe o planejamento em face do risco assumido, com eventuais débitos e créditos a serem ressarcidos já prefixados, garantindo a estabilidade do mercado imobiliário em cenários de crise.

No que toca à lei dos distratos, a dúvida que se coloca é se a aplicação de cláusulas gerais de boa-fé e da principiologia genérica consumerista seriam justificativas suficientes para suprimir os efeitos da tarifação cogente e expressa da retenção pelo empreendedor quando do inadimplemento absoluto do comprador.

Em meio ao pós positivismo normativo, a ruptura e supressão de normas já não são tão evidentes ou indiscutíveis, uma vez que é perfeitamente possível a incidência de uma norma específica em um caso concreto sem exatamente suprimir por completo outra incompatível, em função de uma suposta “força moral” subjetiva e objetiva entre as normas. Nesse contexto, Erik Jayme4 desenvolveu a tese do Diálogo das Fontes, segundo a qual as normas jurídicas não se excluem apenas porque supostamente pertençam a ramos jurídicos distintos, elas, na verdade, complementam-se integrando e constituindo um sistema misto, com normas que interagem entre si5.

Quando do início da vigência do CDC, o STJ decidiu que “1. O contrato de incorporação, no que tem de específico, é regido pela lei que lhe é própria (Lei 4.519/64), mas sobre ele também incide o Código de Defesa do Consumidor, que introduziu no sistema civil princípios gerais que realçam a justiça contratual, a equivalência das prestações e o princípio da boa-fé objetiva”.6

Ora, agora a nova lei altera as leis específicas, obrigando o intérprete a aplicar o CDC, à luz das novas regras.

Discussão semelhante foi levantada anos atrás quando do regramento da alienação fiduciária – lei especial posterior deve prevalecer sobre a norma consumerista?

Naquela ocasião, assim posicionou-se Cláudia Lima Marques: “...a lei especial nova não revoga tacitamente a lei geral anterior, uma vez que o campo de aplicação da lei geral é naturalmente mais amplo e não coincidente com o da lei especial nova. Revogá-la significaria inaplicar a lei geral a outras matérias importantes. A lei especial nova, porém, pode afastar, em caso de antinomia verdadeira, a aplicação da lei geral anterior. Note-se que a antinomia é um conflito limitado e típico e que ambas as leis se aplicam ao caso concreto, prevalecendo a especial posterior no que regula e o regime geral (não incompatível) da lei geral ou especial anterior, se hierarquicamente iguais.

Em outras palavras, uma lei especial nova não tem o condão de afastar a incidência do CDC sobre estes determinados contratos de consumo. A lei especial nova regula a relação de consumo especial no que positiva e o CDC continua regulá-la de forma genérica e em todos os pontos não abrangidos pela lei especial nova.

(...)

Se os casos de incompatibilidade são poucos, há neles, porém, clara prevalência da lei especial nova pelos critérios da especialidade e cronologia. Somente o critério hierárquico pode ‘proteger’ o texto ‘geral’ anterior incompatível. Assim, o CDC como lei geral de proteção dos consumidores, poderia ser afastado para a aplicação de uma lei nova especial para aquele contrato ou relação contratual ...”7.

Assim, na atualidade, trata-se do posicionamento que foi consagrado pelo STJ8. Como se vê, não há novidades. O mesmo ocorre nos casos envolvendo cortes no fornecimento de energia elétrica pelas concessionárias9 e de extravios de bagagem – em que o STF reconheceu a possibilidade de limitação da indenização referente ao extravio de bagagem ou mercadorias em transporte aéreo internacional de passageiros, com base na Convenção de Varsóvia10, afastando-se a aplicabilidade do regramento consumerista em face de lei especial.

Assim, perfeitamente possível que a norma especial apenas introduza exceção ao princípio geral, coexistindo ambos os regramentos para finalidades específicas. No mais, a lei é uma ordem dirigida à vontade geral, logo, uma vez em vigor ela se torna obrigatória para todos (art. 3º LINDB) – neste sentido não há que se falar em desprestígio dos consumidores em incorporação imobiliária ou em loteamento. Pelo contrário, trata-se de contexto específico objetivo em que as normas dialogam, aplicando-se a norma específica posterior para um determinado contexto concreto.

Como bem lembra Cretella Neto, com a globalização das relações econômicas, as empresas buscam mercados com base em fatores como mais incentivos fiscais, crescimento do poder aquisitivo da população, especialmente do público-alvo dos produtos ou dos serviços ofertados, infraestrutura, condições econômicas favoráveis e facilidade de trâmites burocráticos; legislação trabalhista não excessivamente protetiva ao trabalhador e menor interferência governamental no mercado.

Quanto à segurança jurídica, requer-se um conjunto de fatores que devem existir simultaneamente em um ordenamento jurídico, tais como a real independência do Poder Judiciário, a uniformidade das decisões judiciais sobre as mesmas questões jurídicas, o respeito absoluto à rule of law (Estado de Direito), a celeridade no trâmite processual, bem como a velocidade e eficácia com que contratos são cumpridos11.

Soaria irrazoável a não aplicação da tarifação expressa de lei específica de distratos de compromissos de compra e venda, com fundamento em cláusulas gerais consumeristas e princípios constitucionais, notadamente do art. 5º, XXXII – O Estado promoverá, na forma da lei,defesa do consumidor – ou do art. 170, V – A ordem econômica deve observar o principío da defesa do consumidor, ambos da CF, até porque “... a sujeição do devedor ao cumprimento voluntário ou forçado do contrato nunca desapareceu, nem desaparecerá, enquanto o Estado democrático de direito estiver assentado na propriedade e na livre-iniciativa”.12

Bem fundamenta o professor Otavio Luiz Rodrigues Jr., ao tratar da constitucionalização das normas civilistas, explicando que o que ocorre na atualidade é uma evidente “trivialização de princípios e de direitos fundamentais”, de modo que, “em nome da constitucionalização do Direito Civil chega-se rapidamente a uma banalização dos direitos fundamentais”.13

A vulgarização dos princípios constitucionais e, por conseguinte, dos direitos fundamentais, é matéria que ganha paulatinamente a atenção da doutrina brasileira. A eficácia direta destes princípios termina por servir como justificativa metodológica, que na prática é vazia, para a invocação de elementos próprios do Direito Constitucional em detrimento da normativa privada. Em meio às consequências tem-se o abandono dos métodos hermenêuticos adequados e recurso imediato à ponderação, além da própria trivialização de direitos fundamentais14.

A transferência do espaço decisório da autonomia privada para o âmbito judicial, ainda nas palavras do prof. Otavio, talvez seja o mais grave dos problemas da eficácia imediata dos direitos fundamentais em relação aos particulares, na medida que incorre no “desrespeito aos esquemas mentais, às circunstâncias metajurídicas e à racionalidade própria (ou falta dela) dos agentes que negociam sob o prestígio da autonomia privada. O juiz não está aparelhado para decidir sobre um negócio jurídico com o mesmo nível de informações, expertise e de interesse (inclusive egoístico) que o detido pelas partes contratantes (...)”. “O próprio Direito Civil é adaptado historicamente para compreender o modo de funcionamento muita vez errático, irracional e entrópico da atividade negocial”15.

Evidente o estrago que a aplicação desenfreada pelos Tribunais brasileiros do art. 413 do CC/02, com a redução da cláusula penal acabou por gerar no mercado imobiliário, o que resultou na própria necessidade de intervenção legislativa.

Para concluir, arremata: “Os particulares são regidos, na maior parte dos casos, por critérios insubsumíveis a padrões de racionalidade objetiva, a consensos sobrepostos ou standards próprios do Direito Público. Essa é uma das fontes privilegiadas da especificidade do Direito Civil. Ela fornece pistas para que se compreenda porque a formação intelectual mais elevada não é garantia de prosperidade econômico-financeira ou porque mecanismos de proteção às partes débeis terminam por falhar ante a auto exposição dos indivíduos ao risco”16.

Evidente que qualquer posicionamento judicial em sentido contrário apenas distorceria o ordenamento. De fato, com a supressão da tarifação legal expressa, como diriam Pires de Lima e Antunes Varela, “em lugar da equidade, passaria imperar o arbítrio ou a insensatez do juiz”17.

Por fim, para aqueles que reconhecem ao consumidor o direito de mera desistência (sem justa causa) do negócio jurídico celebrado, a cláusula penal teria a característica de multa liberatória, caso em que “Ao juiz, portanto, em princípio, não é dado interferir no sentido de aumentar ou diminuir a multa, porquanto sempre haverá, por parte do devedor, o direito de, ao invés de pagar a multa, cumprir a obrigação”.18

Em conclusão: (i) o art. 53, do CDC, vedava a estipulação da perda total na hipótese de resolução por inadimplemento do preço, (ii) a jurisprudência arbitrou, caso a caso, a modulação que entendeu como a mais justa, não aplicando a cláusula penal prevista em contrato, (iii) agora, a nova lei tarifa o montante máximo da cláusula penal, (iv) as expressões legais “até” ou “no máximo” são dirigidas às partes e não ao magistrado, (v) o art. 413 do CC não se aplica às cláusulas penais tarifadas em lei, (vi) os limites máximos legais servirão de parâmetro ao magistrado para redução, até o limite agora tarifado, da cláusula penal prevista em contrato celebrado anteriormente e em montante superior ao hoje regrado.
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1 A reposição das partes em seu estado inicial é decorrência lógica do inadimplemento, em meio à própria estrutura do direito das obrigações. VARELA, João de Matos Antunes. Das Obrigações em Geral. 7ªed. V.II. Coimbra: Almedina, 2014, p.277. GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 182. 

2 STJ. Resp 80.036-SP. Rel. min. Ruy Rosado Aguiar. Quarta turma. V.u. julg. em 12 de fevereiro de 1996.

3 TUCCI, Rogério Lauria e AZEVEDO, Álvaro Villaça. Tratado da locação predial urbana. São Paulo: Saraiva, 1980, Vol.1, p. 59.

4 JAYME, Erik, Identité culturelle et integration: Le droit international privé postmoderne. Recueil des Cours de l'Académie de Droit International de la Haye, Doordrecht: Kluwer, 1995, p.36 e ss.

5 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 40 e 75.

6 STJ. Resp 80.036-SP. Rel. min. Ruy Rosado Aguiar. Quarta Turma. V.u. julg. em 12 de fevereiro de 1996.

7 Contratos do código de defesa do consumidor, 6ª ed., São Paulo: RT, p.653-654.

8 “Lei 9.514/97, que instituiu a alienação fiduciária de bens imóveis, é norma especial e também posterior ao Código de Defesa do Consumidor - CDC. Em tais circunstâncias, o inadimplemento do devedor fiduciante enseja a aplicação da regra prevista nos arts. 26 e 27 da lei especial”. (4ª Turma, AgRg no AgRg no REsp n.º 1.172.146/SP, Rel. Ministro ANTÔNIO CARLOS FERREIRA, unânime, DJe de 26.05.2015). Cf. (4ª Turma, REsp n.º 250.072/RJ, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, unânime, DJU de 07.08.2000) e AgRg REsp n.º 1.172.146-SP; REsp n.º 975.826, REsp n.º 1.535.926.

9 REsp 591.692/RJ, rel. ministro Teori Albino Zavascki, Dje.14/3/05. 

10 RE 636.331/RJ, rel. ministro Gilmar Mendes, Dje. 25/5/17.

11 CRETELLA NETO, José. Da cláusula penal nos contratos empresariais – Visão dos tribunais brasileiros e necessidade de mudança de paradigma. Revista de Processo, v. 245, 2015.

12 THEODORO JR., Humberto. Direitos do consumidor (a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do Direito Civil e do Direito Processual Civil). 7ª. ed. Rio de Janeiro: Gen e Forense, 2011.

13 RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Distinção sistemática e autonomia epistemológica do Direito Civil Contemporâneo em face da Constituição e dos direitos fundamentais. São Paulo: Gen, 2018, p.329.

14 RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Op. cit., p.328.

15 RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Op. cit., p.326.

16 RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Op. cit., p.327.

17 Código Civil Anotado, 4ª. ed., Coimbra: Coimbra, v.II p. 82.

18 FRANÇA, Rubens Limongi. Teoria e prática da cláusula penal. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 258. Comentário ao art. 920, do Código Civil de 1916.
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Marcelo Terra - Advogado do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra - Sociedade de Advogados.
Ana Paula Ribeiro - Advogada do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra - Sociedade de Advogados.
Fonte: Migalhas de Peso