sexta-feira, 5 de junho de 2020

Os reflexos da fiança como garantia fidejussória nos negócios jurídicos


Ao celebrar um negócio jurídico, as partes comumente preveem garantias no instrumento particular, objetivando maximizar a segurança de que a obrigação pactuada será adimplida. As garantias podem ser classificadas, em um primeiro momento, como reais ou fidejussórias.

As garantias reais são aquelas nas quais é oferecido um bem determinado, móvel ou imóvel, ou o seu rendimento, como garantia pela satisfação da obrigação. É o caso do penhor, da hipoteca e da anticrese, hipóteses nas quais o ônus é estabelecido sobre a coisa.

As garantias reais, por sua vez, são aquelas nas quais um terceiro estranho à relação contratual se compromete com o pagamento, caso o devedor originário não cumpra a obrigação pactuada. É o caso da fiança, objeto deste artigo.

A fiança é uma garantia fidejussória ampla, que deve ser consagrada por escrito e pode ser aplicada às espécies obrigacionais de qualquer natureza. Nesses contratos, o beneficiário é o credor e não o devedor, de modo que a fiança pode ser consolidada até mesmo contra a vontade do devedor, que não poderá recusá-la.

Costumeiramente, a fiança ocorre em obrigações atuais, mas não há óbice que obrigações futuras também sejam objeto da garantia fidejussória, desde que estas se façam líquidas e certas no futuro. Caso isso não se concretize, o fiador não poderá ser demandado. Ademais, caso não exista previsão de limitação à fiança, essa compreenderá além da obrigação principal, todos os seus acessórios, inclusive as despesas judiciais.

Além disso, premente pontuar que a fiança não existe por si só e sempre está vinculada a uma obrigação principal. Neste passo, a eficácia da fiança está condicionada à validade da obrigação principal. Portanto, se a obrigação principal padece de nulidade, independentemente do motivo, em regra, a fiança será igualmente nula.

Ainda, a garantia pode não abranger a totalidade da dívida principal, assim como ser contraída com condições menos onerosas. Contudo, não pode ultrapassá-la, mas, se isso ocorrer, não acarretará a nulidade da fiança, a qual será limitada à dívida.

Não é raro o inadimplemento da obrigação pelo devedor. Neste contexto, questiona-se: quais são os reflexos disso para o fiador? Os impactos do inadimplemento são observados sobre dois aspectos principais. O primeiro desses concerne à relação entre o fiador e o credor. Já o segundo refere-se à relação entre o fiador e o devedor.

Quando ocorre o inadimplemento pelo devedor originário, o credor da relação obrigacional poderá exigir do fiador o pagamento — total ou parcial, a depender da existência de eventual previsão contratual nesse sentido — da dívida garantida.

Ocorre que, quando demandado, o fiador possui o benefício de ordem. Isso significa que ele poderá exigir, até o momento da contestação da lide, que sejam executados, primeiramente, os bens que sejam de titularidade do devedor afiançado. Para isso, basta que o fiador indique, em tempo, bens do devedor que estejam situados no mesmo município, livres e desembargados, suficientes para satisfazer o débito.

Contudo, se, no contrato de fiança, o garantidor houver renunciado expressamente ao benefício de ordem ou se obrigado como principal pagador ou devedor solidário, ele não fará jus ao benefício de ordem. Do mesmo modo, o fiador também não aproveitará o benefício se o devedor for insolvente ou falido.

Ademais, na hipótese de cofiadores — mais de um fiador assegurando o cumprimento obrigacional —, presumir-se-á a solidariedade entre esses, em relação ao credor, por força do artigo 829 do Código Civil. Nesses casos, há ressalva de que o fiador que adimplir a totalidade da dívida poderá demandar dos demais cofiadores pro parte. E, caso um dos cofiadores seja insolvente, a sua cota deve ser partilhada entre os demais.

Todavia, caso haja previsão contratual estipulando a cota parte equivalente a cada um dos cofiadores, cada um desses apenas responderá pela parte que, proporcionalmente, lhe couber o pagamento. Nesses casos, realizado o pagamento da sua cota fixada contratualmente, aquele fiador fica exonerado da obrigação, deixando os demais responsáveis, cada um para com a sua cota.

Quanto à relação entre o fiador e o devedor, por sua vez, o principal ponto a ser evidenciado concerne ao direito de regresso. Isso porque, como explanado, a fiança é um contrato benéfico ao credor e, por isso, não implica em doação ao devedor.

Desse modo, o fiador que paga a dívida do devedor sub-roga-se como titular do crédito e, por isso, passa a ter direito a exigir do devedor a restituição dos valores que despendeu. Não obstante, o devedor também responde pelas perdas e danos que o fiador eventualmente pague, bem como pelos prejuízos que este eventualmente sofrer. Para que ocorra a sub-rogação, contudo, o fiador deverá pagar a integralidade do débito, já que não pode concorrer com o credor na busca da satisfação do crédito contra o devedor afiançado.

Entretanto, o direito de regresso também não se perfectibiliza nas hipóteses em que, por omissão do fiador, o afiançado não for intimado do pagamento e pagar novamente o mesmo débito. A situação se reproduz na hipótese de fiança prestada com o ânimo de doar, assim como nos casos em que o fiador houver pago valor maior do que o devido. Por fim, também inexiste direito de regresso na hipótese em que o fiador adimple a obrigação, sem ser demandado, e omite a informação do devedor afiançado.

Já a extinção da fiança, último dos assuntos tratados, pode decorrer de algumas causas principais. A primeira concerne à desoneração do fiador por manifestação de vontade, pois, na fiança sem limitação de tempo, o fiador pode exonerar-se da obrigação quando for conveniente, sendo que permanecerá obrigado pelos efeitos da fiança apenas durante os 60 dias que sucederem a efetiva notificação do credor.

Outra hipótese de extinção da fiança decorre do credor que agrava a situação do fiador, sem que esse consinta. A título exemplificativo, cita-se o caso de prorrogação do prazo de vencimento da obrigação, que poderá acarretar na dilapidação patrimonial futura do devedor, a hipótese de impossibilidade de sub-rogação por fato do credor, e, por fim, o recebimento de dação em pagamento.

Por derradeiro, a última causa principal de extinção da fiança é oriunda da oposição de exceções pessoais — novação, remissão, compensação, confusão e transação — e de causas extintivas da obrigação que sejam relativas ao devedor principal. Nesse sentido, importa destacar que a morte do fiador não é causa extintiva da fiança, haja vista que a obrigação que o devedor possuía até a data de sua morte é transmitida aos herdeiros, desde que a responsabilidade da fiança não ultrapasse as forças da herança.

Portanto, conclui-se que a fiança é uma garantia fidejussória muito utilizada nos negócios jurídicos pactuados. Contudo, o instituto possui diversos regramentos basilares, entre requisitos e escusas, cujo conhecimento é imprescindível para que seja possível analisar pormenorizadamente os reflexos da garantia em cada caso, sob a ótica do credor, do devedor e do fiador e maximizar a segurança conferida ao negócio jurídico.

Alberto Malta é sócio-fundador do escritório Malta Advogados, professor de Direito Imobiliário da Universidade de Brasília (UnB) e secretário-geral da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB.
Júlia Scartezini é estagiária no escritório Malta Advogados, bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e membro do grupo de estudos "Constitucionalismo Fraternal", sob a orientação do ministro Carlos Ayres Britto.
Fonte: Revista Consultor Jurídico

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