Texto de autoria de Marcio Martins Bonilha Filho
Além das reiteradas notícias sombrias, tristes, alarmistas e impactantes sobre as trágicas consequências impostas pelo novo coronavírus, tanto na área médico-hospitalar, como, também, nas repercussões de ordem econômica, fragilizando empresas, com redução do mercado de trabalho e um indesejável antagonismo político reinante no país, surge forte o sentimento já exteriorizado por capacitados profissionais, de diversas áreas, de que a sociedade será outra após a quarentena, deflagrada em razão da pandemia, com transformações culturais e comportamentais.
O isolamento serve para evitar a propagação do vírus e tem o condão de aprofundar reflexões.
Nesse contexto, diante de um cenário que exige mudança de hábitos, em especial para conjugar a continuidade das inúmeras práticas do dia a dia e atos inerentes aos negócios, atos jurídicos, etc., surgiu a necessidade de implantar, no âmbito dos serviços extrajudiciais, notadamente em relação aos Tabelionatos de Notas, instrumentos tecnológicos, para facilitar a vida dos usuários, assegurando, ao mesmo tempo, segurança jurídica permeada pela fé pública.
Inspirados nesse panorama, com a colaboração das respeitadas entidades de classe dos serviços extrajudiciais, o Corregedor Nacional de Justiça editou o provimento nº 100, do CNJ, publicado no dia 26 de maio de 2020, dispondo sobre prática de atos notariais eletrônicos utilizando o sistema e-Notariado, cria a Matrícula Notarial Eletrônica-MNE, dentre outras providências.
A rigor, o provimento nº 100, do CNJ, constitui um dos maiores avanços positivos, na eliminação de burocracia, e na racionalização de trabalho, facilitando a vida dos usuários, sem prejuízo da manutenção da fé pública, circunstância que representa revolucionária vantagem, ao regulamentar o uso de instrumentos tecnológicos.
A eficiência do serviço, que já constituía obrigação legal, sem dúvida será aprimorada com a adoção de ferramentas tecnológicas, pormenorizadamente descritas no aludido Provimento (cf. artigos 2º a 5º), destacando-se a assinatura eletrônica notarizada, certificado digital notarizado, assinatura digital, biometria, videoconferência, ato notarial eletrônico, digitalização ou desmaterialização, papelização ou materialização, transmissão eletrônica, dentre outros, além da criação da CENAD: Central Notarial de Autenticação Digital, que consiste em uma ferramenta para os notários autenticarem os documentos digitais, com base em seus originais, que podem ser em papel ou natos-digitais.
Para a prática do ato notarial eletrônico, o Provimento estabelece os seguintes requisitos: I – videoconferência notarial para captação do consentimento das partes sobre os termos do ato jurídico; II – concordância expressada pelas partes com os termos do ato notarial eletrônico; III – assinatura digital pelas partes, exclusivamente através do e-Notariado; IV – assinatura do Tabelião de Notas com a utilização de certificado digital ICP-Brasil; V – uso de formatos de documentos de longa duração com assinatura digital.
Para garantir a necessária segurança jurídica, o Provimento prevê que a gravação da videoconferência notarial deverá conter, no mínimo: a) a identificação, a demonstração da capacidade e a livre manifestação das partes atestadas pelo tabelião de notas; b) o o consentimento das partes e a concordância com a escritura pública; c) o objeto e o preço do negócio pactuado; d) a declaração da data e horário da prática do ato notarial; e e) a declaração acerca da indicação do livro, da página e do tabelionato onde será lavrado o ato notarial.
O Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal manterá um registro nacional único dos Certificados Digitais Notarizados e de biometria.
Outra importante inovação, consiste na obrigatoriedade, para a lavratura do ato notarial eletrônico, de o notário utilizar a plataforma e-Notariado, através do link www.e-notariado.org.br com a realização da videoconferência notarial para captação da vontade das partes e coleta das assinaturas digitais, certo que a matéria da competência para a prática dos atos regulados neste Provimento é absoluta e observará a circunscrição territorial em que o tabelião recebeu sua delegação, à luz do artigo 9º, da lei 8935/94.
Com o objetivo de interligar os notários, permitindo a prática de atos notariais eletrônicos, o intercâmbio de documentos e o tráfego de informações e dados; aprimorar tecnologias e processos para viabilizar i serviço notarial em meio eletrônico; implantar, em âmbito nacional, um sistema padronizado de elaboração de atos notariais eletrônicos, possibilitando a solicitação de atos, certidões e a realização de convênios com interessados e implantar a Matrícula Notarial Eletrônica – MNE, fica instituído o Sistema de Atos Notariais Eletrônicos, e-Notariado, disponibilizado na internet pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal, dotado de infraestrutura tecnológica necessária à atuação notarial eletrônica.
O referido Provimento disciplina obrigações aos notários, pessoalmente ou por intermédio do e-Notariado, em especial para o acesso das informações à Administração Pública Direta, em regra exclusivamente estatística e genéricas, vedado o envio e o repasse de dados, salvo disposição legal ou judicial específica. Também preconiza ao Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal, para implementação e gestão do sistema e-notariado, o dever de adotar diversas medidas operacionais, com a coordenação da implantação, funcionamento dos atos notariais eletrônicos e emissão de certificados eletrônicos, bem como estabelecer normas, padrões, critérios e procedimentos de segurança referentes às assinaturas eletrônicas, certificados digitais e emissão de atos notariais eletrônicos e outros aspectos tecnológicos atinentes ao seu bom funcionamento.
Um dispositivo de crucial importância diz respeito à assinatura de atos notariais eletrônicos, estabelecendo que é imprescindível a realização de videoconferência notarial, para captação do consentimento das partes sobre os termos do ato jurídico, a concordância com o ato notarial, a utilização da assinatura digital e assinatura do Tabelião de Notas com o uso do certificado digital, segundo a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP (artigo 9, parágrafo 3º).
O e-Notariado, segundo o Provimento, disponibilizará as seguintes funcionalidades: I – matrícula notarial eletrônica; II – portal de apresentação dos notários; III – fornecimento de certificados digitais notarizados e assinaturas eletrônicas notarizadas; IV – sistemas para realização de videoconferências notariais para gravação do consentimento das partes e da aceitação do ato notarial; V - sistemas de identificação e de validação biométrica; VI – assinador digital e plataforma de gestão de assinaturas; VII – interconexão dos notários; VIII - ferramentas operacionais para os serviços notariais eletrônicos; IX – Central Notarial de Autenticação Digital – CENAD; X – Cadastro Único de Clientes do Notariado – CCN; XI - Cadastro Único de Beneficiários Finais – CBF; XII – Índice Único de Atos Notariais – IU.
Fica, ainda, instituída a Matrícula Notarial Eletrônica – MNE, que servirá como chave de identificação individualizada, facilitando a unicidade e rastreabilidade da operação eletrônica praticada. O número da Matrícula Notarial Eletrônica, composta por 24 (vinte e quatro) dígitos e organizada em 6 (seis) campos, de acordo com o artigo 12 e seus parágrafos, integra o ato notarial eletrônico, devendo ser indicado em todas as cópias expedidas.
De acordo com a legislação processual, os atos notariais eletrônicos reputam-se autênticos e detentores de fé pública.
A identificação, o reconhecimento e a qualificação das partes, de forma remota, será feita pela apresentação da via original de identidade eletrônica e pelo conjunto de informações a que o tabelião teve acesso, podendo utilizar-se, em especial, do sistema de identificação do e-Notariado, de documentos digitalizados, cartões de assinatura abertos por outros notários, bases biométricas públicas ou próprias, bem como, a seu critério, de outros instrumentos de segurança. Está prevista a implantação da funcionalidade eletrônica para o compartilhamento obrigatório de cartões de firmas entre todos os usuários do e-Notariado.
A competência territorial foi contemplada, consoante previsão contida no artigo 19 do Provimento, que assim dispõe: “Ao tabelião de notas da circunscrição do imóvel ou do domicílio do adquirente compete, de forma remota e com exclusividade, lavrar as escrituras eletronicamente, por meio do e-Notariado, com a realização de videoconferência e assinaturas digitais das partes”, ressalvando, na hipótese de existência de um ou mais imóveis de diferentes circunscrições, no mesmo ato notarial, que será competente para a prática de atos remotos o tabelião de quaisquer delas.
A seguir, há uma outra situação prevista no parágrafo 2º, artigo 19 do Prov. 100/20, assim redigida: “Estando o imóvel localizado no mesmo estado da federação do domicílio do adquirente, este poderá escolher qualquer tabelionato de notas da unidade federativa para a lavratura do ato”. Respeitosamente, a redação empregada permite a ideia de alargamento da competência territorial, extrapolando os limites da circunscrição, o que merecerá, certamente, ajustes para uma aplicação não tão abrangente, como a empregada na diretriz normativa.
Por seu turno, o Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal manterá o Cadastro Único de Clientes do Notariado – CCN, o Cadastro Único de Beneficiários Finais – CBF e o Índice Único de Atos Notariais, nos termos do Provimento nº 88/2019, da Corregedoria Nacional de Justiça.
Em periodicidade não superior a quinze dias, os notários ficam obrigados a remeter ao CNB-CF, por sua central notarial de serviços eletrônicos compartilhados – CENSEC, os dados essenciais dos atos praticados, que compõem o Índice Único. Consoante previsão expressa, os dados essenciais são: I – a identificação do cliente; II – a descrição pormenorizada da operação realizada; III - o valor da operação realizada; IV – o valor da avaliação para fins de incidência tributária; V – a data da operação; VI – a forma de pagamento; VII – o meio de pagamento; e VIII – outros dados, nos termos de regulamentos especiais, de instruções complementares ou orientações institucionais do CNB-CF.
O Provimento, dividido em sete capítulos, nas disposições finais prevê que os atos notariais eletrônicos, cuja autenticidade seja conferida pela internet por meio do e-Notariado, constituem instrumentos públicos para todos os efeitos legais e são eficazes para os registros públicos, instituições financeiras, juntas comerciais, Detrans e para a produção de efeitos jurídicos perante a administração pública e entre particulares.
A comunicação adotada para atendimento a distância deve incluir os números dos telefones da serventia, endereços eletrônicos de e-mail, o uso de plataformas eletrônicas de comunicação e de mensagens instantâneas como WhatsApp, Skype e outras disponíveis para atendimento ao público, com ampla divulgação.
Há, também, expressa observância à lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), em relação aos dados das partes que somente poderão ser compartilhados entre notários e, exclusivamente, para a prática de atos notariais.
Resta, ainda, mencionar a criação da possibilidade da realização de ato notarial híbrido, posto que autorizada a prática do ato com uma das partes assinando fisicamente o ato notarial e a outra, a distância.
Fica vedada a prática de atos notariais ou remotos com recepção de assinaturas eletrônicas a distância sem autorização do e-Notariado, que veio a ser implementado com a publicação do Provimento, ocorrida no dia 26 de maio do corrente ano, e, no prazo máximo de seis meses, naquilo que houver necessidade de cronograma técnico.
Nas unidades da Federação onde exigidos selos de fiscalização, o ato notarial eletrônico deverá ser lavrado com a indicação do selo eletrônico ou físico, exigido pelas respectivas Normas de Serviço. Caso se descumpram essa observância, os atos eletrônicos lavrados serão considerados nulos.
Na essência, ao tempo em que se enaltece o esforço daqueles que contribuíram positivamente para a concepção dessa ousada e revolucionária implantação da modernidade nos serviços de notas, que traduz oportuno avanço para facilitar a vida da sociedade, inimaginável há uma década atrás, cabe reconhecer que haverá um desafiador trabalho pela frente, que será bem desincumbido pelos capacitados profissionais da área, aos quais rendo minhas homenagens.
*Marcio Martins Bonilha Filho é desembargador aposentado do TJ/SP. Advogado do escritório Barcellos Tucunduva Advogados.
Fonte: Migalhas Edilícias
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