terça-feira, 29 de junho de 2021

Fundos imobiliários: entenda de uma vez por todas a finalidade de cada tipo


Para quem entra no mundo dos investimentos, é comum ouvir falar sobre os tais fundos imobiliários, que apresentam uma boa rentabilidade e são mais estáveis e seguros aos negócios.

E os dizeres não são à toa: os fundos imobiliários são alguns dos mais famosos entre os fundos de investimento e, de fato, trazem uma rentabilidade interessante.

Mas, na hora de investir, quem é iniciante pode ter algumas dúvidas. Afinal, qual a diferença do fundo imobiliário para outros tipos de fundos de investimento? Como funciona a rentabilidade? O que é necessário considerar na hora de escolher um fundo certo?

Logo de início, pode parecer um pouco confuso, mas a verdade é que os fundos imobiliários funcionam como uma entrada no mundo dos investimentos. Sendo assim, comecemos pelo básico.

O que é um fundo imobiliário?

Em linhas gerais, o fundo imobiliário é um tipo de fundo de investimento. Funciona de forma similar aos demais: por meio de compra de cotas, que representam o empreendimento em questão.

O mais comum é que o dinheiro investido seja utilizado para a compra de materiais de construção ou mesmo na aquisição de imóveis, que depois podem ser revendidos ou alugados. Assim, os ganhos do investimento inicial são divididos entre os investidores – claro, na proporção em que as cotas foram compradas.

Assim, o fundo imobiliário costuma ter uma boa rentabilidade se o mercado imobiliário também anda por bons pés.

Quais são os possíveis fundos

É importante lembrar que o fundo imobiliário não é considerado uma renda fixa. Isso porque ele depende da compra ou locação do imóvel, e isso implica, necessariamente, em alguma instabilidade: nem todo mês o imóvel estará locado, e pode ocorrer de o inquilino se tornar devedor, o que complica a rentabilidade.

Vale lembrar também que, como esse tipo de fundo de investimento acompanha o mercado imobiliário, as cotas tendem a oscilar na Bolsa de Valores. Por isso, há uma série de categorias entre os fundos.

Fundos de compra e venda: para quem já está por dentro do mercado de investimentos, esse fundo é um dos mais recomendados, sobretudo pela oscilação.

O objetivo desse tipo de fundo é, literalmente, a compra e venda de imóveis. Diferentemente dos demais, ele se aproveita da valorização ou desvalorização do imóvel, a partir do mercado imobiliário, para que a rentabilidade aconteça.

Fundos de desenvolvimento: como o próprio nome já diz, esse tipo de fundo atua no desenvolvimento de um imóvel – desde a compra do terreno até a locação final ou venda. Dessa forma, ele se caracteriza como um fundo de risco mais elevado, dado que a construção pode ou não dar certo, assim como sua valorização no mercado imobiliário.

Fundos de renda: esses são fundos que têm como objetivo a construção de um imóvel ou compra do mesmo, para que no final esteja disponível para locação.

Assim, os rendimentos do aluguel são repassados ao investidor e podem aumentar ou diminuir sua estabilidade, de acordo com o contrato de aluguel e suas peculiaridades, como a contratação de um seguro residencial, por exemplo.

Fundos de recebíveis imobiliários ou fundos de papel: o nome não vem à toa: este tipo de fundo tem o foco na compra de CRIs (Certificado de Recebíveis Imobiliários). São bastante indicados a iniciantes, pois se assemelham aos fundos de renda fixa e são mais estáveis.

Neles, são comprados títulos ligados ao mercado imobiliário, tais como letras de crédito imobiliário (LCI), certificados de potencial adicional de construção (CEPAC), letras hipotecárias (LH), cotas de certos tipos de fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) e certificados de recebíveis imobiliários (CRI).

Fonte: MONEYTIMES

Corretora não deve ser responsabilizada por atraso na entrega de imóvel


Por causa da natureza do serviço de corretagem de imóveis, não há vínculo jurídico da corretora com as obrigações assumidas pelas partes celebrantes do contrato de compra e venda (o consumidor e os responsáveis pela obra). Assim, a empresa não deve ser responsabilizada pelos danos causados pelo atraso na entrega do bem ao comprador.

Esse entendimento foi utilizado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça para afastar a responsabilidade solidária de uma consultoria imobiliária pelo prejuízo sofrido por um consumidor que não recebeu seu imóvel no prazo combinado.

O comprador ajuizou ação contra as três empresas responsáveis pela incorporação e construção do imóvel e também contra a firma de consultoria que intermediou a venda. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) entendeu que, nessas situações, o prejuízo do comprador é presumido e condenou as empresas solidariamente ao pagamento de lucros cessantes.

No recurso especial apresentado ao STJ, a empresa de consultoria imobiliária alegou que foi apenas intermediadora do negócio e que, por isso, não seria parte legítima para responder por questões relacionadas ao descumprimento do contrato de compra e venda.

O relator, ministro Luis Felipe Salomão, negou provimento ao recurso por entender que o caso exigia análise de provas e de cláusulas contratuais, o que é vedado na instância especial pela jurisprudência do STJ. Porém, no voto que prevaleceu no colegiado, a ministra Isabel Gallotti assinalou que não seria possível a responsabilização da corretora pelo descumprimento de obrigação constante do contrato de compra e venda, como preceituam os artigos 722 e 723 do Código Civil.

Sem nexo

Segundo a ministra, o processo não traz informação sobre falha na prestação do serviço de corretagem, nem sobre o envolvimento da corretora nas atividades de incorporação e construção. "Não há nexo de causalidade entre a conduta da corretora, responsável apenas pela intermediação do negócio, e o descumprimento da obrigação contratual pelo vendedor", argumentou ela.

A ministra afirmou que o TJ-SP, ao impor solidariedade não estabelecida em contrato, nem em lei, violou o artigo 265 do Código Civil. "A responsabilidade da corretora por fato estranho ao serviço de intermediação foi reconhecida sem análise de sua atuação, por mera presunção decorrente da aplicação da legislação consumerista à relação jurídica", destacou.

Ela observou que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) abrange os serviços dos profissionais liberais, mas os exclui da responsabilidade objetiva, de modo que, não havendo nexo causal com sua atividade, a corretora, em princípio, não deve responder pelos danos "nem mesmo em caráter subsidiário, pois do contrário sempre teria responsabilidade sobre o cumprimento dos negócios intermediados, desvirtuando a disciplina legal do contrato de corretagem". Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

REsp 1.779.271

Fonte: Revista Consultor Jurídico

Seguro habitacional e as consequências jurídicas envolvendo apólice pública e privada


Instaurou-se no Brasil uma grande demanda de ações judiciais de Seguro Habitacional, na qual os autores alegam vícios construtivos nos imóveis e reclamam o direito de indenização em face das seguradoras. Qualquer pessoa que realizar um financiamento de um imóvel junto a uma instituição financeira está condicionado à contratação de um seguro, a fim de assegurar o pagamento do financiamento em caso de sinistro.

Ao longo do tempo, o Seguro Habitacional vem passando por modificações e uma delas é a substituição da apólice pública para apólice privada. Esta evolução é de extrema importância, visto que traz consequências jurídicas para as demandas judiciais envolvendo esse tipo de seguro.

Todas as apólices de seguro contratadas até 24/6/98 (MP 1.671/98) são apólices públicas classificadas como ramo 66. Para os contratos celebrados entre 24/6/98 e 29/12/2009 (MP 478/09) podem ter apólices públicas (ramo 66) ou apólices privadas (ramo 68). Ainda assim, desde 29/12/2009, está extinta a apólice pública do Sistema Financeiro da Habitação (ramo 66), ficando aquelas em vigor sob a responsabilidade do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS). Dessa data em diante, todos os novos financiamentos de imóveis ficam vinculados exclusivamente a apólices privadas ou de mercado.

E a maior discussão dessas apólices está na identificação do vínculo do imóvel financiado com a apólice pública.

Sobre a apólice pública (ramo 66)

A apólice para ser considerada pública é aquela que foi contratada até 24/6/1998 e a aquisição do imóvel ocorreu de forma financiada. Ou também ela pode estar dentro do período dos contratos celebrados entre 24/6/98 e 29/12/2009.

As apólices públicas têm como características o comprometimento do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS). Quando a seguradora é acionada para responder uma demanda judicial envolvendo o Seguro Habitacional, é de extrema importância identificar se aquele imóvel, objeto da lide, é ou não vinculado à apólice pública, em razão das consequências jurídicas e do impacto financeiro que poderá ocorrer em uma eventual condenação para o pagamento da cobertura eventualmente contratada.

Assim, quando identificado o vínculo com apólice pública, a defesa é conduzida para a remessa dos autos à Justiça Federal, visto que é necessário chamar a Caixa Econômica Federal para ingressar na lide, sendo ela na figura de administradora do FCVS, a responsável pelo seguro dos imóveis ainda ativos.

Como identificar o vínculo com a apólice pública?

Muitas vezes não é fácil identificar o vínculo dos imóveis com a apólice pública apenas com a documentação apresentada pelo autor da ação judicial. Mas por meio de uma análise detalhada de todos os documentos (contratos de compra e venda, registro de imóveis, certidão de casamento, entre outros), assim como por ofícios judiciais expedidos para o agente financeiro, é possível identificar esse vínculo. Quanto mais cedo for identificado, menores serão os impactos financeiros que aquela demanda judicial pode trazer ao demandado.

O mecanismo mais eficaz e célere é através da análise de vínculo, a qual consiste em analisar os documentos trazidos pelos mutuários (autores) e que muitas vezes se tratam de "gaveteiros" e herdeiros. Para estes casos, a elaboração da estruturação da análise de vínculo também é imprescindível para demonstrar a cadeia de aquisição do imóvel e a relação do vínculo do autor da demanda com o mutuário original.

Ao identificar o vínculo com a apólice pública é imprescindível solicitar o ingresso da Caixa Econômica Federal (CEF) para apresentar interesse no feito, bem como solicitar a remessa dos autos para a Justiça Federal. Tal prática trouxe consequências jurídicas que estão sendo debatidas no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Sobre o tema 1011 do STF

"Controvérsia relativa à existência de interesse jurídico da Caixa Econômica Federal para ingressar como parte ou terceira interessada nas ações envolvendo seguros de mútuo habitacional no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação e, consequentemente, à competência da Justiça Federal para o processamento e o julgamento das ações dessa natureza."

O tema 1011 que tramita no Superior Tribunal de Federal (STF) vem sendo debatido para discutir o interesse da Caixa Econômica Federal em ingressar no feito e a competência da Justiça Federal para processar e julgar estas demandas. O tema se originou a partir da grande demanda judicial envolvendo apólices públicas e privadas. Os supostos mutuários ingressam com ações judiciais contra as seguradoras alegando, na maioria das vezes, vícios construtivos, com risco de desmoronamento. E com base na apólice de seguro contratada, a seguradora seria responsável pelos danos.

Nas contestações apresentadas para responder estas demandas as seguradoras apresentam as seguintes questões de ordem preliminar: i) ilegitimidade passiva, ante a MP 513/2010, convertida na lei 12.409/2011, que teria transferido os direitos e obrigações do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro de Habitação (SH/SFH) ao Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS); ii) ilegitimidade ativa; e iii) carência de ação.

E após grande repercussão geral em razão da natureza dessas ações, o STF julgou o tema, que foi publicado em 21 de agosto de 2020, no qual "prevaleceu a tese do direito de ingresso da CAIXA nas ações e o deslocamento das demandas afetas ao Seguro do SFH - Apólice Pública para a Justiça Federal, com as condicionantes previstas no voto do relator, quer quanto ao marco temporal, quer quanto ao estágio em que se encontrar a tramitação do processo nos tribunais estaduais."

Decisão que aguarda o trânsito em julgado, mas que deixa as seguradoras mais aliviadas, considerando o enorme volume de ações judiciais envolvidas neste tema. Isso porque, demonstrado o vínculo com a apólice pública, consequentemente, havendo o interesse da CEF e a remessa dos autos à Justiça Federal, reduzirá de forma expressiva os valores despendidos pelas seguradoras nestas demandas.

Atualizado em: 29/6/2021 08:09

Bruna Carolina Bianchi - Advogada e gestora da equipe de Sistema Financeiro Habitacional no escritório Rücker Curi Advocacia e Consultoria.
Fonte: Migalhas de Peso

Airbnb e o alcance do que foi decidido pelo STJ


Como se viu estampado nos principais jornais, revistas e sites jurídicos, o Superior Tribunal de Justiça teria, por ocasião do julgamento do RE 1.819.075-RS, decidido que os condomínios poderiam proibir as locações efetuadas por meio de aplicativos.

Mas será que foi isso mesmo que restou decidido?

Antes de se analisar o que constou no v. acórdão publicado em 27 de maio de 2021, cabe dizer que não houve afetação do tema para um julgamento representativo de controvérsia, de modo a vincular futuras decisões, sendo que a 4ª turma, por maioria de votos, rejeitou recurso de uma proprietária-locadora e decidiu em favor de um condomínio.

Poderia, então, essa decisão ser vista como uma tendência para outras análises?

O relator originário, ministro Luis Felipe Salomão, fez constar de seu voto-vencido que não estava analisando o contexto fático daquele caso concreto, mas sim a tese de fundo, tendo concluído, ao final, que "o uso regular da propriedade, em inseparável exame da função social a ser destinada ao caso, permite concluir pela possibilidade da exploração econômica dos imóveis (...), em estrita observância aos direitos dos demais condôminos."

Mas, exatamente quanto ao alcance do julgado, a ideia da corrente vencedora inaugurada pelo voto divergente do ministro Raul Araújo era distinta: "A solução da controvérsia prende-se, portanto, ao exame atento das circunstâncias do caso concreto, nos termos em que delimitados pelas instâncias ordinárias".

No mesmo sentido foram as esclarecedoras palavras do ministro Antônio Carlos Ferreira: "...creio que haveria um equívoco se este julgamento fosse divulgado de modo a vincular seu resultado à atividade desempenhada pelas empresas de aplicativos, como é o caso do assistente admitido nestes autos, o "Airbnb". (...) por esse motivo que entendo não ser este o processo mais adequado para que dele se possa extrair uma abrangência maior e criar precedente específico sobre a questão envolvendo os aplicativos pelos quais os usuários oferecem seus imóveis para uso temporário (locação para temporada)."

E com isso, para se compreender porque esse julgado não serve como precedente, explica-se que, ao revés do que ocorre costumeiramente nas locações por aplicativo, no caso dos autos existia (de forma contrária às regras da plataforma do Airnb) a utilização comercial do imóvel, tendo se comprovado (nas instâncias inferiores) que a proprietária-locadora montou um verdadeiro hostel em suas duas unidades no edifício, incluindo serviço de lavanderia e tendo alterado, inclusive, a planta dos apartamentos para aumentar a capacidade de hóspedes.

No tratamento da hipótese narrada, não só o relator classificou essa locação como um "contrato de hospedagem atípico", como o ministro Antônio Carlos Ferreira fez questão de mencionar em seu voto que: "a tese e a antítese sustentadas pelas partes litigantes tratam, exclusivamente, da qualificação dos serviços fornecidos pela recorrente, discussão que não sofre influência pela forma com que são oferecidos ou contratados, se por meio de aplicativo ou mesmo por qualquer outra modalidade (imobiliária, anúncio em jornais, panfletagem etc.)."

Verificou-se mau uso da propriedade privada, conflitando com a convenção daquele edifício e ocasionando desconforto aos demais condôminos, não guardando, todavia, qualquer relação com o meio utilizado (aplicativo), tanto que o Airbnb sequer era parte original do processo.

A questão de fundo, repita-se, não enfrentada pela e. 4ª turma do STJ, é bem mais complexa do que somente estabelecer regras para a locação de imóveis por aplicativos, residindo no conflito de atividades "modernizadas" pelas startups (muitas das quais praticando a economia de compartilhamento) com os atuais modelos que representam o status quo.

Em situação análoga (julgamento do RE 1.054.110/SP), que tratava da atividade exercida pela Uber, assim ensinou o eminente ministro do STF Luis Roberto Barroso: "...nós temos de aceitar como uma inexorabilidade do progresso social o fato de que há novas tecnologias disputando mercado com as formas de tradicionais de oferecimento de determinados serviços. (...) O desafio do Estado está em como acomodar a inovação com os mercados pré-existentes, e penso que a proibição da atividade na tentativa de contenção do processo de mudança, evidentemente, não é o caminho, até porque acho que seria como tentar aparar vento com as mãos."

Conclui-se, por fim, que não houve decisão vinculativa, formadora de precedente ou mesmo tendência para julgamentos futuros pois o caso concreto era diferenciado, tendo sido decidido o contexto fático e não a tese de fundo, que, por sua vez, quando for analisada, revelará tratar-se a locação por aplicativos de uma atividade absolutamente legal e em linha com vários princípios de direito, dentre os quais a função social e os direitos da propriedade.

Atualizado em: 29/6/2021 08:15

Paulo Maximilian W M Schonblum - Sócio de Chalfin, Goldberg e Vainboim Advogados Associados
Fonte: Migalhas de Peso

segunda-feira, 28 de junho de 2021

As teorias aplicáveis à resolução dos contratos de locação em tempos da pandemia ocasionada pelo Covid-19


1. INTRODUÇÃO

As transformações sociais, econômicas e políticas ensejam mudanças na sociedade. Tais transformações provocam mudanças no direito; mudam-se os princípios, alteram-se os paradigmas legais, surgem novas formas contratuais. A massificação da sociedade e das relações sociais, provocadas pela intensa intervenção da economia e da sociologia no direito, levou à massificação contratual.

Em meados de Março de 2020 instalou-se no Brasil a pandemia gerada pelo vírus COVID-19, dentre as medidas adotadas pelas autoridades competentes, o fechamento de vários estabelecimentos comerciais que foram classificados como supérfluos ou de não atividades essenciais.

Diante deste fato inevitável a economia sofreu um baque, gerando desemprego, diminuição de renda e ainda, o risco de morte iminente pelo vírus. Diante deste cenário, por óbvio que a diminuição de renda, tanto de pessoa física quanto de empresários, fez com que os negócios jurídicos sofressem consequencias graves, dentro eles os pedidos de revisional e resolução dos contratos de locação de imóveis, propiciando aos operadores do direito a aplicação das teorias já existentes no ordenamento jurídico.

Estampado nas leis pátrias, há alguns artigos que trazem soluções para a questão, porém não há uma uniformidade no entendimento jurisprudencial sobre o tema, nem mesmo qualquer precedente, o que gera diversos resultados de acordo com cada julgador.

Observa-se, portanto, que as resoluções e revisões de contratos de locação, levando em consideração a pandemia causada pelo Coronavírus (Covid-19), que acomete o Brasil desde meados de março de 2020, não pode basear-se em uma única teoria, deve se analisar o caso concreto para decidir.

Diante deste cenário, verifica-se que muitos cidadãos e empresas têm tido dificuldades de honrar os compromissos e obrigações assumidos anteriormente à pandemia, notadamente pela queda brusca em seus rendimentos e faturamentos.

2. O CONTRATO DE LOCAÇÃO

A publicação do Código Civil de 2002, em seu art. 421 disciplinou a teoria geral dos contratos, embutido nesse artigo está o princípio da função social do contrato em que o direito a entabular as vontades por meio do contrato, será exercido nos limites do referido princípio.

Os Enunciados do Centro de Estudos Judiciário do Conselho da Justiça Federal direcionam estudos no sentido de que, embora o artigo trate da função social do contrato, este tem como seu pape principal a função econômica.

O Superior Tribunal de Justiça pronunciou a respeito:

“A função social infligida ao contrato não pode desconsiderar seu papel primário e natural, que é o econômico. Ao assegurar a venda de sua colheita futura, é de se esperar que o produtor inclua nos seus cálculos todos os custos em que poderá incorrer, tanto os decorrentes dos próprios termos do contrato, como aqueles derivados das condições da lavoura”. (STJ-3ª T., REsp 803.481, Min. Nancy Andrighi, j. 28.06.07, DJU 1.8.07)

A Lei 8.245/91 disciplina as relações contratuais da locação urbana, e tem como regra geral do contrato de locação em sendo bilateral, oneroso, comutativo, típico e consensual, não-formal e de trato sucessivo.

O contrato de locação gera obrigação de restituir, modalidade da obrigação de dar coisa certa, aplicando-se no que couber, quanto à perda e deterioração da coisa, os arts. 238 e 240 e, quanto aos acréscimos e melhoramentos, os arts. 241 e 242 ambos do Código Civil.

Em 2009, a Lei de Locação de Imóveis sofreu forte alteração. Com a finalidade de modernizar e alavancar o setor, na tentativa de desburocratizar e facilitar o acesso ao imóvel objeto de locação, a principal alteração foi a previsão expressa de concessão de liminar para o despejo do inquilino inadimplente, cujo contrato não tivesse garantia.

A influência estatal neste cenário de crise gerada pela pandemia instalada pelo vírus COVID-19 é um desafio enorme, o risco da omissão quanto da intervenção é alto, pelo que em que pese a urgência com que as decisões hão de ser tomadas, há de se resgatar o passado para solidificar a conduta a ser seguida.

3. AS TEORIAS APLICÁVEIS NO CASO DE RESOLUÇÃO DOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO OCASIONADA PELO CORONAVÍRUS

3.1. APLICAÇÃO DA TEORIA DE CASO FORTUITO E DE FORÇA MAIOR – ART. 393 DO CÓDIGO CIVIL

Alguns estudiosos, levados a analisarem os contratos de locação a luz na situação atual da sociedade, defendem que é possível a aplicação dessa teoria em que o locatário suspende os pagamentos de alugueis, diante do caso fortuito ou força maior.

A teoria consiste em que, como caso fortuito quanto a força maior podem ser entendidos como ações de causas que se situam fora do alcance da vontade de uma parte, impedindo-a de seu cumprimento. São eventos supervenientes e inevitáveis, ou seja, fora do alcance do poder humano, e ainda fora de qualquer previsão que pudesse ser acordada em contrato.

Na jurisprudência a seguir o Superior Tribunal de Justiça definiu o conceito:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.564.706 - PE (2014/0307212-8) RELATOR: MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA RECORRENTE : BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S/A - BNB ADVOGADOS : NIELSON MOREIRA DIAS JUNIOR E OUTRO(S) MARIANA CERQUEIRA FELIX RECORRIDO : PEDRA DE AMOLAR AGROPECUARIA LTDA RECORRIDO : MARIA CRISTINA BANDEIRA DA COSTA AZEVEDO ADVOGADOS : JOÃO BENTO DE GOUVEIA MARIANA DOURADO LAURINDO GOMES E OUTRO(S) INTERES. : SÉRGIO DE ALBUQUERQUE MARANHÃO NEVES INTERES. : EDUARDO MARTINS CORTÊS INTERES. : ALICE PAULA COLAÇO RIBEIRO CORTÊS EMENTA RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO EXTRA PETITA. SÚMULAS NºS 283 E 284/STF. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. PROPRIEDADE RURAL. INVASÃO. MOVIMENTO DOS SEM TERRA (MST). FORÇA MAIOR. REQUISITOS. artigo 393, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. INEVITABILIDADE DO EVENTO. NÃO CONFIGURAÇÃO.1. Cinge-se a controvérsia a examinar se é possível reconhecer a invasão de propriedade rural pelo Movimento dos Sem Terra (MST) como hipótese de força maior apta a ensejar a exoneração do cumprimento da obrigação encartada em cédula de crédito rural. 2. A teor do que preconiza o artigo 393, parágrafo único, do Código Civil, o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. Os elementos caracterizadores das referidas excludentes de responsabilidade são: a necessariedade (fato que impossibilita o cumprimento da obrigação) e a inevitabilidade (ausência de meios para evitar ou impedir as consequências do evento).g.n. 3. A invasão promovida por integrantes do MST em propriedade rural por si só não é fato suficiente para configurar o evento como de força maior, pois devem ser analisados, concretamente, a presença dos requisitos caracterizadores do instituto. 4. No caso dos autos, não restou comprovado que a ocupação ilegal da propriedade rural pelo MST criou óbice intransponível ao cumprimento da obrigação e que não havia meios de evitar ou impedir os seus efeitos, nos termos do artigo 393, parágrafo único, do CC. Ônus que incumbia à parte autora da ação anulatória. 5. Recurso especial provido. ACÓRDÃO. Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro João Otávio de Noronha, decide a Terceira Terceira Turma , por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha (Presidente) e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 16 de agosto de 2016(Data do Julgamento) Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA - Relator

Assim, ao analisarmos o caso concreto, de acordo com esse entendimento, os locatários poderiam suspender os alugueis, pois a pandemia do coronavírus caracterizaria caso fortuito ou de força maior.

3.2. A APLICAÇÃO DA TEORIA DE ONEROSIDADE EXCESSIVA – ART. 478 DO CÓDIGO CIVIL

De acordo com essa teoria os contratos de locação se tornaram excessivamente onerosos para o locatário, uma vez que a pandemia tem atacado diretamente o faturamento dos empresários. Razão pela qual o locatário poderia pedir a revisão do contrato ou mesmo resolvê-lo.

Esse entendimento aplicar-se-ia as locações não residenciais, pois devemos analisar sempre o caso concreto, com o fechamento obrigatório e arbitrários das autoridades das atividade comerciais, os locativos tornaram-se excessivos, sem o faturamento das empresas.

Para a aplicação da onerosidade excessiva, é necessário o preenchimento dos requisitos básicos: cumulativamente: a prestação se torne excessivamente onerosa para o locatário; haja extrema vantagem para o locador.

Para a configuração dessa teoria, é imprescindível a presença dos requisitos, tanto que a jurisprudência já se manifestou ao contrário de sua aplicabilidade:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. TEORIA DA IMPREVISÃO. INAPLICABILIDADE. ONEROSIDADE EXCESSIVA DO CONTRATO NÃO CONFIGURADA. SENTENÇA MANTIDA. 1. A aplicação da teoria da imprevisão como justificativa para a resolução de contratos de execução continuada pressupõe a ocorrência de acontecimento extraordinário que imponha um gravame a um dos contratantes a que corresponda um benefício em favor do outro. Inocorrência dessa circunstância na hipótese em que o mutuário passou a ter despesas extraordinárias e provisórias com medicamentos. 2. Hipótese em que, no ano de 2012, os medicamentos necessários para o tratamento do filho do autor já estavam sendo fornecidos pelo SUS, cuidando-se de contrato de financiamento imobiliário com encerramento previsto para o ano de 2038. 3. Impossibilidade de extinção antecipada do contrato, sem prejuízo de sua repactuação e ajustamento em razão dos eventos alegados. 4. Apelação da parte autora a que se nega provimento. (TRF-1 - AC: 00594359720114013800, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, Data de Julgamento: 25/07/2018, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 08/08/2018)

No caso concreto, a pandemia do coronavírus até pode fazer com que as prestações das locações de imóveis se tornem excessivamente onerosas aos locatários. No entanto, não geram, de forma alguma, extrema vantagem aos locadores, pois todos estão sofrendo com a pandemia.

3.3. APLICAÇÃO DA TEORIA DA DETERIORAÇÃO DA COISA CONTIDA NO ART. 567 DO CÓDIGO CIVIL EM ANALOGIA DA TEORIA DA EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO

Já essa corrente, a pandemia do coronavírus trouxe a impossibilidade de usar a coisa (o imóvel) conforme contratado. O que criaria uma espécie de deterioração do imóvel.

Veja-se o teor do art. 567 do Código Civil:

Art. 567. Se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava.

Essa teoria para a sua aplicação, é preciso uma análise de caso concreto, pois assim, se a coisa alugada se deteriorar sem culpa do locatário, ele poderá pedir a redução proporcional do valor do aluguel ou, ainda, resolver o contrato, caso o imóvel não sirva para a finalidade que se destina.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS – CONCLUSÃO

O período atual reverbera uma intensa necessidade de reflexão dos arranjos sociais, a cada dia o cenário muda, as incertezas são postas na mesa e a sociedade experimenta um trauma coletivo.

A locação de imóveis como demonstrado ao longo do artigo é atividade muito antiga, consagrada pela sociedade e disciplinada pelo Direito. O presente trabalho ocupou-se de realizar um recorte histórico sobre o assunto com a finalidade de reverberar reflexões sobre o tema e não o esgotar, haja vista a impossibilidade momentânea, pois os reclames sociais estão em ebulição e de difícil mensuração.

O tema habitação seja em que modalidade ou contexto for estudado sempre será um tema muito sensível para a sociedade. Pois, como narrado nas páginas acima, uma intervenção do legislativo pode ter efeitos colaterais severos, como também sua omissão pode amargar o sentimento de trauma coletivo experimentado pela sociedade.

A pandemia do medo gera um hard case para o Direito, pois a nova realidade não se subsumi perfeitamente às normas vigentes. O que não significa que não haja Lei que se aplique ao caso concreto, gerando desafios para o Estado em lidar com a nova ordem social.

Caso a União e os demais entes federativos optem por legislar sobre o assunto, uma boa solução é a observação do programa Legislar Melhor da União Europeia, a fim de que a norma possa contribuir com a pacificação social em um momento turbulência e incerteza.

Feitas estas considerações, espera-se ter contribuído para o debate, sem ter a intenção de ter a palavra final sobre a temática tratada, mas sim contribuir com a discussão acadêmica sobre a mesma que é tão relevante para a sociedade, pois alberga questões de viés social, econômica e jurídica.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Código Civil e legislação em vigor / Theotonio Negrão, José Roberto F. Gouvêa, Luiz Guilherme A. Bondioli, João Francisco N. da Fonseca. – 38. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

Código de Processo Civil e legislação processual em vigor / Theotonio Negrão, José Roberto F. Gouvêa, Luiz Guilherme A. Bondioli, João Francisco N. da Fonseca. – 51. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

Lei do Inquilinato Comentada / doutrina e prática : Silvio de Salvo Venosa, - 15. ed. - São Paulo: Atlas, 2020.

Araújo Júnior, Gediel Claudino de. Prática de Locação: lei do inquilinato anotada, questões práticas, modelos de peças / Gediel Claudio de Araújo Júnior. – 8. ed., ver., ampl. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018.

Simão, José Fernando. Pandemia e locação – algumas reflexões necessárias após a concessão de liminares pelo Poder Judiciário. Um diálogo necessário com Aline de Miranda Valverde Terra e Fabio Azevedo. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/835913055/pandemia-e-locacao. Acessado em 08 de Setembro de 2020.

Fonte, Bruno Macedo da. As relações locatícias na era da pandemia do Covi-19 e a (in)segurança jurídica no cumprimento das avenças. Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54384/as-relaes-locatcias-na-era-da-pandemia-do-covi-19-e-a-in-segurana-jurdica-no-cumprimento-das-avenas. Acessado em 08 de Setembro de 2020.

Pâmella Batista Del Preto QueirozSou advogada há mais de 10 anos, atuo nas áreas de direito imobiliário, administrativo, eleitoral, tanto consultivo quanto contencioso.
Fonte: Artigos Jus Navigandi

Portabilidade de financiamento imobiliário cresce 144% em 2021. Veja quando vale a pena


O aperto nas contas fez mais pessoas recorrerem à portabilidade do financiamento imobiliário, que é a transferência de dívida para outra instituição financeira em busca de juros menores. Houve alta de 144,1% em março, segundo os últimos dados disponíveis.

Em março do ano passado, foram 3.606 pedidos de portabilidade de crédito imobiliário somando Sistema Financeiro Habitacional (SFH), com juros limitados, e Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) — bancado com recursos próprios dos bancos e taxas definidas pelo mercado. Já no mesmo mês de 2021, foram 8.803 pedidos.

Mesmo com a recente alta da taxa básica de juros para 4,25% ao ano e a perspectiva de novos aumentos na taxa, especialistas avaliam que o consumidor não deve descartar a opção de fazer a portabilidade.

Isso porque os juros ainda estão muito distantes do patamar de dois dígitos já registrado no passado. O ideal a se fazer é pesquisar as opções oferecidas no mercado e tentar negociar, primeiramente, com o atual portador da dívida.

Os especialistas ainda alertam que os consumidores devem considerar todos os custos envolvidos, além da própria capacidade de pagamento antes da decisão. A depender do valor final, a migração pode não ser vantajosa.

— Depende do tempo que resta até o vencimento e da taxa que foi contratada em relação à taxa atual. A portabilidade vale sempre a pena se o consumidor consegue reduzir sua taxa. Qualquer percentual que a pessoa consiga reduzir já é uma vantagem, especialmente quando ainda falta muito tempo para o vencimento — afirmou o professor de Finanças do Insper, Ricardo Rocha.

Como destaca o professor do MBA de Finanças do Ibmec-RJ, Gilson Oliveira, é preciso avaliar o Custo Efetivo Total (CET) da transação. Ele é formado por diversas taxas, como vistoria do imóvel, cobranças administrativas e seguro, cujos preços variam de instituição para instituição.

— Ele tem que verificar qual é o CET nas duas instituições, porque muitas vezes a instituição informa uma taxa que seria inferior a que está contratada, mas podem ter taxas adicionais como administração, seguro do imóvel e tarifas que elevam o custo do financiamento.

Em muitos casos, o mais indicado é permanecer no banco de origem e tentar renegociar a dívida, já que na prática não é preciso fazer portabilidade para obter melhores taxas

Isso evita que a pessoa interessada em renegociar a dívida tenha que passar por nova avaliação de crédito, bem como tenha que arcar com os custos do processo.

— Se a pessoa vai para outra instituição, terá que pagar outra vistoria do seu imóvel. Isso é um custo muito importante porque, normalmente, ele é pago de forma imediata. Ainda há novos custos com cartório — diz Oliveira.

Segundo especialistas, o mais aconselhável é buscar taxas melhores no mercado e apresentar as condições que os concorrentes estão oferecendo para a instituição de origem.

Regras da portabilidade

Como funciona

A portabilidade de financiamento imobiliário segue a mesma lógica da migração de um empréstimo. O cliente do banco A procura o banco B para que este passe a ser o novo responsável pelo financiamento. Neste caso, o segundo banco faz uma análise da capacidade de pagamento para avaliar se concordará com a transação.

Migração

Uma vez que a portabilidade foi acordada, a instituição que receberá o financiamento quita a dívida com o banco original. Assim, a dívida do comprador da casa própria fica inteiramente sob responsabilidade da nova instituição.

Análise do imóvel

Na portabilidade do financiamento, o novo banco faz a análise do imóvel da mesma forma como se o cliente estivesse contratando um empréstimo pela primeira vez. O proprietário do imóvel financiado precisará pagar a taxa de vistoria do imóvel e a transferência no Registro Geral de Imóveis (RGI).

Custos

Não há uma carência que o cliente precisa cumprir para fazer a migração do financiamento de um banco para o outro. O importante, destacam os especialistas, é que seja feita uma análise além da leitura sobre a taxa de juros oferecida pelo banco.

O percentual anual pode ser baixo, mas os financiamentos envolvem seguros e taxas de administração dos bancos. No total, avaliando todas as taxas envolvidas (o Custo Efetivo Total - CET) da transação pode não ser tão vantajoso assim.

Nova análise de crédito

Outro ponto a ser observado na migração do financiamento é a capacidade de pagamento. Os bancos fazem a análise do credit score (método para avaliar o risco de inadimplência) do cliente.

Se, atualmente, a pessoa estiver em uma situação financeira menos favorável do que no momento em que contratou o financiamento, é possível que a portabilidade não seja autorizada.

Porém, caso a situação do orçamento esteja mais vantajosa, o cliente pode tentar a migração para aproveitar os juros mais baixos na concorrência ou, até mesmo, dependendo do seu perfil, diminuir o prazo do financiamento.

Antes de mudar de banco, negocie

Antes de contratar a portabilidade, entretanto, a indicação dos especialistas é que o cliente converse com o atual banco para tentar renegociar as condições do empréstimo. A portabilidade é um processo relativamente simples, que costuma levar um mês. Entretanto, caso seja possível reavaliar as condições com a instituição atual, os especialistas recomendam que seja considerada a manutenção do financiamento no banco original.

Fonte: EXTRA

sexta-feira, 25 de junho de 2021

Fração ideal x permuta x incorporação imobiliária x compra e venda

A revisão das locações em shoppings centers devido à Covid-19


Há mais de um ano o mundo sofre com os impactos causados pela pandemia da Covid-19, e é inegável que a doença gerou reflexos catastróficos, atingindo financeiramente muitas pessoas e empresas.

Como é de conhecimento comum, a medida mais implementada de contenção da doença foi o isolamento social, que culminou na paralisação temporária de diversos setores da economia, possuindo autorização para funcionar apenas as atividades consideradas essenciais: mercados, padarias, açougues, bares e restaurantes, sendo vedado, contudo, o consumo no local, hospitais, clínicas médicas e odontológicas, farmácias, estabelecimentos de saúde animal e ramo de abastecimento e logística.

Por sua vez, o varejo, que representa maior porcentagem no comércio, possui restrição de funcionamento. Em que pese a possibilidade de vendas online, a impossibilidade de atendimento direto ao público afeta sobremaneira o faturamento desse ramo.

E, pensando nas empresas estabelecidas em shoppings centers, o prejuízo é ainda maior. Isso porque os contratos de locação nesses empreendimentos possuem características diferentes das demais locações comerciais.

Em uma locação em shopping center o lojista não se obriga tão somente a pagar o aluguel. Esse tipo de contrato prevê mais de uma remuneração ao empreendedor do shopping.

Apenas o aluguel, na maioria desses contratos, possui duas formas de ser calculado: há o aluguel fixo, que já vem estipulado em contrato, e há também o aluguel percentual. Este é auferido com base no faturamento que o lojista obteve no mês. Não é devido o pagamento dos dois cumulativamente, vez que ensejaria num alto valor, mas o lojista, se obter faturamento superior ao limite previsto no contrato, deverá pagar o aluguel percentual e, em contrapartida, se o faturamento for igual ou inferior ao limite, será devido o valor de aluguel fixo previamente pactuado.

Ainda sobre o aluguel, é muito habitual nesses contratos de locação uma cláusula que preveja meses em que o aluguel será pago em dobro, como por exemplo, em dezembro, visto que há aumento no número de vendas em razão do Natal, podendo ocorrer, ainda, em maio e agosto por conta dos Dias das Mães e dos Pais.

Essa modalidade de locação prevê também o pagamento das despesas comuns, como se fosse o condomínio do shopping, que são rateadas entre todos os lojistas na proporção da área locada.

Por fim, é muito comum também a cobrança do chamado fundo de promoção, que consiste em uma contribuição dos lojistas para um fundo que se destina à imagem do shopping.

Como pode-se notar, são diversas as contraprestações devidas pelo lojista ao empreendedor do shopping, o que nos leva a indagar: como os lojistas conseguirão arcar com tais despesas enquanto perdurar a determinação de fechamento dos shoppings center? É possível uma renegociação de tais cláusulas?

No âmbito jurídico é amplamente conhecida a expressão "o contrato faz lei entre as partes", esta derivada do princípio da pacta sunt servanda, dando a entender que as cláusulas contratuais não podem ser modificadas e que os contratantes devem se ater a elas.

Entretanto, quando na execução do contrato ocorrer situações que tornem impossíveis ou gerem excessiva onerosidade para o cumprimento da obrigação por um contraente face ao outro e não havendo acordo extrajudicial entre as partes, é admitida a intervenção do Poder Judiciário para restabelecer a equidade entre as partes perante a obrigação contratada, fazendo-se respeitar, assim, um dos princípios balizadores do direito contratual, que é o princípio da igualdade.

Assim, para possibilitar a revisão contratual, aplica-se a chamada teoria da imprevisão, a qual encontra-se prevista em nosso Código Civil, no artigo 317:

"Artigo 317 — Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação."

Sobre mencionada teoria, ensina a ilustre Maria Helena Diniz:

"(...) O órgão judicante deverá, para lhe dar ganho de causa, apurar rigorosamente a ocorrência dos seguintes requisitos: a) vigência de um contrato comutativo de execução continuada; b) alteração radical das condições econômicas no momento da execução do contrato, em confronto com as do benefício exagerado para o outro; c) imprevisibilidade e extraordinariedade daquela modificação, pois é necessário que as partes, quando celebram o contrato, não possam ter previsto esse evento anormal, isto é, que está fora do curso habitual das coisas" ("Curso de Direito Civil brasileiro. Teoria Geral das obrigações contratuais e extracontratuais". 19ª ed., v.3. p. 162).

Sendo assim, quando se tratar de um contrato que preveja execução continuada, ou seja, que irá se estender no tempo, ocorrendo situações que, quando da assinatura, eram impossíveis de serem previstas pelos contratantes e que afete negativamente a capacidade econômica de um destes, o contrato poderá ser revisto, a fim de que se evite grandes prejuízos ao contratante afetado.

A Justiça paulista há anos consolidou a aplicação da teoria da imprevisão para admitir revisões contratuais:

"A teoria da imprevisão decorre da constatação de que o contrato, celebrado para ser respeitado e cumprido, segundo as mesmas condições existentes no momento da celebração, pode ser alterado, excepcionalmente, se ocorrerem fatos supervenientes imprevisíveis que estabeleçam o desequilíbrio entre as partes, onerando sobremaneira uma delas, com proveito indevido da outra. Nesta hipótese, incide a cláusula rebus sic stantibus, mediante a qual se retorna ao estado de equilíbrio anterior, afastando-se qualquer hipótese de supremacia e de vantagem indevida de uma das partes, em desfavor da outra que ficaria prejudicada. Segundo a doutrina de Orlando Gomes, '(…) quando acontecimentos extraordinários determinam radical alteração no estado de fato contemporâneo à celebração do contrato, acarretando consequências imprevisíveis, das quais decorre excessiva onerosidade no cumprimento da obrigação, o vínculo contratual pode ser resolvido ou, a requerimento do prejudicado, o juiz altera o conteúdo do contrato, restaurando o equilíbrio desfeito. Em síntese apertada: ocorrendo anormalidade da álea que todo contrato dependente do futuro encerra, pode-se operar sua resolução ou a redução das prestações'. Para Cunha Gonçalves, há como que um defeito do ato jurídico (segundo o conceito do Direito Brasileiro): '(…) é tão injusto e imoral aproveitar um contraente, excessivamente, de circunstâncias que para o outro ou para ambos eram imprevisíveis no momento do contrato. (…)'". (TJ-SP; Apelação Com Revisão 9142407-42.2001.8.26.0000; relator (a): Carvalho Viana; órgão julgador: 3ª Câmara (Extinto 1° TAC); Foro de São Caetano do Sul – 1ª Vara Cível; data do julgamento: 19/3/2002; data de registro: 15/5/2002).

Considerando tais premissas, no que concerne aos contratos de locação em shoppings centers podemos concluir que: 1) são contratos que preveem vigência extensa; 2) a pandemia causada pelo novo coronavírus era imprevisível, tendo causado efeitos em escala mundial; e 3) é inegável que as medidas implementadas para controle da doença afetaram e continuam afetando de maneira absurda o faturamento dos lojistas, alterando a capacidade econômica destes.

Sendo assim, quando lojista e empreendedor do shopping não chegarem a um acordo, não só é completamente admissível a revisão destes contratos junto ao Poder Judiciário como é o que vem ocorrendo ao longo desse um ano de pandemia.

Os Tribunais de Justiça pátrios, pautados pela teoria da imprevisão, têm admitido descontos e, em alguns casos, afastado algumas das cobranças previstas em contrato, como podemos vislumbrar no julgado proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual determinou a prevalência do aluguel percentual e afastou a cobrança do aluguel mínimo e fundo de promoção:

"Ação cautelar antecedente cumulada com pedido de inexigibilidade de valores. Locação em shopping center. Locatária que exerce atividade no ramo de moda feminina. Fechamento dos shoppings centers em razão da quarentena decretada por força da pandemia de COVID-19. Motivo imprevisível disposto no artigo 317 do Código Civil que, no caso concreto, permite a readequação da base negocial a partir da reabertura dos shoppings. Desconto voluntário oferecido pelas rés, a partir do mês da retomada parcial das atividades, que não se mostrou suficiente para restabelecer o equilíbrio contratual. Se o contrato de locação prevê a figura do aluguel percentual, entende-se viável que ele seja utilizado como um parâmetro alternativo que reflete, de forma concreta, o compartilhamento dos prejuízos decorrentes da restrição de atividades comerciais impostas pelo Poder Público, ao mesmo tempo em que se prioriza a manutenção do vínculo contratual. Medida excepcional que se justifica até que cessem os efeitos do Decreto Legislativo nº 6/2020, que reconheceu o estado de calamidade pública em razão da pandemia. Fundo de Promoção e Propaganda que não revela utilidade e eficácia concreta ao lojista durante este período. Aluguéis mínimos e Fundo de Promoção vencidos e vincendos referentes ao mesmo período de vigência da revisão temporária do contrato nos moldes delineados que devem, por conseguinte, ser declarados inexigíveis. Sentença de procedência mantida, com acréscimos na fundamentação. Recurso improvido". (TJ-SP; Apelação Cível 1057666-35.2020.8.26.0100; relator (a): Ruy Coppola; órgão julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 28ª Vara Cível; data do julgamento: 11/2/2021; data de registro: 11/2/2021 — grifos da autora)

Analisando-se a jurisprudência dos demais Tribunais de Justiça, em que pese uma divisão entre os entendimentos, verificou-se uma tendência pró-lojistas, com a concessão de descontos nos aluguéis que atingem até 50% do valor previsto no contrato.

Entretanto, é necessário frisar que não basta a mera alegação da pandemia para a revisão contratual. Em conjunto ao pedido é imprescindível a apresentação de documentos que demonstrem a real alteração da capacidade econômica do lojista, tendo em vista ser essa um dos requisitos da teoria da imprevisão, o que enseja na análise do Poder Judiciário e restabelecimento do equilíbrio contratual entre locatários e locadores.

Thaís Graziella Souza Barbosa é especialista em Direito Processual Civil pela PUC-Campinas, advogada no escritório Granito, Boneli e Andery Advogados (GBA Advogados Associados).
Fonte: Revista Consultor Jurídico

STJ discute penhora de bem de família dado como garantia de locação comercial


A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu analisar, sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.091), se é possível penhorar bem de família de propriedade do fiador, dado em garantia em contrato de locação comercial.ReproduçãoSTJ discute penhora de bem de família dado como garantia de locação comercial

Apesar da afetação para fixação do precedente qualificado, o colegiado decidiu não suspender os processos sobre o mesmo tema que estejam em tramitação nos tribunais do país.

A relatoria dos recursos é do ministro Luis Felipe Salomão. Segundo ele, a controvérsia, à primeira vista, estaria abarcada pelo Tema 708, no qual a Segunda Seção estabeleceu que é legítima a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, nos termos do artigo 3º, inciso VII, da Lei 8.009/1990.

Entretanto, o relator afirmou que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no Recurso Extraordinário 605.709, que eventual bem de família de propriedade do locatário não está sujeito à penhora e alienação forçada para pagar a dívida com o locador. Essa orientação, segundo Salomão, trouxe dúvidas sobre o que foi decidido anteriormente pelo STJ, especialmente sobre eventuais distinções em relação ao contrato de locação, se comercial ou residencial.

Além disso, o ministro destacou que o STF reconheceu a repercussão geral dessa controvérsia (Tema 1.127), com julgamento de mérito ainda pendente.

De acordo com Luis Felipe Salomão, não há impedimento para que o STJ, mesmo com a análise do tema pelo STF, também se pronuncie sobre o assunto, especialmente em razão do caráter infraconstitucional da matéria relativa à impenhorabilidade do imóvel dado em garantia pelo fiador de locação.

O relator observou que, na hipótese de interposição conjunta de recurso extraordinário e recuso especial, a regra geral é que os autos sejam remetidos primeiramente ao STJ e, só após concluído o julgamento nessa corte, sigam para o STF.

"A celeridade e a eficiência clamam que o STJ se movimente, ouvindo as partes, autorizando o ingresso de amicus curiae, decidindo intercorrências, entre outras medidas, e fique pronto para, no momento adequado, pautar os processos em discussão, definindo o tema pela técnica do artigo 1.036 e seguintes do CPC", declarou.

Com a afetação do recurso, o magistrado facultou a manifestação, como amici curiae, da Defensoria Pública da União e da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis.

O que é recurso repetitivo
O Código de Processo Civil de 2015 regula, no artigo 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros.

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como saber a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações. Com informações da assessoria do STJ.

REsp 1.822.033
REsp 1.822.040

Fonte: Revista Consultor Jurídico

Senado aprova projeto de lei que suspende despejos até o fim de 2021


O Plenário do Senado aprovou, nesta quarta-feira (23/6), o PL 827/2020 que suspende medidas judiciais o despejo ou desocupação de imóveis até o fim de 2021 por conta da crise provocada pela Covid-19 no país.

O texto suspende os atos praticados desde 20 de março de 2020, com exceção dos já concluídos. A suspensão dos despejos irá valer para contratos de aluguel cujo valor seja até de R$ 600 para imóveis residenciais e R$ 1,2 mil para imóveis não residenciais.

A medida perde a validade nos casos em que o imóvel alvo da ação seja a única propriedade do locado e o dinheiro do aluguel for a sua única fonte de renda. O texto irá retornar à Câmara dos Deputados para votação do destaque do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) que visa excluir os imóveis rurais do escopo do projeto. Segundo o parlamentar, os efeitos negativos da economia na renda das famílias se concentraram no meio urbano e não em regiões rurais.

Nos casos de reintegração de posse, a medida é valida para todas as ocupações que ocorreram antes do 31 de março de 2021 não abarca desocupações já concluídas. Por fim, o PL ainda dispensa o locatário de pagamento de multa nos casos de encerramento de locação de imóvel decorrente de perda de capacidade econômica.

Para o especialista em Direito Imobiliário, Marcelo Valença, sócio da Valisa Valisa Business Intelligence, a aprovação do PL sem o destaque proposto pelo Senado não deve causar nenhum clima de instabilidade ou violência no campo e nem nos centros urbanos.

“Prorrogar ações de despejo de imóveis até o fim do ano em razão do agravamento da crise provocada pela pandemia não vai deixar as cidades mais violentas, nem tampouco interferir no abastecimento da população. É obvio que os proprietários dos imóveis vão pagar a conta de inadimplência dos locatários, porém o atual desaquecimento do mercado imobiliário não garante a nova locação imediata do imóvel”, avalia.

PL 827/2020

Fonte: Revista Consultor Jurídico

quarta-feira, 23 de junho de 2021

INSS obra: Regularização extemporânea de obra pode gerar indevida cobrança de contribuição previdenciária


Após a finalização de uma obra, existem diversos procedimentos que devem ser adotados para que a construção seja regularizada, dentre os quais se encontra o preenchimento da Declaração e Informação Sobre Obra (DISO) junto à Receita Federal. Ocorre que, muitas vezes, a DISO acaba sendo preenchida com dados que não correspondem à realidade, ensejando o pagamento indevido de contribuições previdenciárias já fulminadas pela decadência.

A importância da regularização da obra junto à Receita Federal reside no fato de que, apenas após esse procedimento, será expedida Certidão Negativa de Débito de Obra de Construção Civil (CND), sem a qual, por exemplo, não é possível averbar a construção no Registro de Imóveis1. Por outro lado, diversos contribuintes realizam a regularização da obra após o recebimento de uma notificação, por meio da qual a Receita Federal convoca o contribuinte a preencher a DISO, sob pena de sua inércia provocar a emissão de auto de infração.

Ocorre que, conforme será explicado a seguir, caso o contribuinte tenha realizado a regularização após o decurso de 5 anos da efetiva conclusão da obra, o Fisco, provavelmente, exigiu o pagamento de tributos já fulminados pela decadência.

Nesse sentido, o art. 339 da IN RFB 971/09 dispõe expressamente que para regularização da obra de construção civil, o proprietário do imóvel, o dono da obra, o incorporador pessoa jurídica ou pessoa física, ou a empresa construtora contratada para executar obra mediante empreitada total deverá informar à RFB os dados do responsável pela obra e os relativos à obra, mediante utilização da DISO.

A partir das informações constantes na DISO, será emitido Aviso para Regularização de Obra (ARO), cuja finalidade é (I) I - informar ao responsável pela obra a situação quanto à regularidade das contribuições sociais ou (II) comunicar a existência do crédito tributário nele apurado, constituindo confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência do referido crédito.2

O preenchimento da DISO, portanto, possui a finalidade de constituir definitivamente o crédito tributário, na medida em que as contribuições ora discutidas originam-se por meio de lançamento por homologação. Nessa modalidade, conforme leciona Schoueri, "o sujeito passivo apura o montante devido e recolhe­-o aos cofres públicos, estando sujeito a um controle, a posteriori, por parte da administração tributária. É por isso que parte da doutrina denomina­-o "autolançamento".3

No que se refere ao prazo para a constituição do crédito tributário, no caso específico de contribuições previdenciárias decorrentes de obra de construção civil, o Tribunal Regional da 4ª região possui jurisprudência firmada, no sentido de que, tratando-se de tributo sujeito à lançamento por homologação, inexistente declaração ou pagamento, o tributo fica sujeito a lançamento de ofício, aplicando-se, no tocante à análise do prazo decadencial, o quanto disposto no artigo 173, inciso I, do CTN.4

Isto posto, importante analisar qual o fato gerador das contribuições previdenciárias ora debatidas para verificar o termo inicial do prazo decadencial. Esse assunto encontra-se pacificado no âmbito dos Tribunais Regionais Federais, os quais possuem jurisprudência consolidada no sentido de que "o fato gerador da contribuição previdenciária incidente sobre obras de construção civil é a data de conclusão da obra".5

Dessa forma, o Fisco possui o prazo de 5 anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte ao término da obra, para realizar o lançamento de ofício substitutivo. Mas, a dúvida que surge é a seguinte, como a conclusão da obra pode ser comprovada? Apenas o "habite-se" pode ser usada para comprovar a data em que a construção foi finalizada?

A resposta dessas perguntas é de extrema importância para aferição da decadência de possíveis cobranças indevidas, pois é a data da efetiva conclusão da obra que definirá se as contribuições poderão ser cobradas. O artigo 390, § 3º e § 4º da IN RFB 971/2009, elenca uma série de documentos que podem ser utilizados para comprovação da data em que a construção foi finalizada, dentre os quais se destacam: habite-se, Certidão de Conclusão de Obra (CCO); comprovante de IPTU, em que conste a área da edificação; escritura de compra e venda do imóvel, em que conste a sua área; contrato de locação com reconhecimento de firma em cartório; contas de telefone ou de luz, de unidades situadas no último pavimento; vistoria do corpo de bombeiros, na qual conste a área do imóvel.

No entanto, não há tarifação probatória, razão pela qual os contribuintes que não dispuserem dos documentos elencados na IN RFB 971/2009 poderão recorrer ao poder judiciário para afastar a cobrança indevida ou reaver as contribuições recolhidas indevidamente, mediante a comprovação da efetiva data de conclusão da obra.

Por fim, cumpre ressaltar que o fato de o contribuinte ter declarado uma data equivocada na DISO, especialmente por colocar a data de conclusão do HABITE-SE, e não a da efetiva conclusão da obra, realizando o pagamento ou parcelamento das contribuições previdenciárias, não afasta a possibilidade de comprovação, em juízo, da real data em que a construção foi concluída, na medida em que as informações constantes na DISO não são irrevogáveis. No mesmo sentido, em relação aos contribuintes que realizaram pagamentos de contribuições previdenciárias nos últimos 05 anos, é possível buscar junto ao Poder Judiciário a restituição dos valores pagos de forma indevida, desde que demonstrada a ocorrência de decadência.
___________

1 Art. 383-A, I, IN RFB 971/2009

2 Art. 340, I e II da IN RFB 971/2009

3 Schoueri, Luis E. DIREITO TRIBUTÁRIO. Editora Saraiva, 2021. [Minha Biblioteca]. p. 361

4 TRF4, AC 5002543-47.2017.4.04.7209, PRIMEIRA TURMA, Relator FRANCISCO DONIZETE GOMES, juntado aos autos em 28/09/2020

5 TRF4, AC 5000326-69.2019.4.04.7206, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 13/10/2020. No mesmo sentido: TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1991719 - 0009739-57.2009.4.03.6112, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA

Atualizado em: 23/6/2021 09:32

Wagner Schneider Cemin - Graduado em Direito pela Unisinos - Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Advogado do escritório Hickmann Advogados Associados.
Fonte: Migalhas de Peso

A mitigação do princípio da especialidade dos títulos oriundos da regularização fundiária urbana


Introdução

O presente artigo tem como objetivo contribuir com o estudo da flexibilização do princípio da especialidade no registro de títulos oriundos da regularização fundiária urbana.

Os princípios registrais

Princípios são normas de valor genérico que orientam a compreensão do sistema jurídico, em sua aplicação e integração, estejam ou não positivadas.1 De modo que toda a compreensão do direito passa, inicialmente, pelo estudo dos princípios.

Assim como os princípios gerais de direito, existem princípios que norteiam a atividade registral, dentre os quais o princípio da legalidade, moralidade, prioridade, continuidade e especialidade. Esses princípios norteadores e informativos do Direito Registral estão positivados essencialmente na lei Federal 6.015/73, na Constituição Federal, no Código Civil, na doutrina e na jurisprudência. Passa-se, então a tratar especificamente de cada um deles.

O princípio da legalidade é um dos princípios fundamentais do registro de imóveis. Inclusive, é aquele que norteia todos os demais princípios. Trata-se, em sentido amplo, de princípio pelo qual toda ação da Administração e toda decisão dos tribunais deve ser resultado da aplicação da lei.

No âmbito dos registros públicos, o princípio da legalidade é definido por Luiz Guilherme Loureiro como aquele pelo qual se impõe que os documentos submetidos ao Registro devem reunir os requisitos exigidos pelas normas legais para que possam aceder à publicidade registral2.

Marcelo Rodrigues também tece comentários:

Na esfera do direito registral, exprime o princípio a ideia de que os títulos, públicos ou particulares, judiciais ou extrajudiciais, sem distinção, aptos a registro ou averbação, devem reunir os requisitos exigidos nas leis, a cujo fim é necessário submetê-los a um prévio exame, verificação ou qualificação, que assegure sua validade ou perfeição, do ponto de vista extrínseco ou formal.3

De modo que o título não pode ingressar no fólio real se não observados os requisitos do ordenamento jurídico, notadamente o princípio da legalidade.

Ultrapassada a legalidade, passa-se a tratar da prioridade, que tem por finalidade tanto ordenar o procedimento registral, estipulando o que deve ser analisado e registrado em primeiro lugar, quanto graduar os direitos reais contraditórios, excluindo aquele posterior incompatível e prorrogando o grau daquele compatível.4

Desta forma, um dos efeitos da prioridade é resguardar a preferência5 do título levado ao fólio real. Sendo que o título prenotado com número menor tem preferência sobre aquele prenotado com número maior.

No que diz respeito ao prazo da prática de todo o serviço na serventia, este prazo é de 30 dias, conforme o disposto no art. 188 da lei 6.015/73. Diante disso, considera-se de 30 dias o prazo de prenotação. Especificidade que merece detalhamento é que em casos de regularização fundiária o prazo se dilata para 60 dias, prorrogável por igual período, nos termos do art. 44, parágrafo 5º da lei 13.465/17.

Dando seguimento ao estudo dos princípios, há também o princípio da continuidade ou trato sucessivo. Trata-se de princípio que garante segurança jurídica ao estabelecer a necessidade de observância da cadeia de titulares, de modo a criar um elo perfeito na cadeia.

Segundo Victor Kumpel, a continuidade ou trato sucessivo designa que, no fólio real, uma inscrição é consecutiva a outra, devendo obrigatoriamente existir uma correspondência entre o titular do direito que outorga o título e o titular tabular (continuidade subjetiva), bem como a coincidência do próprio objeto (continuidade objetiva)6.

Verificada rapidamente as especificidades de cada um dos princípios acima, passa-se a tratar, no tópico seguinte e com maior profundidade, do princípio da especialidade.

O princípio da especialidade

Ultrapassado o breve estudo dos princípios registrais, passa-se a tratar especificamente do princípio da especialidade registral. Trata-se de princípio segundo o qual todo imóvel que seja objeto de registro deve estar perfeitamente individualizado.7 Deve-se individualizar não só o imóvel em si, como também o proprietário tabular.

Divide-se, portanto, em especialidade objetiva (aquela que se refere ao imóvel) e especialidade subjetiva (aquela que se refere ao sujeito).

A especialidade objetiva, de acordo com a doutrina, desenvolveu-se à partir da necessidade de se combater a clandestinidade das hipotecas8 e compreende a plena e perfeita identificação do imóvel na matrícula e nos documentos apresentados para registro. De acordo com Marcelo Rodrigues:

Por esse princípio protege-se o registro imobiliário de equívocos que possam confundir os imóveis (e os sujeitos a que se referem os direitos inscritos), causando embaraço à segurança e à consulta dos títulos.

Assim, não se pode admitir que o título inove a descrição do registro anterior, devendo manter a descrição pré-existente de forma rigorosa, sob pena de ofensa ao princípio da especialidade objetiva.

Note, ainda, que não basta a descrição geométrica do imóvel, sendo também necessária uma amarração geográfica que marque a posição do imóvel no espaço, o que pode ser feito com a indicação dos confrontantes.

Assim, para Afrânio de Carvalho, a existência da expressão "confrontando com quem de direito" aposta na escritura pública ou no registro viola o princípio em questão9. De modo que se deve mencionar o nome dos confrontantes.

Atualmente, com a lei 6.015/73, pode-se extrair a especialidade objetiva do art. 176, §1º, que exige a identificação do imóvel, que será feita com indicação a) se rural, do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denominação e de suas características, confrontações, localização e área; b) se urbano, de suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e de sua designação cadastral, se houver.

Anote-se também que o art. 225 da lei 6.015/73 trouxe a necessidade de que se indique com precisão as características e as confrontações do imóvel. E em se tratando de imóvel rural, a localização, limites e confrontações devem ser obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida anotação de responsabilidade técnica (ART), contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional fixada pelo Incra (art. 225, § 3º da lei 6.015/73).

Por outro lado, a especialidade subjetiva, como o próprio nome indica, diz respeito ao sujeito. Exige-se, pois, a perfeita identificação e qualificação das pessoas nomeadas na matrícula e nos títulos levados a registro.10

A doutrina trata da especialidade subjetiva:

Em se tratando de pessoa natural, o princípio da especialidade está plenamente atendido quando se faz referência ao seu nome civil completo, sem abreviaturas, nacionalidade, estado civil, profissão, residência e domicílio, número de inscrição no Cadastro das Pessoas Físicas no Ministério da Fazenda (CPF), número do Registro Geral (RG) de sua cédula de identidade ou, à falta deste, sua filiação e, sendo casado, o nome e a qualificação do cônjuge e o regime de bens no casamento [...]11.

Portanto, a título de exemplo, o registro de uma escritura pública em que a qualificação de uma das partes diverge daquela que se apresenta no registro levará o registrador, na qualificação registral, à devolução do título, em observância ao descumprimento do princípio da especialidade subjetiva.

A qualificação registral

Quando um título é levado a registro no Registro de Imóveis, o registrador deve examiná-lo para verificar se aquele título observou os princípios registrais e a legislação vigente. Assim, a qualificação registral é definida pela doutrina como o "poder-dever do registrador de verificar a existência no título de todos os requisitos necessários para que ele possa ingressar no registro de imóveis".12

Para Vitor Kumpel a qualificação registral, ou registrária consiste na exteriorização do princípio da legalidade, ou seja, constitui a forma mais contundente deste, ante a incumbência do registrador de fazer análise dos títulos de acordo com o ordenamento jurídico em vigor. A qualificação jurídico-registral, nesse cenário, é difícil e complexa; é um dever do registrador, exercido com independência funcional [...] mas sempre de forma jurídica e técnica13.

Assim, é no momento da qualificação que o registrador vai verificar se os princípios registrais foram observados. Sendo seu dever, com a independência que lhe é própria, apresentar nota devolutiva daqueles títulos que não estão de acordo com os princípios.

Dentre os títulos que são submetidos à qualificação estão aqueles indicados no art. 167 da lei 6.015/73. O dispositivo elenca os títulos hábeis a registro (inciso I) e a averbação (inciso II).

Em que pese o amplo rol do dispositivo, o presente trabalho tratará da qualificação registral de um título específico: a Certidão de Regularização Fundiária, que se apresenta no item 43 do inciso I do art. 167 da lei 6.015/73.

No entanto, antes de se estudar o título oriundo da regularização fundiária, revela-se importante contextualizar a regularização fundiária e sua mais recente alteração legislativa. Estudo que se apresenta em seguida.

A regularização fundiária no Brasil

Levantamento feito pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC) em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontou que o déficit habitacional14 no país cresceu 7% em apenas dez anos, de 2007 a 2017, tendo atingido 7,78 milhões de unidades habitacionais em 2017. Levando-se em conta que este dado é de 2017, nos dias atuais é provável que esse número tenha ultrapassado oito milhões de famílias. Famílias estas que vivem em situação precária de moradia no país.

A problemática do desenvolvimento urbano informal no país não é nova. E devido a existência dessas moradias irregulares, já na década de 1980 alguns Municípios contavam com algumas poucas leis esparsas de programas de regularização.

Já no âmbito Federal, a ainda vigente lei 6.766/79, previa - como prevê - um mecanismo de regularização em que o Município poderá terminar as obras de infraestrutura e levantar os valores depositados pelos adquirentes dos lotes perante o Registro de Imóveis15.

Destaca-se, ainda, que a Constituição Federal de 1988 trouxe o conceito de política de desenvolvimento urbano a ser executado por meio de leis municipais ou planos diretores.16 E mais, desde a Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, o direito à moradia passou a ser tratado como direito social, conforme o art. 6º da Constituição Federal.

Em seguida, houve a aprovação do Estatuto da Cidade, que tem como objetivo, além de outros, a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação.17

Ainda no cenário nacional, pode-se destacar a lei 11.124/2005, que instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e o Fundo Nacional de Interesse Social, com o objetivo de implantar políticas e programas que promovam o acesso 'a moradia para a população de baixa renda. Cite-se também a lei 11.481/2007, que trouxe alguns mecanismos de regularização fundiária em terras da União.

Mais recentemente, toda a sistemática de leis esparsas foi substituída pela lei 11.977/2009. Essa lei dispôs sobre o Programa Minha Casa Minha Vida e sobre a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas.

Não obstante a importância da lei 11.977/2009, no ano de 2016 a Medida Provisória 759/2016, convertida na lei 13.465/17 revogou completamente os dispositivos referentes à regularização fundiária da lei 11.977/2009.

A lei 13.465/17, dentre outras questões, trouxe a Reurb (Regularização Fundiária Urbana). Na realidade, a Lei trouxe uma simplificação da então existente regularização fundiária da lei 11.977/09.

Sem entrar no mérito da formalidade legislativa, foi louvável a iniciativa do legislador, no sentido de conferir à população um facilitador na regularização fundiária de núcleos informais consolidados. De modo que a Reurb veio para conferir o acesso ao direito social à moradia constitucionalmente estabelecido.18

A lei define a Reurb como um conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.19

Dentre seus objetivos, elencados no art. 10 da lei 13.465/17, estão o de ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados, garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas e, ainda, garantir a efetivação da função social da propriedade.

Trata-se de um verdadeiro procedimento administrativo dividido em duas fases distintas: a) a primeira, consiste em um processo administrativo junto ao respectivo Município, cuja sequência de atos está prevista no art. 28, da Lei nº 13.465/17; b) já a segunda fase se trata do registro, no cartório de registro de imóveis competente, da chamada Certidão de Regularização Fundiária.20

Afinal, com a edição da lei 13.465/17, foi inserido o item 43, no inciso I do art. 167 da lei 6.015/73. Acrescentou-se, portanto, a CRF como título passível de registro no cartório de registro de imóveis.

Em que pese a riqueza de detalhes existentes na lei, o presente trabalho não se presta a tratar do procedimento administrativo conduzido junto ao Município, mas tão somente com relação a segunda fase do procedimento, notadamente o registro da CRF e o exame de qualificação registral frente ao princípio da especialidade.

O registro da Certidão de Regularização Fundiária

A primeira etapa do processamento da Reurb ocorre integralmente no órgão municipal competente. Trata-se, pois, de um processo administrativo.

Com a finalização da primeira etapa, passa-se a segunda etapa, que consiste no registro da Certidão de Regularização Fundiária no Cartório de Registro de Imóveis competente.

A Certidão de Regularização Fundiária corresponde ao documento expedido pelo Município ao final do procedimento da Reurb, constituído do projeto de regularização fundiária aprovado, do termo de compromisso relativo à sua execução e, no caso da legitimação fundiária e da legitimação de posse, da listagem dos ocupantes do núcleo urbano informal regularizado, da devida qualificação destes e dos direitos reais que lhes foram conferidos21.

A lei 13.465/17 prevê, ainda, alguns requisitos22 exigidos na CRF: a) o nome do núcleo urbano regularizado; b) a localização; c) a modalidade da regularização; d) as responsabilidades das obras e serviços constantes do cronograma; e) a indicação numérica de cada unidade regularizada, quando houver; f) a listagem com nomes dos ocupantes que houverem adquirido a respectiva unidade, por título de legitimação fundiária ou mediante ato único de registro, bem como o estado civil, a profissão, o número de inscrição no cadastro das pessoas físicas do Ministério da Fazenda e do registro geral da cédula de identidade e a filiação.

Com relação ao prazo do registro, há uma exceção à regra geral da Lei de Registros Públicos23. O prazo do registro da CRF é de 60 (sessenta) dias24, podendo ser prorrogado por igual período, de forma fundamentada pelo oficial de registro.

Assim, após todo o trâmite do processo administrativo, pelo princípio da rogação caberá aos interessados apresentarem requerimento para o registro da CRF25 junto ao cartório de registro de imóveis competente. Compreendem-se como interessados aqueles elencados no rol do art. 14, da lei 13.465/17.

Desta forma, além dos demais títulos elencados na Lei de Registros Públicos, a Certidão de Regularização Fundiária também se submete ao exame de qualificação do oficial de registro. Cabendo ao oficial examinar a CRF, verificando se os requisitos legais para o registro estão preenchidos, além da observância aos princípios registrais e do ordenamento jurídico.

No que concerne à qualificação da CRF, há que se mencionar que, em função dos objetivos da regularização fundiária, a lei mitiga diversos princípios registrais e cria diversas exceções pontuais para a facilitação do procedimento.

Dentre essas mitigações e exceções, importa um maior aprofundamento no princípio da especialidade. De modo que a seguir serão trazidas as experiências dos tribunais com a flexibilização da especialidade para, posteriormente, se passar a tratar dessa flexibilização relativa aos títulos oriundos de regularização fundiária.

A experiência dos tribunais na flexibilização da especialidade

Em recomendado trabalho, José Renato de Freitas Nalini26 analisou a flexibilização do princípio da especialidade como a possibilidade que o registrador tem de, valendo-se da sua independência jurídica, interpretar as normas vigentes, modelando-as ao momento histórico e ao caso concreto, para alcançar a sua natural atribuição, que é a efetiva realização do ato no registro.

Como o próprio autor comenta, o tema não é novo. Existe uma variedade de casos e decisões nos quais optou-se por abrandar o efeito de algum princípio ou norma com o intuito de possibilitar o assentamento de determinado título.

A título de exemplo de flexibilização da especialidade objetiva, cite-se decisão proferida pelo Conselho Superior de Magistratura de São Paulo, que admitiu continuidade da descrição incompleta no registro de imóveis, ressalvando que "não obstante a necessidade de aperfeiçoamento a ser realizado por meio de retificação do registro imobiliário, não é absolutamente vaga, permitindo compreensão acerca da localização do bem e sua individualização perante outros", concluindo que "nessa ordem de ideias, há atendimento do Princípio da Especialidade Objetiva, contido no art. 176 da lei 6.015/73, porquanto possível compreensão da localização do imóvel com suas característica fundamentais"27.

Há, ainda, casos em que houve a flexibilização da especialidade subjetiva. Cite-se como exemplo a situação em que há a necessidade de apresentação do CPF do proprietário de imóvel para registro de Escritura Pública de Compra e Venda. Em recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu-se que:

Muito embora o princípio da especialidade subjetiva deva ser respeitado, com qualificação completa do titular de domínio, o art. 176, III, "a" da Lei de Registros Públicos traz um abrandamento ao mencionado princípio, ao admitir para registro, com referência 'as pessoas físicas, o 'estado civil, a profissão e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da Cédula de Identidade, ou 'a falta deste, sua filiação. Observo na presente hipótese que o rigor do princípio da especialidade subjetiva deve ser mitigado, vez que a vendedora [...] encontra-se qualificada no registro nº 2 da matrícula, constando o número de seu documento pessoal (RG) e sua qualificação, espancando qualquer dúvida de que se trata da mesma pessoa constante do título apresentado28.

Portanto, existem inúmeros julgados cujo entendimento fora pela flexibilização da especialidade. Os exemplos acima trazidos são apenas alguns dentre vários outros.

Verificada essa tendência de se flexibilizar a especialidade em alguns casos, questiona-se sobre a possibilidade de flexibilização do princípio diante do registro da certidão de regularização fundiária. Questão a ser tratada no tópico seguinte.

A flexibilização da especialidade no registro da CRF

Como se verificou, a CRF é título hábil a ser levado a registro no competente Cartório de Registro de Imóveis.

Verificou-se, ainda, que um dos objetivos da Reurb é ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais.29 Assim, não à toa que a própria exposição de motivos da Medida Provisória originária da Reurb trouxe uma preocupação com o direito social à moradia:

Demais disso, o crescimento muitas vezes desordenado dos grandes centros urbanos e a explosão demográfica brasileira em curto espaço de tempo vem causando diversos problemas estruturais que, por falta de regramento jurídico específico sobre determinados temas, ou mesmo por desconformidade entre as normas existentes e a realidade fática dos tempos hodiernos, não apenas impedem a concretização do direito social à moradia, como ainda produzem efeitos reflexos negativos em matéria de ordenamento territorial, mobilidade, meio ambiente e até mesmo saúde pública.

Como forma de garantir o direito social à moradia, a lei 13.465/17 trouxe regime próprio para o registro da Certidão de Regularização Fundiária, título oriundo dos processos de Reurb.

No bojo do regime trazido pela legislação, cite-se a flexibilização de algumas regras registrais, para que haja completa viabilidade do registro da CRF, uma vez que dentre os propósitos da legislação está aquele que visa garantir o direito social à moradia.

Assim, nas palavras de Vitor Kümpel, a qualificação registral da CRF é especial [...] na medida em que se sujeita à regras registrais próprias e a questões procedimentais únicas exauridas na lei 13.465/1730 [...]

Exatamente por existirem regras registrais próprias, que visam os propósitos da própria lei, continua o autor:

... não caberá a aplicação de todos os princípios e regras registrais, pois o regime jurídico da regularização fundiária flexibiliza questões registrais para atender os propósitos da respectiva lei, em especial conferir o direito de propriedade e torná-lo trafegável sob o aspecto econômico e registral31.

E se a própria lei, com o fim de garantir ao interessado seu direito social à moradia, flexibiliza essas regras, os mais recentes Códigos de Normas dos Estados acompanharam esse espírito. Cite-se como exemplo de flexibilização da especialidade subjetiva aquela prevista no Código de Normas de São Paulo, que estabelece que a ausência da qualificação completa do proprietário do imóvel objeto de Reurb não impede seu prosseguimento.32

Sendo ass, ainda que não seja possível se obter determinado dado do proprietário para efeitos de sua notificação, caso possa ele ser identificado por outras formas, deve haver o prosseguimento do procedimento.

Já o Código de Normas de Minas Gerais traz um exemplo de flexibilização da especialidade objetiva. Apesar de estabelecer que a identificação e caracterização da unidade imobiliária derivada de parcelamento de solo seja feita com a indicação de sua área, medidas perimetrais, número, localização e nome do logradouro para o qual faz frente e, se houver, a quadra e a designação cadastral, apresenta a ressalva de que a ausência desses elementos não obstará o registro da CRF e da titulação final quando o registrador puder identificar com exatidão a unidade regularizada, por quaisquer outros meios33.

Não obstante o espírito da lei 13.465/17, há aqueles Códigos de Normais estaduais que ainda não contam com capítulo específico acerca do registro da CRF, tampouco com tipificações pontuais acerca dessa flexibilização. Assim, questiona-se: a falta de amparo no provimento Estadual acerca da flexibilização da especialidade seria um óbice à flexibilização e consequente registro do título?

A nosso sentir, a resposta que mais se adequa ao espírito da regularização fundiária é que a ausência de provimento com a flexibilização não pode obstar o registro da CRF no fólio real. Esse posicionamento possui fundamento no espírito que a lei 13.465/17 trouxe para a regularização fundiária, conferindo o direito social à moradia ao ocupante desses núcleos. Tanto nos casos de Reurb-S quanto nos casos de Reurb-E.

Corroborando com este entendimento, cite-se recente decisão do juízo de primeiro grau de Ponte Nova/MG. Na oportunidade, ainda sob a égide da lei 11.977/09, foi apresentada dúvida pela registradora de imóveis decorrente de pedido de averbação de auto de demarcação urbanística para a realização de Regularização Fundiária. Dentre as questões controvertidas que se apresentaram, estavam a divergência dos ocupantes dos lotes com o projeto apresentado e a divergência da quantidade de lotes que seriam regularizados. A dúvida fora julgada procedente pelo juiz, que entendeu que a averbação deveria ser autorizada, tendo em vista o interesse social "a moradia a ser resguardado aos moradores da localidade"34.

Portanto, ainda que o Código de Normas Estadual não preveja possibilidade de flexibilização, a lei Federal o faz. E mais, o próprio espírito da norma possibilita ao registrador, no caso concreto, realizar a qualificação registral se fazendo presente a garantia do direito social à moradia do ocupante.

Fellipe Simões Duarte é advogado. Pós-graduado em Direito Ambiental (UFPR) e em Advocacia Imobiliária, Urbanística, Registral e Notarial (UNISC). Presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB/MG de Juiz de Fora. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM) e da Academia Nacional de Direito Notarial e Registral (AD NOTARE). Coautor da obra "O Direito Notarial e Registral em Artigos, volume IV" da YK Editora.
__________

1 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução 'a ciência do direito. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 462.

2 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Manual de Direito Notarial: da atividade e dos documentos notariais. 3ª ed. ver., atual. E ampl. Salvador: JusPODIVM, 2018, p. 301.

3 RODRIGUES, Marcelo. Tratado de Registros Públicos e Direito Notarial. 3. Ed. rev. Ampl. A atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2021, p. 437.

4 KERN, Marinho Dembinski. Princípios do Registro de Imóveis Brasileiro. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 123.

5 Os Códigos de Normas das Corregedorias Estaduais regulamentam a matéria, a exemplo do art. 752, do Provimento Conjunto nº 93 da Corregedoria Geral de Justiça de Minas Gerais, que estabelece que "o número de ordem determinará a prioridade do título, e esta, a preferência dos direitos reais, ainda que apresentado mais de um título simultaneamente pela mesma pessoa".

6 KUMPEL, Victor Frederico. Et. Al. Tratado Notarial e Registral, vol. 5, 1ª ed. São Paulo: YK Editora, 2020, P. 288

7 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria e prática (p. 312).

8 Ricardo Dip esclarece que "essa normativa (ele se refere a uma lei francesa de 27 de junho de 1795) visou, explicitamente, a combater a clandestinidade das hipotecas, por meio da publicidade, e a generalidade desta garantia real, mediante a expressão singular do imóvel afetado e a quantidade a que se estendesse a hipoteca[...]" (grifei) DIP, Ricardo. Registro de Imóveis (Princípios). Descalvado, SP: Editora PrimVs, 2018, p. 7.

9 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria e prática (p. 312/313).

10 Art. 176, p. 1º, II, 4 da lei 6.015/73.

11 KERN, Marinho Dembinski. Princípios do Registro de Imóveis Brasileiro. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 179.

12 SERRA, Monete Hipólito. Registro de Imóveis, coordenado por Christiano Cassetari. 4 ed. Indaiatuba, São Paulo: Editora Foco, 2020, p.104.

13 KUMPEL, Victor Frederico. Et. Al. Tratado Notarial e Registral, vol. 5, 1ª ed. São Paulo: YK Editora, 2020, P. 233.

14 Disponível aqui.

15 O art. 38 e seguintes da leiº 6.766/79 prevê um mecanismo de regularização em que o Município ou o Distrito Federal poderão regularizar o parcelamento para evitar lesão aos padrões de desenvolvimento urbano e danos aos direitos dos adquirentes dos lotes.

16 Art. 182, CF.

17 Art. 2º, XIV, lei 10.257/2001.

18 Art. 6º, Constituição Federal.

19 Art. 9º, lei 13.465/17.

20 Art. 167, I, 43, lei 6.015/73.

21 Art. 11, V, da lei 13.465/17.

22 Art. 41, lei 13.465/17.

23 Art. 188, lei 6.015/73.

24 Art. 44, §5º, lei 13.465/17.

25 A Certidão de Regularização Fundiária é título hábil a registro no cartório de registro de imóveis competente, nos termos do art. 167, I, 43 da lei 6.015.

26 NALINI, José Renato de Freitas. Flexibilização do princípio da especialidade no registro imobiliário. In AHUALLI, Tânia Mara; BENACCHIO, Marcelo (coords.); SANTOS, Queila Rocha Carmona dos (org.). Direito Notarial e Registral: Homenagem às Varas de Registros Públicos da Comcarca de São Paulo: Quartier Latin, 2016.

27 CSMSP - APELAÇÃO CÍVEL: 0003435-42.2011.8.26.0116.

28 1VRPSP - PROCESSO: 1085622-26.2020.8.26.0100

29 Art. 10, III, lei 13.465/17.

30 Kümpel, Vitor Frederico et. al. Tratado Notarial e Registral vol. 5. 1ª ed. São Paulo: YK Editora, 2020, p. 2216.

31 Kümpel, Vitor Frederico et. al. Tratado Notarial e Registral vol. 5. 1ª ed. São Paulo: YK Editora, 2020, p. 2216.

32 Item 290.2.1 do Provimento nº 58/89 CGJ/SP: A ausência de qualificação completa do proprietário do imóvel, na matrícula ou transcrição, não impede sua notificação nos termos da Lei 13.465, de 2017, desde que identificável, sendo dispensada a prévia averbação dos dados faltantes para efeito de prosseguimento do registro ds Reurb.

33 Art. 1.122 e seu Parágrafo Único, do Provimento Conjunto nº 93 da Corregedoria Geral de Justiça de Minas Gerais.

34 TJMG, Processo nº 0150261-07.2015.8.13.0521.

Atualizado em: 23/6/2021 08:23

Fonte: Migalhas Notariais e Registrais