domingo, 30 de junho de 2019

ABNT PUBLICA VERSÃO REVISADA DA NORMA DE AVALIAÇÃO DE BENS


A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) publicou nesta quinta-feira (27) versão revisada da Norma NBR 14.653, que trata da avaliação de bens. Foram disponibilizadas as partes 1, que aborda procedimentos gerais, e a de número 3, voltada para avaliação de imóveis rurais.

A atualização é bem-vinda, de acordo com o presidente do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (Ibape Nacional), entidade de classe que integra o Sistema Confea/Crea e Mútua. “A função básica dessa revisão é equiparar a norma brasileira aos novos termos internacionais adotados pelo International Valuation Standards Council, que é um órgão de verificação reconhecido mundialmente”, comentou o eng. civ. Wilson Lang.

A nova redação do normativo, segundo Lang, teve colaboração de inúmeras entidades, como o próprio Ibape, a Sociedade Brasileira de Engenharia de Avaliações (Sobrea), Associação Nacional dos Engenheiros e Arquitetos da Caixa Econômica Federal (Aneac), Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. “Foram aproximadamente seis anos em que todos trabalharam nesse estudo que agora coloca a ABNT na fronteira do conhecimento normativo na área de avaliações de imóveis. Demos um passo à frente”, comemora.

O presidente do Ibape do Paraná e diretor do instituto nacional, eng. civil e especialista em avaliação e perícias Luciano Ventura, também considera um avanço a publicação das novas versões.

“Dentre as novidades trazidas pela revisão da parte 1, destaca-se a inclusão de novos conceitos e abordagens de valor. A revisão tem um caráter conceitual e está perfeitamente alinhada com os conceitos das normas internacionais de avaliações cujos conceitos e orientações são exigidos em todas as demonstrações financeiras no Brasil e no mundo”, analisa o engenheiro ao lembrar que os profissionais do Sistema Confea/Crea e Mútua podem adquirir o normativo com descontos especiais, que são de 50% para quem for inscrito regularmente no Confea/Crea e de 60% se também for associado à Mútua. 

Atualização

Das sete partes da norma, duas foram revisadas neste mês. Confira o resumo de cada uma:

ABNT NBR 14653-1:2019 - apresenta as diretrizes para avaliação de bens, quanto a: classificação da sua natureza; instituição de terminologia, definições, símbolos e abreviaturas; descrição das atividades básicas; definição da metodologia básica; especificação das avaliações; requisitos básicos de laudos de avaliação.

ABNT NBR 14653-3:2019 - especifica procedimentos e requisitos, bem como fornece diretrizes para a avaliação de imóveis rurais, especialmente quanto a: instituição de terminologia, definições, símbolos e abreviaturas; classificação da sua natureza; descrição das atividades básicas; definição da metodologia básica; identificação do valor; especificação das avaliações; requisitos básicos de laudos de avaliação.

Agenda

Em agosto próximo, o Ibape-PR, em parceria com o Crea-PR, irá organizar um evento inédito no país, com participação de profissionais brasileiros e de outros países, objetivando um maior intercâmbio do estado atual e as tendências para assuntos ligados à engenharia de avaliações. A agenda será realizada nos dias 8 e 9, em Foz do Iguaçu (PR), e reunirá palestrantes de renome em debates e palestras. Confira.

Julianna Curado
Equipe de Comunicação do Confea
Com informações do Ibape

sábado, 29 de junho de 2019

ÍNDICE QUE CORRIGE O ALUGUEL ACELERA PARA 0,80% EM JUNHO, APONTA FGV


O Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) subiu 0,45% em junho, percentual superior ao apurado em maio, quando avançou 0,45%, segundo divulgou a Fundação Getulio Vargas (FGV).

Com este resultado, o IGP-M acumulada alta de 4,38% no ano e de 6,51% nos últimos 12 meses. Em junho de 2018, o índice havia subido 1,87% no mês e acumulava alta de 6,92% em 12 meses.

O IGP-M é usado como referência para a correção de contratos, como os de aluguel de imóveis. Ele sofre uma influência considerável das oscilações do dólar, além das cotações internacionais de produtos primários, como as commodities e metais.

Em 2019, o IGP-M registra alta acima de outros índices de inflação. No acumulado no ano até junho, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), que é uma prévia da inflação oficial do país, acumula alta de 2,33%.

Composição do índice - Os preços da soja, minério de ferro e milho no atacado foram os que mais pesaram na aceleração do IGP-M em junho, segundo a agência Reuters. O resultado ficou acima da expectativa em pesquisa da Reuters de uma alta no mês de 0,72%.

Em junho, o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), que responde por 60% do índice geral e apura a variação dos preços no atacado, acelerou a alta a 1,16%, de 0,54% em maio.

O grupo Matérias-Primas Brutas acelerou a alta a 4,24% no mês, de um avanço de 0,95% antes, com destaque para o comportamento dos itens soja, minério de ferro e milho.

O Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que tem peso de 30% no índice geral, mostrou menor pressão ao cair 0,07%, contra avanço de 0,35% no mês anterior.

O destaque coube ao grupo Transportes, que teve queda de 0,60%, ante alta de 0,98% em maio.

O Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), por sua vez, acelerou a alta a 0,44% em junho, de 0,09% antes.

Fonte: G1

A EFETIVIDADE DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL DIANTE DA ANÁLISE DA LEI Nº 13.465/2017


Introdução

A Usucapião, de modo geral, é um modo de aquisição da propriedade móvel ou imóvel que se dá mediante a posse prolongada da coisa, desde que atendidos os requisitos legais. Tal matéria é disciplinada no Código Civil que contempla as respectivas modalidades e requisitos necessários para que seja possível usucapir o bem pretendido.

Durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973, a aquisição da propriedade mediante usucapião se dava apenas por meio da ação de usucapião, prevista no referido diploma nos artigos 941 a 945.
Entretanto, para o atual Código de Processo Civil verifica-se a possibilidade da desjudicialização de tais procedimentos, direcionando para a via administrativa aqueles de menor complexidade, dentre eles, a aquisição pela usucapião.

Nesse contexto, introduziu-se o instituto da usucapião extrajudicial (ou administrativo) através do artigo 1.071 do CPC/2015, alterando a Lei de Registros Públicos mediante inclusão do artigo 216-A em seu texto. Tornando-se possível a tramitação desse procedimento de aquisição da propriedade imobiliária através do Registro de Imóveis de onde está situado o imóvel usucapiendo.

O instituto da usucapião extrajudicial é recente no direito brasileiro. A novidade já se espalha por todo lugar, contudo não se sabe se o novo instituto é efetivo.

A Usucapião extrajudicial trata-se de meio extrajudicial para resolução de processos dessa alçada e torná-los mais simplificados, de maneira a contribuir na regularização fundiária.
O objetivo central deste trabalho é o estudo do instituto da usucapião e análise acerca da efetividade do seu procedimento extrajudicial, com as alterações sofridas a partir da edição da Lei de nº. 13.465/2017.
Faz-se necessário analisar o procedimento da usucapião extraordinária, uma vez que existe a necessidade da concordância expressa dos confinantes e dos antigos proprietários do imóvel objeto da usucapião extrajudicial na planta e memorial descritivo, documentos exigidos pela lei para o andamento do procedimento, o que foi alterado pela lei 13.838/19.

A situação apresentada é que com a edição da Lei de nº. 13.465/2017 o procedimento extrajudicial da usucapião ganhará efetividade prática e passará a ser uma realidade para as partes interessadas.
Para a realização do presente trabalho, utilizou-se o método de abordagem dedutivo, uma vez que uma temática geral, no caso a usucapião, vai de encontro a uma temática específica. Procedimentalmente serão adotados os métodos monográfico, por tratar o desmembramento do assunto, e histórico, observando como se deu a evolução da dinâmica do instituto da usucapião. Quanto às técnicas de pesquisa, utilizou-se a técnica bibliográfica, a partir da análise de material preexistente sobre as temáticas abordadas.

Para tanto, será estudado inicialmente o princípio da propriedade, buscando compreender sua função social, assim, após a contextualização do referido princípio, apresenta-se necessário o estudo específico da evolução do instituto da usucapião no Brasil. Posteriormente, de forma mais detida, será analisado o fenômeno da usucapião extrajudicial, buscando compreender seus requisitos e procedimentos.
Busca-se, assim, demonstrar as possíveis repercussões que o usucapião administrativa no ordenamento jurídico brasileiro, sendo possível, inicialmente, abordar como a usucapião pode contribuir com a materialização do princípio da função social da propriedade.

Direito de propriedade e função social

O Direito das coisas é um ramo do direito privado que regula os direitos de posse e propriedade dos bens móveis e imóveis, bem como as formas de aquisição desses direitos.
O direito de propriedade tem relevante destaque no ordenamento jurídico brasileiro. Diversos doutrinadores, dentre eles Orlando Gomes é enfático ao dizer que “o direito real de propriedade é o mais amplo dos direitos reais” (GOMES, 2012, p. 103). Por sua vez, Carlos Roberto Gonçalves afirma que “trata-se do mais completo dos direitos subjetivos, a matriz dos direitos reais e o núcleo do direito das coisas” (GONÇAVEZ. 2014, p. 67).

O estudo jurídico da propriedade surge diante da necessidade humana de apropriar-se de bens. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenveld (FARIAS E ROSENVALD, 2015) asseveram que a necessidade do indivíduo de satisfazer suas necessidades vitais através da apropriação de bens pode ser verificada desde os primórdios da humanidade, quando o homem deixa de pertencer a terra e a terra passa a pertencer ao homem.

Orlando Gomes (GOMES, 2012) divide o conceito de propriedade em três critérios: o sintético, como sendo a submissão de uma coisa a uma pessoa; o analítico, que seria o direito de usar, fruir e dispor de um bem, e reavê-lo de quem injustamente o possua; e o descritivo, no sentido de ser um direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, considerando a submissão da coisa à vontade de uma pessoa com as limitações legais.

O direito de propriedade é direito subjetivo fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, protegido e resguardado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, positivado no art. 5º, XXII, e também no art. 1228 do Código Civil, assegura ao proprietário “o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (FARIAS E ROSENVALD, 2015) afirmam que a propriedade tem como função individual garantir a autonomia privada do ser humano e o desenvolvimento de sua personalidade, haja vista que os direitos reais são outorgados a uma pessoa com fins de realização pessoal da posição de vantagem capazes de exercer sobre a coisa.

Caio Mário (PEREIRA, 2012) entende que os bens não são dados ao homem para que sejam extraídos ao máximo e com o sacrifício dos demais, mas sim para que sejam utilizados na medida em que possam preencher a sua função social. Por esse motivo, defende-se que há de se ter um limite no direito de propriedade, visando o cumprimento de certos deveres e o desempenho da tal função.

O art. 1.231 do Código Civil preceitua que “a propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário”. Logo, pode-se afirmar que propriedade não pode simplesmente se extinguir pelo não uso, devendo ser observado a princípio da função social.

O princípio constitucional da função social encabeça a principal restrição ao direito de propriedade nos dias atuais, de modo que se apresenta extremamente relevante seu estudo.
A própria CRFB/88, no art. 5º, XXIII, art. 182, § 2º e art. 186, se encarrega de indicar como a função social da propriedade será cumprida.

No que tange a função social da propriedade rural, esta será cumprida quando atender, simultaneamente, os critérios estabelecidos no art. 186, quais sejam: (I) aproveitamento racional e adequado, (II) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, (III) observância das disposições que regulam as relações de trabalho, (IV) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

No caso da propriedade urbana, o cumprimento da função social estará vinculado ao atendimento das exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, conforme preceitua o art. 182, §2º.

Nesse diapasão, ensina Marcelo Lessa da Silva (SILVA, 2016) que a função social é um mecanismo de imposição de comprometimentos positivos em benefício da coletividade, não se limitando a ser um princípio limitador dos direitos de usar, gozar e dispor do bem.

Logo, podemos concluir que a inércia do proprietário que não destina o bem a cumprir sua função social, ou ainda, que se aproveita da sua propriedade para cometer atos ilícitos, será passível de reprovação pelo ordenamento jurídico.

Para Sílvio de Salvo Venosa, “a proteção àquele que se utiliza validamente da coisa nada mais é do que revigoramento da usucapião” (VENOSA, 2010, p. 173), pois o proprietário tem a obrigação de aproveitar seus bens e explorá-los, tornando a propriedade operativa, realizando seu dever social.
Desse modo, o instituto da usucapião é cabível em certos casos em que se encontram presentes o não uso da coisa, associado ao princípio da função social, ocasionando a perda do direito subjetivo da propriedade por parte daquele titular negligente.

O instituto da usucapião

O instituto da usucapião apresenta-se como um dos modos de aquisição da propriedade e de outros direitos reais, ao lado de outras formas como a acessão, transcrição, sucessão, desapropriação, casamento pela comunhão universal, entre outros que se encontram dispostos no Código Civil.
Resumidamente, usucapião de imóvel é o meio de aquisição da propriedade pela posse estendida, após tempo determinado em lei e observados os requisitos legais. Segundo Arnoldo Wald:

O usucapião surgiu no direito romano a fim de proteger a posse do adquirente imperfeito, que recebera a coisa sem as solenidades necessárias, de acordo com a legislação então vigente. Trata-se, na realidade, de uma derrogação à perpetuidade do domínio, em virtude da qual o possuidor, decorrido certo prazo, torna-se proprietário (WALD, 2009, p. 192).

Percebe-se que o objetivo da usucapião é a modificação da situação jurídica de que detém a posse prolongada e preenche os pressupostos necessários, transformando-a em propriedade. Dado que, não seria justo não reconhecer a propriedade e o direito a uso e gozo do imóvel àquele que cuidou, tornou-o sua habitacional ou produziu por longo espaço de tempo – sem oposição (VENOSA, 2002, p, 190).

É necessário, preliminarmente, estudar o que se entende por posse ad usucapionem¹. A posse ad usucapionem é aquela que preenche os requisitos necessários para poder-se valer da usucapião para a aquisição da propriedade (além dos demais requisitos formais). Por isso, compreende-se como posse ad usucapionem aquela que possui as seguintes características: é justa, mansa e pacífica, contínua e ininterrupta e, com animus domini² do possuidor.

A posse justa é aquela cuja aquisição que se deu conforme a legislação, isto é, não apresenta violência, clandestinidade ou precariedade, conforme ensina Orlando Gomes (GOMES, 2008), devendo a posse justa também ser pública e contínua.
Como mansa e pacífica, considera-se aquela posse exercida sem contestação do efetivo proprietário do bem.

O animus domini consiste na intenção de possuir como se dono fosse, desde o momento em que se assenta no bem. Conforme ensina, Maria Helena Diniz:

1 - a posse que se exerce por usucapião
2 - a intenção agir como dono
O animus domini (ou intenção de dono) é um requisito psíquico, que se integra à posse para afastar a possibilidade de usucapião dos fâmulos da posse. Excluindo-se, igualmente, toda posse que não se faça acompanhar do intuito de ter a coisa para si, como a posse direta do locatário, do credor pignoratício, do comodatário, do usufrutuário, do promitente comprador, do cessionário de promessa de compra e venda porque sua posse advém de títulos que os obriga a restituir o bem, não podendo, portanto, adquirir essa coisa (DINIZ,2007, p. 161).

É certo dizer que aqueles com a posse precária, tem o dever de restituir o bem ao proprietário do imóvel, de modo que somente aquele que cumprir com os requisitos da posse ad usucapionem farão jus à transmutação de posse em propriedade.

Em princípio, todos os imóveis são suscetíveis a aquisição por usucapião, exceto os que, por sua natureza ou disposição legal, estiverem excluídos,neste sentido, Gomes (GOMES, 2008) defende que são usucapíveis somente aqueles que recaem em coisas prescritíveis, mas não todos, sendo: a propriedade, as servidões, a enfiteuse, o usufruto, a habitação e o uso.

Cumpre ressaltar que por força do art. 102 do Código Civil: “Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião”, bem como por força do §3º do art. 183 e do parágrafo único do art. 191 da Constituição Federal.

Estão descritos no Código Civil, em seu artigo 99, como bens públicos:

Art. 99. [...] I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. (BRASIL, Lei nº 10.406 de 10 de 2002, Código Civil)

Deste modo, independentemente da espécie pleiteada, os bens públicos não poderão ser usucapidos.
No direito brasileiro há três espécies principais de usucapião de bens imóveis: usucapião extraordinária, ordinária e especial, sendo esta última subdividida em rural e urbana. Além dessas principais modalidades encontra-se também presente no ordenamento a modalidade especial de usucapião indígena, devidamente regulamentada pelo Estatuto do Índio.

A usucapião extraordinária ou Tradicional é a modalidade que tem como requisito o maior tempo de posse necessário para a aquisição da propriedade, mas, por outro lado, é a que necessita de menos premissas para a sua obtenção extraordinária.

Fundamenta-se a referida modalidade no artigo 1.238 do Código Civil, que dispõe:

Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis (CÓDIGO CIVIL, 2002).

Esta espécie, além do requisito comum para todas as formas – posse ad usucapionem, exercida com animus domini – necessita apenas do prazo prescricional de 15 (quinze) anos de posse.
O artigo 1.238 do Código Civil, o seu parágrafo único preceitua que será reduzido para 10 (dez) anos o prazo, se o possuidor constituir morada habitual ou ter realizado obras ou serviços de caráter produtivo no imóvel.

A usucapião ordinária fundamenta-se no art. 1.242 do Código Civil. Na modalidade ordinária o lapso temporal é menor, sendo de dez anos, conforme previsão do caput do artigo, e de cinco anos, de acordo com o parágrafo único. Tal diferença encontra-se justificada pelo acréscimo de mais dois requisitos indispensáveis para esta modalidade: a boa-fé e o justo título.

Além dos requisitos gerais, o prazo poderá ser diminuído para apenas 05 anos, sendo necessário que exista concomitantemente: justo título de caráter oneroso, que fora registrado e posteriormente cancelado, e, a destinação dada ao imóvel, quer seja para moradia ou para inclinações de cunho econômico e social.

Avvad (AVVAD, 2006) explica, que o justo título é o instrumento que “se acha formalizado e extrinsecamente hábil para transmitir a propriedade, faltando-lhe, entretanto, algum requisito legal que impede sua transcrição”.

É o objeto que traz certeza ao usucapiente da sua propriedade sobre o imóvel, mas com algum vício sanável. Referido título deve ser idôneo para a transferência de propriedade, mas, que por algum erro formal, não produz seus efeitos jurídicos.

A usucapião especial rural, também chamada de usucapião pro labore³, encontra-se prevista no art. 191 da Constituição Federal, que aumentou a dimensão da área rural para cinquenta hectares, tendo seu parágrafo único vedado expressamente à aquisição de imóveis públicos. Além disso, outro requisito a ser observado é que o usucapiente não pode ser proprietário de outro imóvel, seja ele urbano ou rural.

Carlos Roberto Gonçalves (GONÇALVES, 2014) ensina que a simples posse não é suficiente para justificar a usucapião especial rural, pois o seu objetivo maior é promover a fixação do homem no campo, exigindo deste, em contrapartida, uma ocupação produtiva do imóvel através da moradia e trabalho.

A usucapião especial urbana compreenderá a posse de área urbana, de até duzentos e cinquenta metros quadrados e ocupado por cinco anos seguidos, com ânimo de dono e utilizado para moradia do possuidor ou da sua família, desde que o usucapiente não seja proprietário de outro imóvel durante o período aquisitivo.

A espécie da usucapião indígena emerge a partir da Lei nº 6.001, de Dezembro de 1973 (Estatuto do Índio).

Tal modalidade está prevista expressamente no art. 33 do referido estatuto: “O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinquenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena”.

Presentes os requisitos, caberá a parte interessada demandar o usucapião do imóvel, de uma das formas a seguir apresentadas.

3 – Pelo Trabalho

Da usucapião extrajudicial face a lei 13.465/2017

O direito de requerer judicialmente o reconhecimento da usucapião está presente no artigo 1.241 do Código Civil, que assim dispõe: “Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel”. Todavia, esta não é a única possibilidade de usucapião. A possibilidade de solução de conflitos de interesse sem a prestação jurisdicional, ou desjudicialização, faz parte da realidade brasileira (TRINDADE, 2015).

O início do movimento de resolução de conflitos de forma extrajudicial pôde ser notado já em 1994, através da edição da Lei nº. 8.951, responsável por introduzir novos parágrafos ao art. 890 do Código de Processo Civil vigente à época, criando assim procedimento extrajudicial para consignação em pagamento de obrigação em dinheiro (CORRÊA, 2015).

Das leis com a vertente da desjudicialização, destaca-se a nº. 11.441/2007, pois a partir dela tornou-se possível a lavratura de escritura pública, nos cartórios e tabelionatos, para os casos de inventário, partilha, separação e divórcio, desde que não tenha conflito e de partes menores ou incapazes (CORRÊA, 2015).

Anteriormente, o reconhecimento da usucapião era disciplinado no Código de Processo Civil de 1973, em seus artigos 941 a 945, e cabia somente ao juízo competente analisar o preenchimento dos pressupostos formais, para então, a sentença ser transcrita em mandado e expedida ao Registro de Imóveis competente para seu devido registro.

Todavia, como forma de desjudicialização, inicialmente enfatizada desde a Emenda Constitucional nº 45/ 004, o artigo 1.071 do novo CPC/2015, acrescentou o artigo 216-A à Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73), que traz, no caput:

Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com: [...]

Constata-se então, que a via extrajudicial passou a ser uma opção ao usucapiente, que, pôde escolher entre o procedimento judicial ou o extrajudicial, sem prejuízo de ambos.
Entretanto, a via extrajudicial é cabível somente nos casos em que não houver lide. Havendo impugnação por qualquer uma das partes, o procedimento será remetido para a via judicial, consoante §10º do art. 216-A:

§10. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.

A usucapião extrajudicial ou administrativa foi uma inovação concebida inicialmente pela lei 11.977/2009, que instituiu o programa “Minha Casa, Minha Vida”, e consiste em um mecanismo de regularização fundiária de terrenos urbanos que já possuem ocupação, porém de forma desordenada. Segundo Fábio Caldas de Araújo (ARAÚJO, 2015), esse tipo de regularização fundiária se dá através de duas hipóteses: a primeira possui natureza social, e diz respeito à usucapião para moradia, e, a segunda, é destinada a fins específicos a serem definidos pela Administração Pública.

Cumpre ressaltar que a usucapião extrajudicial ou administrativa não se trata de nova modalidade de usucapião, mas sim, de procedimento administrativo realizado diretamente nas serventias extrajudiciais para o reconhecimento da posse e aquisição da propriedade, através do preenchimento dos requisitos legais exigidos.

Conforme João Pedro Lamana Paiva (PAIVA, 2016), busca-se com o novo procedimento principalmente a celeridade, pois diferentemente dos processos judiciais que se arrastavam por anos a fio nos tribunais brasileiros, estima-se uma duração aproximada de 90 a 120 dias, desde que preenchidos todos os requisitos do art. 216-A.

Para Paiva (PAIVA, 2016), o grau de simplicidade que reveste o procedimento da usucapião extrajudicial implicará numa maior facilidade para que o possuidor/usucapiente consiga, de modo efetivo, seguir com a aquisição da propriedade imobiliária fundada na posse prolongada, desde que se encontrem preenchidos os requisitos essenciais descritos no procedimento, quais sejam: ser o usucapiente representado por um advogado, apresentação de requerimento instruído com ata notarial, planta e memorial descritivo do imóvel, certidões negativas, além de outros documentos.

Segundo o que consta no inciso II do artigo 216-A da LRP, deverão também ser providenciados a planta e o memorial descritivo do imóvel, bem como deverão ser anexados documentos que fundamentem o pedido. Sobre o memorial descritivo, ensina Fábio Caldas de Araújo:

O memorial descritivo consiste em peça técnica exigida como documento essencial na redação do art. 942 do CPC de 1973 e que tinha como função permitir a formação da futura matrícula junto ao Registro Imobiliário. Por meio do memorial se obtém a identificação precisa do local em que o possuidor pretende exercer sua posse. O memorial deve conter a descrição da área usucapienda, seus limites e confinantes. Como se trata de peça técnica, o memorial deve ser assinado por profissional habilitado, o qual se responsabilizará pelas informações espelhadas no documento (ARAÚJO, 2015, p. 430).

Juntamente com a planta e o memorial descritivo, por força do inciso III do artigo 216-A da LRP deverão ser apresentadas no momento do requerimento as “certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente”.

Têm-se, por fim, o inciso IV, que descreve a necessidade do justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, continuidade e tempo da posse, podendo a partir destes qualificar a posse como ordinária, extraordinária ou especial.

A possibilidade de reconhecimento extrajudicial de usucapião já passou por mudanças, mais precisamente com a edição da Lei Federal nº. 13.456, de 11 de julho de 2017, a qual vem para sanar os antigos pontos controvertidos dispostos no art. 216-A da Lei de Registros Públicos.

A principal mudança se refere à interpretação do silêncio de qualquer dos possíveis prejudicados como concordância. Os possíveis prejudicados seriam o proprietário e outros “titulares de direito registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo” e “na matrícula dos imóveis confinantes”, conforme dispõe o § 2º do art. 216-A da Lei de Registros Públicos.

Outra mudança apresentada pela lei a quando as partes interessadas não são encontradas ou encontram-se em local incerto ou não sabido. A partir da nova previsão, o registrador deverá certificar o fato e promover a notificação por edital mediante publicação, duas vezes, em jornal de grande circulação, por quinze dias cada (§ 13) ou por meio eletrônico (§ 14) interpretando a ausência de resposta como concordância.

Para Flávio Tartuce (TARTUCE, 2017), a nova valoração dada ao procedimento extrajudicial da usucapião, trazida pela lei 13.465/2017, tem o condão de transformar àqueles que antes eram céticos em crentes, quanto ao poder que a desjudicialização do procedimento tem para contribuir para o reconhecimento mais célere e eficaz de um direito que emerge da posse prolongada no tempo e que reflete para a sociedade a certeza de que o possuidor é realmente o proprietário do imóvel que não cumpre a sua função social.

Conclusão

O processo de desjudicialização emerge no cenário jurídico nacional como uma possível solução para o caos no judiciário, gerado pela grande quantidade de processos. Por esse motivo, a utilização das serventias extrajudiciais poderia possibilitar que o Judiciário se ocupe com as questões que efetivamente justifiquem sua atuação.

O procedimento extrajudicial da usucapião para todas as modalidades foi introduzido no ordenamento jurídico pelo Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 1.071, que por sua vez inseriu o Art. 216-A na Lei de Registros Públicos.

A Lei 13.465/2017 surgiu para sanar os pontos controvertidos no art. 216-A da LRP. A principal mudança se referiu à interpretação do silencio de qualquer um dos possíveis prejudicados como concordância, suprimindo assim a principal queixa do procedimento original e abrindo novas esperanças a efetividade do procedimento. Outras mudanças se referem a possibilidade da notificação ser feita por edital e a desnecessidade de notificar os confinantes das unidades autônomas de condomínios edilícios. Sendo assim, o procedimento da usucapião seria muito mais célere, desafogando o judiciário e resolvendo a demanda

Referências Bibliográficas

BRASIL, Código Civil. Lei n° 3.071 de 1° de janeiro de 1916. Disponível em . Acesso em 15 de maio de 2019

BRASIL, Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Senado Federal, 1988. In: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em . Acesso em: 15 de maio de 2019

BRASIL, Lei nº 9.935, de 18 de Novembro de 1994. Lei dos cartórios. Disponível em . Acesso em 15 de maio de 2019

BRASIL, Lei. nº 13.465, de 11 de Julho de 2017. Disponível em . Acesso em 15 de maio de 2019

BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em: 15 de maio de 2019

CYRINO, Rodrigo Reis. Usucapião Extrajudicial – Aspectos Práticos e Controvertidos. Brasília: 2016. Disponível em: . Acesso em: 15 de maio de 2019

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GOMES, Orlando. Direitos Reais. 21 ed. ver. atual. por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

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PAIVA, João Pedro Lamana. O Procedimento da Usucapião Extrajudicial. Registro de Imóveis. 1ª zona de Porto Alegre. Disponível em: . Acesso em 25 nov. 2017.

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TARTUCE, Flávio. A USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA POR ABANDONO DO LAR CONJUGAL. Disponível em:. Acesso em 15 de maio de 2019

TARTUCE, Flávio. Notas dogmáticas sobre a usucapião extrajudicial após a Lei 13.465/2017. Disponível em: . Acesso em 15 de maio de 2019

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2010.

Bruno Gonçalves Souza Ribeiro , Joanã Teodoro de Sousa , Rodrigo Dantas Dias, Sérgio Victor Costa Dias.
Fonte: Âmbito Jurídico

sexta-feira, 28 de junho de 2019

NOVO PLANO DIRETOR DE BELO HORIZONTE: ESPAÇO AÉREO À VENDA?

ONU divulga nota em apoio ao novo Plano Diretor de Belo Horizonte

Os investimentos no mercado imobiliário poderão sofrer queda em Belo Horizonte com a aprovação do novo Plano Diretor. Isso porque o texto aprovado, no início deste mês, pelo Legislativo Municipal, e que só depende de sanção do prefeito, prevê a cobrança de uma outorga onerosa para a construção de empreendimentos acima do coeficiente de aproveitamento básico de cada terreno. 

Assim, a exemplo das edificações verticais que ultrapassam os limites de determinada área, como ocorre nos prédios e nas torres comerciais, as construtoras terão que adquirir do Município o direito para construção no denominado espaço aéreo. 

De acordo com as novas regras, as construções maiores do que o coeficiente 1 (um) representam uma carga adicional à estrutura urbana e, por isso, causam maior impacto estrutural e ambiental na cidade. Dessa forma, para construir acima deste limite, o interessado deverá adquirir potencial construtivo extra junto ao Município, através da outorga onerosa. 

Para que o potencial seja incrementado em cada caso, o interessado deverá prestar contrapartidas ao Município, que poderão ser feitas financeiramente ou através da adoção de políticas de gentileza urbana nos projetos. O tamanho do acréscimo que poderá ser feito em cada terreno é limitado pelo Coeficiente de Aproveitamento Máximo (CaM) definido para cada zona, que em alguns casos pode chegar muito próximo de 5 (cinco) vezes a área do terreno. 

Uma das principais consequências da outorga onerosa será a migração de empreendimentos da construção imobiliária da Capital Mineira para os Municípios vizinhos, que passarão a gerar mais oportunidades de empregos e mais renda. Assim, poderá haver diminuição dos empreendimentos em Belo Horizonte, com menos oportunidades de trabalho, e consequentemente, com a diminuição do consumo, porque haverá menos moeda em circulação. 

De acordo com empresários da construção civil os preços de apartamentos irão disparar com a redução do potencial construtivo, porque para não amargarem prejuízos financeiros, as construtoras repassarão aos consumidores o custo da aquisição do potencial construtivo extra. 

Com o advento do novo plano diretor, outra consequência que poderá ser facilmente percebida, é o fato de que os prédios terão menos apartamentos por terreno, porque as construtoras de médio e pequeno porte não terão condições econômicas para pagarem pelo espaço extra. 

Vale ressaltar, ainda, que a outorga onerosa dificultará a aquisição de um imóvel pelo trabalhador belo-horizontino, porque a depender da área onde pretenda morar, terá que juntar mais dinheiro, por mais tempo, ou optar por morar mais longe para pagar um preço mais justo na casa ou apartamento que tanto sonha conquistar. 

Nos termos em que aprovado o Plano Diretor, e principalmente o ponto que versa sobre a outorga onerosa de espaço, a matéria fatalmente chegará ao Poder Judiciário, que dará a última palavra sobre a (in)constitucionalidade/(i)legalidade da cobrança. 

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos! 
___________________________

Gustavo Pires Maia da Silva é advogado sócio de Homero Costa Advogados.
Guilherme Scarpellini Rodrigues é estagiário de Homero Costa Advogados.
Fonte: Migalhas de Peso

NOVA REGRA DO DISTRATO TEM BRECHA PARA APLICAÇÃO EM CONTRATOS ANTERIORES A LEI


Um juiz da primeira instância de São Paulo usou a nova lei do distrato para reforçar sua decisão em uma ação sobre o tema ajuizada antes de a regra entrar em vigor, alimentando o debate no meio jurídico a respeito da aplicabilidade da legislação.

Senivaldo dos Reis Junior, da 7ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, estipulou que a construtora poderia reter 25% do valor já pago pelo comprador de um imóvel que solicitou o cancelamento do negócio. 

De acordo com o texto da sentença, a Jaguaretê Empreendimentos se dispôs a devolver o que dizia constar em contrato: 12% do valor total da venda, algo em torno de R$ 39 mil, o que representaria 45% do que já havia sido pago pelo comprador. A defesa do cliente pedia 90% e ingressou com ação em julho do ano passado.

Reis Junior afirmou não haver provas de que o prédio foi erguido em regime de patrimônio de afetação —quando o patrimônio do empreendimento é separado daquele da construtora— e, citando a jurisprudência, estipulou a multa de 25% para cobrir despesas administrativas e promoção de vendas.

"Inclusive esse é o entendimento da recente alteração da Lei de Incorporações Imobiliárias", lembrou o magistrado, em referência ao texto sancionado por Michel Temer em dezembro de 2018.

A regra, reivindicação antiga das construtoras, estipulou que a multa caso o consumidor queria desistir da compra de um imóvel adquirido na planta pode chegar a 50% do valor já pago se o empreendimento for construído em patrimônio de afetação —fora dele, o teto é de 25%.

Reis Junior argumentou que, como a nova lei não prejudicaria o consumidor, não haveria porque considerar sua aplicação apenas para contratos de compra e venda firmados após sua vigência. "Ressalto que não vislumbro, de momento, qualquer inconstitucionalidade formal ou material para a não aplicação imediata da lei", afirmou. 

Ana Paula Dalle Luche Machado, advogada do comprador, concorda que a invocação da nova lei não gerou grande efeito para seu cliente, mas disse que a citação do juiz surpreendeu. "Entendo que ele aproveitou a lei para reafirmar um argumento que já vinha sendo defendido", afirmou.

Segundo o magistrado, embora a lei não alcance a data da assinatura do contrato —segundo Machado, a compra foi fechada em 2014—, a rescisão do contrato ainda tem efeito pendente e, por isso, caberia a aplicação da regra.

"O contrato ainda está em curso e as partes estão cumprindo. O que a nova lei não pode é atingir a coisa julgada. Antes, não havia parâmetro de contrato para o mercado, então, onde houver omissão de regras, de forma de pagamento, a Justiça deve olhar para a nova lei", diz Daniel Cardoso Gomes, sócio do Mannrich e Vasconcelos.

Mas a lei sancionada no governo Temer não estabeleceu com clareza a quais contratos se aplica, o que, segundo advogados, ainda vai gerar muita controvérsia no judiciário.

"O texto deixa muitas brechas sobre sua aplicabilidade. Só teremos uma resposta de fato quando começarem a sair as decisões. O teor agora pode ser diferente, mas a discussão vai continuar", diz a advogada Paula Farias, especialista em direito imobiliário.

Para Arnon Velmovitsky, presidente da comissão de direito imobiliário do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros), a única possibilidade de aplicação retroativa da lei é na questão penal, quando beneficiar o réu. Ele faz uma analogia com decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de fevereiro do ano passado segundo a qual as regras da Lei de Planos de Saúde não devem ser aplicadas a contratos firmados antes de sua vigência.

ENTIDADES

Olivar Vitale, advogado do conselho jurídico do Secovi-SP (sindicato do mercado imobiliário), concorda que haverá muita discussão sobre o assunto ainda, mas a entidade defende que a nova regra vale para o que estiver pendente de decisão.

"Tem que ser um fato em aberto, e o entendimento é que o direito de romper o contrato não nasce quando o comprador entra com a ação, mas quando o juiz autoriza a ruptura. Não é possível exigir, por exemplo, que os contratos antigos tenham o quadro resumo, que se tornou obrigatório, porque esse já é um fato praticado", afirma.

A Amspa (associação dos mutuários de São Paulo) diverge e diz que a nova lei na íntegra vale apenas para novos contratos. Segundo Marco Aurélio Luz, presidente da instituição, a Amspa não está recomendando que os compradores assinem termos em patrimônio de afetação. "Ele tem um lado positivo, mas, com a nova lei, a multa tornou o contrato desequilibrado", diz.

A legislação atual trouxe ainda um problema adicional à Jaguaretê Empreendimentos. Segundo Adriana Patah, advogada que representa a empresa, o caso é de patrimônio de afetação.

"O juiz alegou que não há prova da afetação, apenas a indicação em contrato de que poderia ser nesse regime. Quando a lei fez a relação ao patrimônio da afetação com o percentual de devolução, as empresas ficaram vendidas, porque nas ações a comprovação não era obrigatória antes", afirma.

Patah diz que a empresa vai apresentar provas do registro de afetação e tentar entrar com um pedido para que o próprio juiz retifique a decisão. "Os juízes deveriam passar a pedir a comprovação do patrimônio de afetação antes de sentenciar", acrescenta.

O QUE DIZ A LEI

25%
é o valor da multa por distrato de imóvel que não for constituído no patrimônio de afetação

50%
é o percentual da multa por distrato de imóvel na planta constituído em patrimônio de afetação 

> O cliente perderá integralmente os valores pagos com comissão de corretagem
> Não incidirá a cláusula penal se o comprador encontrar um substituto que assuma seus direitos e obrigações originais, desde que haja a devida anuência da incorporadora

180 dias
é o prazo para a restituição dos valores ou, se houver patrimônio de afetação, após 30 dias da obtenção do Habite-se da incorporação

> O valor da multa cabível deve se limitar aos valores já pagos pelo comprador (que ainda não usufrui do imóvel)

7 dias
é o prazo para arrependimento da compra, a partir da assinatura do contrato, se o contrato for firmado em estande de venda e fora da sede da incorporadora

> Atraso de até 180 dias para a entrega do imóvel vendido na planta não gerará ônus à construtora

> Se o atraso for superior, o comprador poderá desfazer o negócio e terá direito a receber todo o valor pago, além da multa prevista em contrato, em até 60 dias

> O cliente pode optar ainda por manter o contrato, com direito a multa de 1% por mês de atraso

Cartório do 1º Ofício 2ª zona da Serra ES
Fonte: Folha de S. Paulo

MEDIAÇÃO NO DIREITO IMOBILIÁRIO


Se o ser humano fosse autorresponsável e dentro de suas possibilidades, pudesse resolver seus problemas em curto prazo, de forma amigável, sendo ouvido e tendo clareza no diálogo, amparado por advogado e interventor neutro, por qual motivo transferiria todo esse poder para Judiciário julgar? Desconhecimento, acredito.

Indubitavelmente casos complexos, quando inviáveis as composições amigáveis, ainda, tradicionalmente, em sua grande maioria são encaminhados aos Fóruns. Todavia, fugindo da exaustão do processualismo, os brasileiros vêm enxergando os resultados alcançados por meios alternativos de resoluções de conflitos, seja conciliação, mediação, arbitragem ou práticas colaborativas.

Por ser um tema extenso, o foco deste artigo é a mediação no Direito Imobiliário. Inicialmente, cabe esclarecer que a mediação, judicial e extrajudicial, foi regulamentada através da Lei nº 13.140/2015, e com o escopo de propagá-la na sociedade e fomentar sua utilização, a Lei nº 13.105/2015 disponibiliza ao jurisdicionado a mediação.

Ultrapassada a clareza inicial do tema, as dúvidas que permeiam é quanto a aplicabilidade desta ferramenta no direito imobiliário, uma vez que os conflitos nesta área são crescentes, e estimular esse mecanismo autocompositivo é uma ótima opção, visto que o mesmo não experimenta limites, podendo tratar de relação imobiliária de natureza privada e consumerista.

Destarte, a mediação é importante para as relações interpessoais, principalmente nas de trato continuado, como:

- Construtoras e Incorporadoras – A presença de um mediador desde o projeto a sua conclusão, evita desagastes e economiza dinheiro e tempo, visto que, o interventor ao identificar os problemas, marcará sessões de mediação para tentar resolver. Lembrando que após a conclusão da obra, ainda existe o prazo de garantia e responsabilidades, e manter um canal favorável ao diálogo é essencial para evitar a judicialização desnecessária;

- Vizinhos da construção – Infelizmente é comum a obra nova provocar prejuízos aos demais que a cerca, como: barulho excessivo e prologado, rachaduras nas paredes e pisos, queda de muros, quebra de telhados, acidentes com pedestres, dentre outros incidentes;

- Incorporadora e Adquirente – Aplica-se nos casos de inadimplementos das obrigações de pagar as despesas propter rem;

- Condomínios – Nas cobranças de cotas condominiais, mas especialmente para sensibilizar e conscientizar o Condômino nocivo e antissocial que reiteradamente desrespeita os direitos dos demais;

- Locações – Aluguéis e encargos atrasados ou nas ações revisionais. Acertado o valor do aluguel, preservará a relação e a satisfação será mútua.

Diante desta diversidade de meios de resoluções de conflitos é notória, para a nossa alegria, que o Estado “não possui mais” o monopólio da jurisdição, cabendo as partes concordarem qual ferramenta utilizarão para prevenir e remediar suas lides.

Nayara Peçanha Ribeiro - OAB/RJ 176.905
Fonte: Artigos Jus Brasil

quinta-feira, 27 de junho de 2019

O STJ E A IRRETRATABILIDADE DOS CONTRATOS IMOBILIÁRIOS


1 Introdução

O mercado imobiliário anseia por segurança jurídica!

Os investimentos realizados neste importante setor da economia são de longo prazo, transcorrendo anos entre a definição e negociação de uma área, a aprovação do projeto, a construção e entrega do empreendimento aos seus adquirentes.

Por essa razão, a estabilidade regulatória, a manutenção e observância dos regramentos legais que ampararam a estruturação do mercado são essenciais.

No curso de sua já trintenária existência, pode-se extrair várias decisões do STJ que colaboraram no sentido de conferir segurança jurídica aos negócios praticados pelo setor imobiliário, como, por exemplo, a interpretação conferida ao instituto da fraude à execução pela súmula 375;1 a interpretação conferida pela súmula 3082 à hipoteca prestada pela construtora à instituição financiadora da obra; a definição no âmbito de recurso repetitivo da validade da cláusula que transfere ao adquirente o pagamento da comissão de corretagem,3 entre outras. 

Há outras decisões, todavia, que abriram espaço para interpretações que expuseram o setor imobiliário à insegurança jurídica. 

Um exemplo disso foi, no ano de 2002, o julgamento pela 2ª seção do STJ dos embargos de divergência 59.870-SP, em que se mitigou a regra legal da irretratabilidade dos compromissos de compra e venda de imóveis, permitindo-se que, em situações excepcionais, os adquirentes inadimplentes resilissem os ajustes, reavendo parte dos valores pagos. 

A ementa deste julgado, contudo, ao se referir à “insuportabilidade”, não aclarou a questão da excepcionalidade, dando margem a interpretações abrangentes. 

Veja o teor da ementa. 

“PROMESSA DE VENDA E COMPRA. RESILIÇÃO. DENÚNCIA PELO COMPROMISSÁRIO COMPRADOR EM FACE DA INSUPORTABILIDADE NO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. 

RESTITUIÇÃO.

O compromissário comprador que deixa de cumprir o contrato em face da insuportabilidade da obrigação assumida tem o direito de promover ação a fim de receber a restituição das importâncias pagas. 

Embargos de divergência conhecidos e recebidos, em parte” (2ª Seção, EREsp 59.870-SP, rel. min. Barros Monteiro, j. 10/4/02, DJ de 9/12/02, p. 281). 

Os tribunais de piso, por sua vez, não observaram o requisito da excepcionalidade e o direito de resilição passou a ser regra para os adquirentes, o que expôs as incorporadoras e loteadores à total imprevisibilidade de seus negócios, dado que vem se permitindo, sem qualquer razão fundada e a qualquer tempo, o exercício do arrependimento e resilição dos ajustes imobiliários, com devolução de parte expressiva das parcelas pagas.4 

Confrontado posteriormente com essa situação, o STJ não fez valer a excepcionalidade antes afirmada, arriscando a tão cara segurança jurídica. 

A situação nos parece merecer imediata reflexão, notadamente com o advento da recente lei 13.786/18, que referendou a já antes positivada irretratabilidade dos compromissos de venda de imóveis em produção.

Vejamos um histórico da questão.

2 Algumas considerações sobre a irretratabilidade dos compromissos de venda e compra de imóveis: requisito essencial para a estabilidade e segurança do mercado imobiliário

A segurança jurídica de um negócio está diretamente relacionada à eficácia do direito do credor em exigir o cumprimento do comando contratual descumprido. 

Isso porque, como disse Giuseppe Chiovenda (1923, p. 191), 

“As partes não estipulam contratos pelo prazer de trocar declarações de vontade; mas, em vista de certas finalidades para obtenção das quais entram em relações recíprocas [...]”. 

De que vale o estabelecimento de uma obrigação se o devedor pode dela se escusar unilateral e irresponsavelmente? 

Já se foi o tempo em que o compromisso de venda e compra, quando celebrado por instrumento particular, admitia, como regra, o direito de arrependimento (art. 1.088 doCódigo Civil (CC) de 1916).5 

Especificamente para os negócios de promessa de venda de bens imóveis celebrados no âmbito das posteriores leis 4.591/64 e 6.766/79, tamanha a relevância da questão que a irretratabilidade restou estabelecida expressamente pelo legislador (vide arts. 32, § 2º,6 e 25, respectivamente).

E com base na delineação legal da irretratabilidade das promessas de venda e compra, é que o mercado imobiliário atua e se sustenta. 

A irretratabilidade é, pois, a regra, o direito de arrependimento exceção.7 

De que vale o estabelecimento de uma obrigação se o devedor pode dela se escusar unilateral e irresponsavelmente?

Mesmo que não estivesse prevista em lei de forma expressa, a irretratabilidade, ainda assim, seria uma condição essencial aos compromissos de venda e compra, pela forma como se estruturou o mercado imobiliário. 

O prazo de carência, previsto no art. 34 da lei 4.591/64, é uma prova nesse sentido.

De acordo com esse dispositivo, é dado ao incorporador, em 180 dias a contar do registro do memorial de incorporação, desistir do empreendimento cujas vendas (ou, promessas de) não alcancem um dado percentual das unidades a serem erigidas, indenizando os promitentes adquirentes dos desembolsos incorridos por eles até então (art. 34 da lei 4.591/64). 

A razão desse dispositivo é permitir que o incorporador se certifique da viabilidade do empreendimento, como ensina a doutrina de Caio Mário da Silva Pereira, atualizada por Sylvio Capanema de Souza e Melhim Namem Chalub: 

“Prendendo o incorporador ao negócio, a lei lhe dá prazo para sondar condições de aceitação do mercado. Prazo relativamente apertado, embora prorrogável. 

Ao tomar as primeiras providências relativas a um conjunto residencial, comercial ou profissional, o incorporador não tendo certeza das condições de mercado, pode admitir a hipótese de arrependimento. [...] Nesse tempo, tem perfeitas condições de avaliar a reação do mercado e verificar se é viável o negócio. Em caso afirmativo, vai em frente” (SILVA PEREIRA, 2018, p. 239-240). 

Ora, se a quantidade de vendas nos 180 dias após o lançamento foi o critério utilizado pelo legislador para dar ao empreendedor a alternativa de seguir ou não com o empreendimento, qual seria a lógica dessa regra se a venda feita não fosse irretratável? 

De que valeria o empreendedor seguir com dado empreendimento, considerando as vendas encetadas nos primeiros 180 dias, se, ultrapassado esse prazo, os consumidores pudessem simplesmente pedir a resilição de seus compromissos?

E mais, tanto a incorporação como o loteamento pressupõem a captação de poupança popular para a consecução dos seus objetos, não sendo por outra razão que as normas que regulamentam essas atividades condicionam o início das vendas ao cumprimento de extensas exigências (art. 32 da lei 4.591/64 e art. 18 da lei 6.766/79). 

E a forma definida para a captação dessa poupança popular não é outra senão mediante o pagamento, pelos compradores, do preço avençado das promessas de venda e compra celebradas. 

Tornar retratáveis, pelo consumidor, as promessas de venda e compra é tirar do empreendedor a possibilidade de se socorrer da poupança popular, tal e qual previsto na lei de incorporações e loteamento, o que certamente irá encarecer o custo da construção, prejudicando, ao final, o próprio consumidor desse produto.

Evidente, portanto, que a irretratabilidade é essencial à promessa de venda e compra de imóveis em construção.

3 Do CDC e do veto presidencial ao § 1º do art. 53

O CDC não excluiu e/ou estabeleceu limites para irretratabilidade dos compromissos de venda e compra de imóveis. 

Pelo contrário, o seu art. 53 estabeleceu que 

“Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado” (grifo nosso). 

Portanto, o que se previu é que, na rescisão por inadimplemento do adquirente, não se poderia reter o total das parcelas pagas. Isso não garante ao consumidor o direito de resilir o contrato quando inadimplente.

Digno de nota que, lá em 1990, quando da promulgação do CDC, a redação original encaminhada para veto pelo Congresso ao então presidente Fernando Collor de Mello trazia, em seu art. 53, o § 1º com a seguinte redação:

“Art. 53 - [...] § 1º - Na hipótese prevista neste artigo, o devedor inadimplente terá direito a compensação ou à restituição das parcelas quitadas à data da resolução contratual, monetariamente atualizada, descontada a vantagem econômica auferida com a fruição”

O CDC entrou em vigor no curso de grave crise econômica e financeira do país.

Enquanto o caput previa que não seriam válidas as cláusulas que imputassem ao comprador a perda total das prestações adimplidas, o § 1º assegurava ao devedor direito à restituição das parcelas pagas, acrescidas de correção monetária, deduzindo-se, daí, apenas e tão somente o valor da fruição do bem (aplicável apenas para a hipótese de a posse direta do imóvel ter sido transferida). 

A interpretação conjunta desses dois dispositivos levava à conclusão de que o inadimplemento do consumidor, na compra de imóveis em produção, não teria consequência financeira alguma para ele (excepcionada a hipótese de já ter adentrado na posse).

Em bom tempo, esse § 1º foi vetado pelo então presidente da República, ao argumento de que

“Torna-se necessário dar disciplina mais adequada à resolução dos contratos de compra e venda, por inadimplência do comprador. A venda de bens mediante pagamento em prestações acarreta diversos custos para o vendedor, que não foram contemplados na formulação do dispositivo. A restituição d as prestações, monetariamente corrigid as, sem levar em conta esses aspectos, implica tratamento iníquo, de consequências imprevisíveis e danosas para os diversos setores da economia” (grifo nosso). 

O veto foi acatado pelo Congresso e o CDC passou a vigorar sem a regra prevista no § 1º do art. 53, mas com a regra trazida no caput, que as segurava ao consumidor o direito de não perder, totalmente, as prestações pagas em função de seu inadimplemento, em ação de resolução intentada pelo vendedor. 

Portanto, caberia às partes ajustar e ao Poder Judiciário moderar, se o caso, a penalidade estabelecida contratualmente para a hipótese de inadimplemento do comprador no pagamento do preço do bem adquirido como, a bem da verdade, já vinha ocorrendo antes mesmo da vigência do CDC, com a aplicação do agora revogado art. 924 do CC/16,8 que encontra seu correspondente no art. 413 do CC/02.9

Pois bem.

O CDC entrou em vigor no curso de grave crise econômica e financeira do país, antecedida e seguida de fortes e relevantes desvalorizações de nossas cambiantes moedas, até o ensejo do já duradouro Real. 

Nesse ínterim, começaram a surgir ações propostas por consumidores de bens imóveis que, impossibilitados de arcar com as prestações a que se comprometeram em razão dos reiterados planos econômicos, pediam a “resilição” do contrato e restituição dos valores pagos. 

Foi nesse contexto que o STJ julgou os embargos de divergência 59.870-SP.

4 Os embargos de divergência 59.870-SP: a criação da exceção à regra legal da irretratabilidade

Na origem, esse recurso abarcava ação ajuizada por consumidor alegando ser de adesão o contrato de compra de apartamento e contava com pedidos alternativos de rescisão, resilição, resolução do contrato por ele inadimplido, com a restituição da totalidade das prestações por ele pagas.

Reformada a sentença monocrática para julgar improcedente a ação, foi interposto recurso especial pelo consumidor defendendo exclusivamente o direito de resilição, sob o argumento de violação ao art. 54, § 2º, do CDC, que assim prescreve:

“Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior”. 

O recurso especial não foi conhecido, mantendo-se inalterado o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), e, no que concerne ao direito de o comprador inadimplente resilir o compromisso por ele celebrado, o então relator, ministro Ari Pargendler, estatuiu que o fato de o contrato ser de adesão não socorria o recorrente, sendo inaplicável o art. 54, § 2º, do CDC, pois

“[...] o artigo 53 do Código do Consumidor, específico para os contratos de compra e venda de imóveis, a seguir transcrito, supõem que a resolução do contrato tenha resultado de iniciativa do credor: [...]”. 

Com isso, o então relator Ari Pargendler, depois de transcrever o caput do art. 53 do CDC, prosseguiu com bastante clareza, concluindo que: 

“O § 1º deste artigo, que foi vetado, assinava ao devedor inadimplente a restituição das parcelas quitadas. Uma exegese que atribuísse ao artigo 54 do Código do Consumidor, que as razões do recurso especial dizem contrariado, o mesmo efeito, implicaria em eliminar o veto por meio de interpretação”

O ministro Carlos Alberto Menezes Direito, em voto vista, profetizando o que viria acontecer anos depois, a despeito de acompanhar o relator, fez consignar que:

“Na minha compreensão, não se pode transformar o contrato de compra e venda em um contrato de poupança. E a tanto equivale um contrato que autorizasse o comprador de um imóvel, financiado por cerca de 10 anos, a pedir a devolução do que pagou porque no quinto ano não tinha condições de honrar as obrigações que assumiu. Não haveria mais segurança jurídica em contrato de venda e compra de imóveis, gerando graves consequências no sistema econômico

De fato, o veto ao § 1º do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor deve ter levado em conta esse cenário. O que permaneceu na lei especial foi a regra que autoriza a devolução do que foi pago se o credor, em razão do inadimplemento do devedor, pleitear ‘a resolução do contrato e a retomada do produto alienado’. O devedor não pode, por falta de cobertura legal, a meu sentir, pleitear a devolução do que pagou porque não pode mais continuar cumprindo com sua obrigação contratual. Essa possibilidade o veto presidencial, mantido pelo Congresso, sepultou” (grifo nosso). 

Contra essa decisão, e tomando-se como paradigma julgado da 4ª turma do STJ, da relatoria do ministro Ruy Rosado Aguiar, foram interpostos os embargos de divergência, exatamente para que restasse pacificado o entendimento do STJ acerca da prerrogativa de consumidor, comprador de imóvel, resilir o contrato por ele descumprido. 

Vejamos o que constou do então acórdão paradigma, que buscou arrimo em outro julgado da lavra daquele mesmo relator: 

“O devedor inadimplente não tem, em princípio, o direito de pedir a resolução do contrato. Porém, se surgir fato superveniente, suficientemente forte para justificar aquele inadimplemento, a parte que sofreu o efeito dessa alteração objetiva da base em que foi celebrado o negócio, pode vir a juízo para provocar a extinção do contrato. Aceita essa premissa, a jurisprudência tem reconhecido como fato suficiente para a resolução a posterior impossibilidade relativa de cumprir o contrato, por efeito da desvalorização da moeda e da implementação de planos econômicos e critérios de atualização das dívidas que desequilibraram o orçamento do devedor e o impedem de continuar cumprindo o contrato. Nessa circunstância, pode o devedor tomar a iniciativa da propositura da ação de rescisão. Reconhecido o fato, como aconteceu na sentença, que considerou extinto o contrato pelo desinteresse das partes, seja da vendedora em executá-lo, seja do comprador em pagar as prestações restantes, cumpre aplicar as regras comuns pertinentes ao instituto da resolução, entre as quais está a de reposição dos contratantes na situação em que estavam antes, com direito de o credor adimplente ser indenizado pelas perdas decorrentes da inexecução. 

O embate parece, pelos votos escritos, ter sido duro; o placar foi 4 x 3.

Embora tenha se reconhecido a regra da irretratabilidade dos compromissos de compra e venda, venceu, por maioria de votos, a tese de que, em casos excepcionais, era dado ao comprador requerer a resilição do compromisso, fixando-se percentual de indenização em favor do vendedor frente ao que já tiver sido pago. 

Veja, a título ilustrativo, a seguinte passagem de um dos votos vencedores: “entendo que ao compromissário-comprador inadimplente, em princípio, não é dado o direito de pedir a resolução do contrato. Porém, ainda quando em falta com o avençado o devedor e desistente do negócio, ser-lhe-á permitido resilir o contrato de compra e venda, postulando a devolução das parcelas que quitou, se as prestações sucessivas pactuadas, se lhe tenham tornado excessivamente onerosas’” (trecho do voto da ministra Nancy Andrighi, grifo nosso). 

Dos julgados invocados pela tese vencedora, se extrai, como também se extraiu do paradigma, que a possibilidade de o consumidor requerer a resilição do compromisso restou limitada à verificação de desequilíbrio financeiro, ou onerosidade excessiva e que, naqueles autos, era decorrente dos sucessivos planos econômicos que vigeram no país, repelindo-se a tese que amparou o recurso do consumidor de que este direito estaria estampado no art. 54, § 2º, do CDC.

Nesse sentido, segue transcrito trecho do voto do ministro Barros Monteiro, que deixa evidente a excepcionalidade da mitigação legal da irretratabilidade decretada: 

“A despeito de reputar impertinente à solução desta controvérsia a regra do suprarreferido inciso legal, penso que ao compromissário comprador é permitido, na hipótese de não reunir condições para suportar o reajuste das prestações, requerer o desfazimento do ajuste, reclamando da promitente vendedora a devolução da soma que lhe foi paga, tendo como base legal o estatuído nos arts. 51, II, e 53, caput, da lei 8.078, de 11.9.1990. 

Em que pese o veto havido em relação ao art. 53, § 1º, do mencionado diploma legal, o promissário comprador tem o direito de promover a ação, a fim de receber a restituição do que desembolsou. Não se acha ele submetido de maneira irremediável à perda do numerário despendido; pode tomar a iniciativa de propor a ação de resilição do contrato por insuportabilidade do pagamento das parcelas convencionadas. [...] 

Tal orientação prevalecera, por sinal, quando do julgamento do REsp 109.331-SP, também de relatoria do Sr. ministro Ruy Rosado de Aguiar, para quem ‘o devedor inadimplente não tem, em princípio, o direito de pedir a resolução do contrato. Porém, se surgir fato superveniente, suficientemente forte para justificar aquele inadimplemento, a parte que sofreu o efeito dessa alteração objetiva da base em que foi celebrado o negócio pode vir a juízo para provocar a extinção do contrato. Aceita essa premissa, a jurisprudência tem reconhecido como fato suficiente para a resolução a posterior impossibilidade relativa de cumprir o contrato, por efeito da desvalorização da moeda e da implantação de planos econômicos e critérios de atualização das dívidas que desequilibram o orçamento do devedor e o impedem de continuar cumprindo o contrato. Nessa circunstância, pode o devedor tomar a iniciativa da propositura da ação de rescisão’” (trecho do voto do ministro Barros Monteiro).

Essa decisão uniformizou o entendimento das turmas do STJ, consolidando o direito do consumidor de requerer a resilição de compromisso de venda e compra de bem imóvel, desde que verificadas situações excepcionais, em que se afigurasse presente a onerosidade excessiva

Vale dizer: mitigou-se a regra da irretratabilidade, mas exclusivamente para situações excepcionais!

5 A transformação da exceção em regra

O julgamento dos embargos de divergência 59.870-SP foi concluído em 2002. 

Daí em diante, o Brasil viveu um novo ciclo de crescimento econômico, sucedido pela crise que teve início no final do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, e dá agora sinais de arrefecimento. 

Nesse período, uma nova onda, ou melhor, um tsunami de pedidos de resilição de compromissos de venda e compra surgiu e abalou as bases do já então sôfrego mercado imobiliário. 

Milhares de pedidos de resilição de compromissos de venda e compra passaram a ser deferidos a consumidores inadimplentes, indistintamente, e o que se discutia não era mais o direito à resilição e a ocorrência de fatos extraordinários e imprevisíveis a mitigar a regra legal da irretratabilidade contratual (por exemplo, desvalorização da moeda, implantação de planos econômicos), mas apenas e tão somente o valor da retenção a que faria jus o vendedor. 

Vale dizer: a excepcionalidade a que se fez referência no acórdão dos embargos de divergência 59.870-SP foi deixada para trás. Dela não mais se cuidou, e tampouco se tratou e/ou definiu se a tal crise econômica seria fator excepcional, a autorizar a aplicação da indigitada exceção à irretratabilidade. Simplesmente passou-se a deferir ao consumidor o direito de resilir imotivadamente os compromissos celebrados, como se não existissem as regras legais de irretratabilidade, já indicadas anteriormente. 

Nesse cenário, em 2010, mesmo após a lei 4.591/64 ter sido alterada para restar expressa a irretratabilidade dos compromissos de compra e venda, o TJSP editou a súmula 1, com o seguinte teor: 

O Compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem”. 

Com isso, o direito à resilição do compromisso de venda e compra, que era a exceção, validado apenas para situações específicas e que demandavam a comprovação de um fato excepcional, passou a ser a regra, expondo o mercado imobiliário a riscos jamais avaliados ou cogitados, sem qualquer segurança jurídica.

6 Da lei 13.786/18, um “reforço” à já positivada irretratabilidade

Nesse contexto, em que diuturnamente os empreendedores são condenados a devolver aos adquirentes os valores recebidos, retendo consigo de 10% a 20% dos valores recebidos, a efetiva e necessária irretratabilidade dos compromissos de venda e compra foi, mais uma vez, reforçada pelos poderes Legislativo e Executivo. 

Basta ver que, nos últimos dias de 2018, foi promulgada e sancionada a lei 13.786, que alterou a lei 4.591/64 e a lei 6.766/79, para regular, dentre outras coisas, o direito de arrependimento para os compradores de imóveis em produção, assim como para regrar o distrato e a resolução do compromisso de compra e venda de imóveis por inadimplemento dos adquirentes. 

O direito de arrependimento, trazido agora de modo expresso para o âmbito das leis 4.591/64 e 6.766/79, autoriza o comprador de imóveis a, no prazo de sete dias a que alude o art. 49 do CDC, desistir do contrato se este tiver sido firmado fora da sede do vendedor ou do estabelecimento comercial.

O silêncio do comprador é considerado como confirmação do negócio e dá vida à sua condição de irretratabilidade.

Esse conceito de arrependimento, já aplicado ao mercado imobiliário pelos tribunais pátrios,10 em nada altera a segurança jurídica dos negócios imobiliários, pois o prazo para a manifestação do comprador, acerca do exercício do direito de arrependimento, é exíguo e pode ser administrado pelo empreendedor sem maiores prejuízos às demais obrigações por ele assumidas. E mais: o silêncio do comprador é considerado como confirmação do negócio e dá vida à sua condição de irretratabilidade. 

Na realidade, o estabelecimento desse direito de arrependimento veio exatamente para confirmar e dar força à irretratabilidade do compromisso de venda e compra. É o que se extrai da leitura do § 12 do art. 67-A da lei 4.591/64, introduzido pela lei aqui comentada, verbis: 

“§ 12 - Transcorrido o prazo de 7 (sete) dias a que se refere o § 10 deste artigo sem que tenha sido exercido o direito de arrependimento, será observada a irretratabilidade do contrato de incorporação imobiliária, conforme disposto no § 2º do art. 32 da lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964”.11 

Ao tratar da possibilidade de desfazimento das promessas de venda e compra de bens imóveis em produção, as legislações específicas foram alteradas para prever penalidades mais severas que aquelas aplicadas pelo Poder Judiciário, assim como prazos mais alongados para o pagamento do crédito que sobejar em favor do adquirente inadimplente após o cálculo das respectivas penalidades, sempre com vistas a preservar a viabilidade e continuidade do empreendimento. 

Veja a tabela a seguir com o resumo da regulamentação desses itens:

Deduções autorizadas pela lei 13.786/18 e prazos de pagamento
Lei 4.591/64 Lei 6.766/79 
Comissão de corretagem. Comissão de corretagem. 
Pena convencional limitada a 25% da quantia paga, ou a 50% da quantia paga caso o patrimônio do empreendimento esteja afetado na forma da lei 10.931/2004.Limite de 10% do valor do contrato para retenção de verba relativa à cláusula penal, arras ou sinal.
Em caso de fruição:12  0,5% do valor do contrato pro rata die.Em caso de fruição: 0,75% sobre o valor do contrato.
IPTU, condomínio, demais encargos previstos no contrato.Encargos de mora por prestações pagas em atraso, IPTU, condomínio, tributos, custas e emolumentos decorrentes da restituição do lote ou rescisão do contrato.
Prazo de pagamento do crédito que sobejar do adquirente: (i) Empreendimento sem patrimônio de afetação: em até 180 dias do desfazimento do contrato. (ii) Empreendimento com patrimônio de afetação: em até 30 dias contados da emissão do Habite-se. Para as duas hipóteses, em havendo revenda da unidade, o remanescente deverá ser pago em 30 dias da revenda.Prazo de pagamento do crédito que sobejar do adquirente: 12 parcelas, sendo que o prazo de carência é de: a) 180 dias do prazo previsto para conclusão das obras; ou b) 12 meses, casos as obras estejam concluídas.
Nos parece que o regramento das consequências do inadimplemento dos compromissos de venda e compra trazido pela lei 13.786/18 veio exatamente para fazer as vezes do § 1º do art. 53 do CPC, que, como visto anteriormente, restou vetado por ocasião da sanção da lei consumerista.

7 Conclusão

Assim, se, no passado, a deturpação da interpretação da decisão do STJ culminou na transformação da exceção em regra, é esperado que, agora com a lei 13.786/18, se restabeleça a segurança jurídica almejada, fazendo-se valer a irretratabilidade dos compromissos de venda e compra de imóveis em produção.

E isso tudo vai depender da interpretação a ser dada pelos tribunais, notadamente pelo STJ, aos novos dispositivos legais. 

De que terá valido prever que a promessa de venda e compra é irretratável depois de ultrapassado o prazo para exercício do direito de arrependimento, se a interpretação que se vier a outorgar aos arts. 67-A da lei 4.591/64 e 32-A da lei 6.766/79, com as redações que lhes foram dadas pela lei 13.786/18, permitir ao consumidor inadimplente requerer a resolução do compromisso por ele descumprido? 

É muito importante que a irretratabilidade seja reafirmada por nossos tribunais, de forma a garantir ao empreendedor, credor, a opção de seguir com a execução da obrigação descumprida ou pedir, a seu critério, a resolução do contrato. 

Negar a irretratabilidade, ou, garantir o direito de resilição imotivada ao consumidor, seria o mesmo que postergar, ad aeternum, o direito de arrependimento, agora introduzido nas leis 4.591/64 e 6.766/79, mas com a aplicação de uma multa, se exercido após o prazo de sete dias! 

Seria um desincentivo ao empreendedorismo. 
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1 Súmula 375: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.

2 Súmula 308: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.

3 Tema 938: “[...] (ii) Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem; (vide REsp n. 1.599.511/SP)”.

4 A jurisprudência tem fixado que a retenção a que faz jus o incorporador é de 10% a 20% dos valores pagos. Considerando que até a entrega da unidade, período em que o negócio é regrado pela promessa de venda e compra, o adquirente paga cerca de 20% a 40% do preço do imóvel, temos que a multa máxima, para a hipótese de resolução por inadimplemento absoluto do comprador, é de 8% do valor do negócio.

5 Esse artigo prescrevia que: “Art. 1.088 - Quando o instrumento público for exigido como prova do contrato, qualquer das partes pode arrepender-se, antes de o assinar, ressarcindo à outra as perdas e danos resultantes do arrependimento, sem prejuízo do estatuído nos arts. 1.095 a 1.097”. Após profundo debate, prevaleceu o entendimento perante o STJ de que, iniciada a execução do contrato particular, impedido estaria o simples arrependimento, notadamente porque o registro estava adstrito à aquisição do direito real e sua consequente oponibilidade a terceiros, não se autorizando que sua falta amparasse o arrependimento de qualquer das partes. É o que se extrai da ementa a seguir colacionada, citada exemplificativamente: “PROMESSA DE VENDA DE IMOVEL. PREVISÃO DE ARREPENDIMENTO. OUTORGA UXÓRIA. AUSÊNCIA DE REGISTRO NO OFÍCIO IMOBILIÁRIO. O DIREITO A ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA É EM SI DE CARÁTER PESSOAL, NÃO DEPENDENDO, PARA SUA PLENA EFICÁCIA, ENTRE OS PRÓPRIOS CONTRATANTES, DE REGISTRO NO OFÍCIO IMOBILIÁRIO. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. A PRETENSÃO AO ARREPENDIMENTO NÃO PODERÁ SER EXERCIDA, SALVO EXPRESSA ESTIPULAÇÃO EM CONTRÁRIO, APÓS INICIADO O CUMPRIMENTO DO CONTRATO. CASO EM QUE O PROMITENTE-COMPRADOR ASSUMIU A DÍVIDA DOS VENDEDORES PERANTE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, PAGANDO EM DIA AS PRESTAÇÕES RESPECTIVAS. O ARREPENDIMENTO EXIGE, OUTROSSIM, OFERTA REAL DAS PERDAS E DANOS DELE RESULTANTES, O QUE PRESSUPÕE, NA ATUALIDADE, INCLUSIVE A DEVOLUÇÃO DA ARRAS EM VALORES ATUALIZADOS. OUTORGA UXÓRIA. NÃO NECESSARIAMENTE DEVE CONSTAR DO INSTRUMENTO INICIAL DA PROMESSA, PODENDO CONSTAR DE DOCUMENTO POSTERIORMENTE ASSINADO PELO CASAL VENDEDOR. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO PELA ALINEA ‘C’, MAS A QUE SE NEGA PROVIMENTO” (4ª T., REsp 8.944-SP, rel. min. Athos Carneiro, j. 4/8/1992, DJ de 8/9/1992, p. 14.366, grifo nosso). 

Aliás, na sequência do CC de 1916, veio o decreto-lei 58/1937 que, ao tratar sobre o loteamento e a venda de terrenos para pagamento em prestações, referindo-se ao anteriormente citado art. 1.088, previu que o direito de arrependimento dependia de previsão expressa, prelecionando, pois, a irretratabilidade dos ajustes (art. 22).

6 Com a redação que, primeiro, lhe deu a Medida Provisória 2.221/2001 e, depois, a lei 10.931/2004.

7 Com o advento da lei 13.786/18, os compradores de imóveis em incorporação ou loteamento passaram, expressamente, a contar com o direito de arrependimento, que deve ser exercido impreterivelmente no prazo de sete dias da celebração do negócio, nos termos do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Esse direito de arrependimento, se não exercido, confirma a irretratabilidade do negócio e, segundo nos parece, não afeta a segurança jurídica dos negócios imobiliários, uma vez que tem começo, meio e fim. Depois de sete dias, ele deixa de existir.

8 “Art. 924 - Quando se cumprir em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir proporcionalmente a pena estipulada para o caso de mora, ou de inadimplemento.”

9 “Art. 413 - A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.”

10 A título de exemplo da aplicação do art. 49 do CPC aos contratos imobiliários estão os seguintes julgados: “AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL E DEVOLUÇÃO DA QUANTIA PAGA A TÍTULO DE SINAL. DESISTÊNCIA PELA COMPRADORA DENTRO DO PRAZO DE SETE DIAS ESTABELECIDO NO CONTRATO. INÉRCIA DA RÉ EM DEVOLVER OS VALORES PAGOS PELA AUTORA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. AUSÊNCIA DE NULIDADE. JUROS DE MORA A PARTIR DA NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. MULTA DECORRENTE DA OPOSIÇÃO DE EMBARGOS PROTELATÓRIOS. APELAÇÃO DA RÉ NÃO PROVIDA. 1. A r. sentença julgou procedente o pedido de rescisão do contrato formulado pela promitente compradora de imóvel, condenando a ré à devolução da quantia recebida a título de sinal (R$ 2.900,00), com juros de mora da data em que foi notificada da resilição. Manutenção. 2. Hipótese em que a autora comunicou a desistência do negócio dentro do prazo de 7 dias previsto no contrato. A ré, indevidamente, protelou a devolução da quantia recebida a título de sinal, dando causa à propositura do feito. 3. Ausência de nulidade da sentença por falta de fundamentação ou cerceamento de defesa. Condenação corretamente imposta. 4. Manutenção do termo inicial dos juros moratórios, já que a ré foi regularmente constituída em mora na data em que foi notificada da resilição unilateral. 5. Honorários advocatícios arbitrados em 20% sobre o valor da condenação. Manutenção, pois inferiores a um salário mínimo atual. 6. Também deve ser mantida a multa de 1% sobre o valor da causa imposta no julgamento dos embargos de declaração protelatórios. Art. 538, parágrafo único, CPC/1973. 7. Apelação da ré não provida” (TJSP, 9ª Câmara de Direito Privado, Apelação 1002704-65.2014.8.26.0361, rel. Alexandre Lazzarini, j. 6/9/2016, data de registro 6/9/2016). “PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ARREPENDIMENTO. MODIFICAÇÃO SUPERVENIENTE DAS CONDIÇÕES DO NEGÓCIO. DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS JÁ PAGAS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. 1. O DIREITO DE ARREPENDIMENTO PREVISTO NO ARTIGO 49 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR SE ESGOTA DECORRIDOS SETE DIAS DA CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO, AINDA QUE A ENTREGA DO BEM DEPENDA DA CONCLUSÃO DO PRÉDIO. EXTENSÃO INDEVIDA A REGRA DESTINADA A PROTEGER O CONSUMIDOR DE UMA PRÁTICA COMERCIAL NA QUAL ELE NÃO DESFRUTA DAS MELHORES CONDIÇÕES PARA DECIDIR SOBRE A CONVENIÊNCIA DO NEGÓCIO, CIRCUNSTÂNCIAS ESSAS QUE NÃO PERSISTEM DEPOIS DE PROLONGADA EXECUÇÃO DO CONTRATO.

2. NÃO RECONHECIDA, NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA, A EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA QUE JUSTIFIQUE A EXTINÇÃO DO CONTRATO POR FATO SUPERVENIENTE, E SE MANIFESTANDO A PROMITENTE VENDEDORA, CATEGORICAMENTE, PELA MANUTENÇÃO DO CONTRATO, NÃO CABE AO JUIZ DAR O CONTRATO POR EXTINTO.

3. IMPROCEDENTE A AÇÃO DE EXTINÇÃO DO CONTRATO, INATENDÍVEL A PRETENSÃO DO PROMISSÁRIO COMPRADOR DE OBTER A DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A lei. DIVERGÊNCIA QUE NÃO SE RECONHECE, POR VERSAR O PARADIGMA HIPÓTESE EM QUE HOUVE A RESCISÃO DO CONTRATO POR INICIATIVA DA VENDEDORA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO SOBRE A QUESTÃO DA VERBA HONORÁRIA. RECURSO NÃO CONHECIDO” (STJ, 4ª T., REsp 57.789-SP, rel. min. Ruy Rosado De Aguiar, j. 25/4/1995, DJ de 12/6/1995, p. 17.631).

11 Curioso notar que não veio dispositivo semelhante para os loteamentos. Entretanto, a irretratabilidade dos compromissos celebrados no âmbito da lei 6.766/79 restou inabalada, como decorre do art. 25 da mesma lei.

12 De se notar que a regra de remuneração pela fruição do bem, tanto no âmbito da lei 4.591/64 quanto da lei 6.766/79, trazida pela lei 13.786/18, não fixou a periodicidade da sua respectiva apuração.
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CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. 3. ed. Napoli: Jovene, 1923. 

SILVA PEREIRA, Caio Mário. Condomínio e Incorporação. 13. ed. São Paulo: Forense, 2018.
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O artigo foi publicado na Revista do Advogado, da AASP, ano XXXIX, nº 141, de abril de 2019.
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José Roberto Pirajá Ramos Novaes - Advogado.
Andrea Felici Viotto -Advogada.
Fonte: Migalhas de Peso