As três parcelas de atraso parecem ter sido enraizadas no senso comum brasileiro quando o assunto é a consolidação da propriedade pelo credor fiduciário.
Mas afinal de contas, de fato, o credor fiduciário precisa esperar a inadimplência de três parcelas para prosseguir com a constituição em mora e posterior consolidação da propriedade? Ou ainda, basta apenas a inadimplência de três parcelas para que o devedor fiduciante perca o investimento despendido no imóvel?
Bem, de imediato posso te afirmar o seguinte: “o mito das três parcelas é tão verdadeiro quanto o papai Noel ou o coelhinho da páscoa”.
Porém, antes de desvendarmos esta lenda urbana, permita-me delinear alguns pontos importantes da alienação fiduciária.
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL – CONCEITO E ASPECTOS GERAIS
A alienação fiduciária de bem imóvel é uma espécie de direito real de garantia, prevista e regulada pelo Capítulo II, nos artigos 22 a 33 da Lei 9.514/97, definida como o negócio mediante o qual o devedor fiduciante, transmite a propriedade imobiliária ao credor fiduciário, em garantia da dívida assumida pela aquisição do imóvel.
Em singelas palavras, é o negócio jurídico que permite que alguém adquira um crédito para comprar determinado imóvel e pagar o vendedor, dando como garantia para o credor o mesmo imóvel adquirido.
Por exemplo: Imagine que você pretenda adquirir um imóvel, mas possui apenas 50% do valor. Com isso, você busca financiar com uma instituição financeira os outros 50%, de maneira que como garantia de que você irá pagar este saldo, você transfere a propriedade do referido imóvel para a instituição que te concedeu o crédito.
Ao final, pagando a integralidade do crédito emprestado, além dos juros e correções monetárias contratadas, a instituição financeira devolverá a propriedade do bem imóvel para você.
Elucidando ainda mais, basta pensar nos financiamentos imobiliários, cujos quais atualmente são quase que integralmente fundados na constituição de alienações fiduciárias.
Tal instituto sempre será composto por um vendedor, um credor fiduciário e um devedor fiduciante. Importante considerar que em alguns casos o vendedor e o credor fiduciário podem ser a mesma pessoa, à exemplo das construtoras que concedem o próprio financiamento sem a interferência de instituições financeiras.
Sucintamente, o procedimento funciona basicamente da seguinte forma: O credor fiduciário paga o vendedor e o vendedor transfere a propriedade para o comprador (devedor fiduciante). Ao mesmo tempo, no mesmo ato, o devedor fiduciante transfere a propriedade resolúvel ao credor fiduciário, até que seja integralmente paga a dívida contratada.
E porque propriedade resolúvel? Porque enquanto a alienação fiduciária existir o credor fiduciário será o proprietário do bem, mas esta propriedade será temporária e esvaziada. Temporária porque perdurará somente até o pagamento integral da dívida e esvaziada porque embora seja propriedade, o credor fiduciário não poderá dispor daquele bem.
Para mais, este tipo de negócio pode ser realizado por qualquer pessoa, na medida em que caso um particular queira vender seu imóvel e celebrar na avença a constituição de uma alienação fiduciária como garantia, não enfrentará nenhuma barreira legal.
Ainda mais porque, a sua celebração não exige ato solene como a compra e venda de bem imóvel, quero dizer, pode ser celebrada por meio de instrumento particular, dispensada a formalidade da escritura pública. E não se engane, o instrumento particular será passível de registro na matrícula do imóvel, desde que preencha todos os requisitos exigidos em lei.
Cumpre ressaltar que a alienação fiduciária caiu nas graças dos credores por ser um instituto mais simples, prático e sobretudo, mais ágil e descomplicado no tocante a cobrança dos devedores inadimplentes e execução da garantia, se comparada com as demais garantias previstas no Código Civil.
PROCEDIMENTO SE HOUVER INADIMPLÊNCIA PELO DEVEDOR
A lei 9.514/97 em seu artigo 26, inovou ao regular o procedimento de cobrança da alienação fiduciária, já que afastou a necessidade de se litigar no Poder Judiciário para execução da garantia, simplificando significativamente o procedimento.
Basicamente, uma vez não paga a dívida, no todo ou em parte, o credor fiduciário intimará o devedor fiduciante, por meio do Oficial de registro de imóveis, para que purgue a mora no prazo de quinze dias, além dos juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação (art. 26, § 1º da Lei 9.514/97).
Caso o devedor pague a dívida e os encargos no período supra indicado, a alienação continuará em pleno vigor, mas caso não haja a purgação da mora, o Oficial de registro de imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação na matricula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário (art. 26, § 7º da Lei 9.514/97).
Sim, é neste exato momento que o devedor perde o imóvel!
Com isso, aquela propriedade que antes era resolúvel e esvaziada passa a ser plena, com todos os poderes e direitos à ela inerentes, não podendo mais o devedor reclamar ou reivindicar qualquer direito que imagine possuir.
Com a consolidação da propriedade, o imóvel é submetido a leilão público no prazo de 30 (trinta dias) com lance mínimo no seu valor de mercado e não havendo arrematantes, à segundo leilão nos quinze dias subsequentes à ser vendido pelo maior lance, desde que superior ou igual ao valor da dívida (art. 27 da Lei 9.514/97).
Simples, não? Pois é, perder um imóvel dado em garantia em alienação fiduciária é extremamente simples e rápido, motivo pelo qual o instituto em questão caiu na graça dos credores e hoje é o mais utilizado nos financiamentos imobiliários.
MAS AFINAL, É PRECISO ESPERAR O ATRASO DE TRÊS PARCELAS PARA QUE O CREDOR CONSOLIDE A PROPRIEDADE?
A resposta é não.
A lei 9.514/97 não dispõe nenhuma exigência neste sentido, pelo contrário, restringe-se a determinar:
Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
Veja que a lei fala “no todo ou em parte”, mas não determina nenhuma parcela mínima de inadimplência para consolidação da propriedade.
Além do mais, a lei ainda permite que os contratantes pactuem livremente neste sentido, posto que o § 2º do mesmo art. 26 assim dispõe:
§ 2º O contrato definirá o prazo de carência após o qual será expedida a intimação.
Portanto, incumbirá aos contratantes definirem o prazo mínimo para que o credor realize a intimação após o vencimento da dívida, não havendo a necessidade de que sejam exatamente três parcelas de inadimplência.
Assim, para exemplificar este tipo de situação, tomei a liberdade de transcrever abaixo um modelo de clausula normalmente encontrada nos contratos de financiamento imobiliário com alienação fiduciária celebrado pela Caixa Econômica Federal, maior banco neste segmento, observem:
14 PRAZO DE CARÊNCIA PARA EXPEDIÇÃO DE INTIMAÇÃO – A carência para expedição da intimação é de 30 (trinta) dias, contados a partir do vencimento do primeiro encargo mensal vencido e não pago, prazo a partir do qual o (s) DEVEDOR (ES) está(ao) constituído em mora.
15 INTIMAÇÃO – Decorrido o prazo estipulado no item 14, o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis competente, a requerimento da CAIXA, expedirá intimação pessoal ao (s) DEVEDOR (ES) ou a seu representante legal ou procurador regularmente constituído, com prazo de 15 (quinze) dias para a purgação da mora.
Notem, portanto, que não há nenhuma menção a três parcelas em atraso, mas sim em 30 dias após o vencimento da primeira parcela vencida, momento o qual o devedor fiduciante será intimado a pagar em 15 dias, sob pena de consolidação da propriedade em favor da Caixa Econômica Federal.
Veja que, pode ser que algumas instituições financeiras adotem este prazo de três parcelas por pura conveniência, por razões administrativas, por fluxos internos, ou por regramentos da própria instituição, mas isso irá depender do contrato assinado e não é uma regra estabelecida em lei.
Logo, não se acomode acreditando que sua margem de segurança termina na terceira parcela vencida, pois o credor fiduciário pode expedir a intimação e a constituição em mora em tempo muito menor do que este.
CONCLUSÃO
É verídica a afirmação de que o devedor perde o imóvel dado em garantia se inadimplir as parcelas do financiamento, mas é mito a afirmação de que o credor fiduciário precisa esperar a inadimplência de três parcelas para intimar o devedor e consolidar a propriedade.
Como já dito, como sempre onde há fumaça há fogo, o mito das três parcelas nasceu de algum lugar, mas certamente não da lei. O quero dizer é que para muitas instituições, esperar três parcelas para intimar o devedor pode ser procedimento interno adotado por mera liberalidade, mas que não deriva de uma obrigatoriedade legal.
Por estas e outras razões que sempre friso a importância de se avaliar os riscos de ingressar em um financiamento imobiliário, já que o atraso de uma parcela, dentro de 359 outras, por exemplo, pode resultar na perda do imóvel.
Por isso, fique atento a estas situações e planeje muito bem como fará este financiamento, contando sempre com a ajuda de um advogado especialista em direito imobiliário para te assessorá-lo (a).
Grande abraço do seu amigo, Dr. Leonardo.
Leonardo Teles - Advogado, inscrito nos quadros da OAB/SP e atuante na região oeste de São Paulo. Bacharel em Direito pela Unifieo - Centro Universitário FIEO. Pós graduando em Direito Imobiliário na Escola Paulista de Direito.
Fonte: Artigos JusBrasil
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