terça-feira, 2 de junho de 2020

Ação de demarcação e divisão de terras particulares


1. INTRODUÇÃO

Preleciona Humberto Theodoro Júnior que:

“(...) o mais amplo e importante dos direitos reais regulados pelo direito privado é, sem dúvida, o domínio ou propriedade (...). Sobe o bem do domínio, tem o dono o amplo direito de usar, gozar e dispor (...) poderes que (...) apresentam-se, do ponto de vista jurídico, exclusivos e ilimitados, até prova em contrário (...). Para que o dono possa, então, exercer tão extensos e ilimitados poderes, que excluem a coexistência de outros iguais ou similares por parte de outras pessoas, a condição sine qua non é que o objeto do domínio seja precisamente identificado (...)”[1].

A identificação dos bens imóveis, segundo o autor acima, se dá pela “(...) exata fixação dos limites dos prédios e terrenos (...)”[2], daí porque a importância das ações de demarcação e divisão de terras.

Há várias afinidades de procedimento que aproximam as ações de demarcação e divisão de terras particulares, embora diversos os pressupostos de cabimento de ambas. Os nomes atribuídos à tais ações evidenciam que os respectivos procedimentos se referem a terras particulares, excluídas, logo, as terras devolutas e bens públicos dominicais.

A ação de demarcação pressupõe a existência de dois prédios confinantes cujos limites não estejam perfeitamente extremados. A ação de divisão, por sua vez, pressupõe a existência de apenas um prédio, que pertença a dois ou mais proprietários, que pretendam extinguir o condomínio. A demarcação está ligada ao direito de vizinhança, enquanto a divisão é forma de extinguir a comunhão.

A afinidade entre as ações objeto do presente trabalho acadêmico decorre que, em ambas, será necessário traçar limites, fixar os estremos e especificar dimensões. Na demarcação, os diversos imóveis existem antes mesmo do ajuizamento. Na divisão, por sua vez, antes da propositura da ação, só haverá um imóvel, do qual resultarão dois ou mais. A demarcação e divisão de terras podem ser feitas de maneira amigável, fora da via judicial. Para tanto, todos os interessados devem ser maiores e capazes e estar de acordo quanto à forma como se efetivará a demarcação ou divisão

2. DO CARÁTER DÚPLICE

Ambas as ações têm caráter dúplice. Feita a demarcação, estarão estremados os limites da propriedade do autor e do réu. Não há necessidade de que o réu apresente reconvenção para pedir que também as divisas de seu imóvel sejam delineadas. Assim, feita a divisão, restarão estabelecidas quais as partes do bem pertencerão à cada uma das partes da ação (autor e réu). Qualquer um dos confrontantes ou condôminos pode ser o autor da ação.

3. NATUREZA JURÍDICA

Sobre a natureza jurídica das ações de divisão e demarcação de terras, preleciona Marcus Vinícius Rios Gonçalves:

“(...). É grande a controvérsia sobre o caráter pessoal ou real das ações de demarcação ou de divisão. O direito à demarcação é espécie de direito de vizinhança, que não constitui propriamente direito real, mas obrigação propter rem. A divisão, por sua vez, está ligada à extinção da propriedade comum. Todavia, como nas duas ações haverá repercussão sobre o imóvel, será sempre necessária a outorga uxória do cônjuge para a propositura da demanda e a citação de ambos os cônjuges, no polo passivo. (...)”.[3]

Acrescente-se, ainda, que somente o proprietário detém legitimidade ativa a postular a demarcação do terreno, pois, aquele de que o tiver somente a posse não poderá fazê-lo, salvo se pretender exclusivamente a demarcação da posse.

4. DAS DUAS FASES DAS AÇÕES DE DIVISÃO E DE DEMARCAÇÃO.

O procedimento para a materialização do direito de ambas as ações se desdobra em duas fases: uma contenciosa, que se encerra com a sentença, e outra executiva (ou administrativa). Não há falar propriamente em execução, já que a sentença é meramente declaratória, mas sim na concreção (ou efetivação) daquilo que foi declarado na fase contenciosa.

Dessa maneira, na primeira etapa, o magistrado decidirá se o autor tem ou não direito à divisão ou à demarcação, e se esta é necessária. Caso positivo, inicia-se a segunda etapa, na qual serão realizadas as operações essenciais para tornar efetiva a demarcação ou a divisão. É nesta fase que serão tomadas as providências técnicas destinadas a concretizar o que anteriormente foi determinado.

5. DA COMPETÊNCIA

O novel Código de Processo Civil disciplina que “Art. 47. Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação da coisa”. Dessa sorte, tem-se que as ações de divisão e demarcação de terras só poderão ser processadas e julgadas no foro de situação da coisa, não se admitindo modificação de juízo, pois cuida-se de regra de competência absoluta.

6. DA LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA

Apenas o proprietário está legitimado a postular a demarcação de seu terreno. Aquele que tiver apenas a posse não poderá pleiteá-lo. Em situação de condomínio, qualquer dos titulares será parte legítima para ajuizar a demarcação do imóvel que lhes é comum, citando-se os demais na condição de litisconsortes, havendo, pois, um litisconsórcio ativo necessário.

No polo passivo figurarão os confinantes. A necessidade de citação dos demais condôminos é evidente, pois todos sofrerão os efeitos da sentença.

Na ação de divisão, o condômino é o legitimado ativo, enquanto os demais condôminos serão necessariamente os réus, integrando o polo passivo da demanda.

7. DA CUMULAÇÃO DE DEMANDAS

O art. 570 do Novo Código de Processo Civil permite a cumulação das ações de divisão e demarcação de terras. Quando houver cumulação, a lei exige que primeiramente se processe a demarcação total ou parcial da coisa comum, citando-se os confinantes e os condôminos. A razão para o processamento primário da ação de demarcação é óbvia: enquanto não estabelecidos os limites do bem, não se poderá dividi-lo de modo adequado.

8. DA AÇÃO DEMARCATÓRIA

8.1. DA PETIÇÃO INICIAL

Além de cumprir os requisitos do art. 319 do NCPC, a petição inicial será instruída com os títulos de propriedade, designando-se o imóvel pela situação e pela denominação, descrevendo-se os limites por constituir, aviventar ou renovar, além do que também deverá nomear todos os confinantes da linha demarcanda (NCPC, art. 574).

8.2. DA CITAÇÃO

O art. 576 do NCPC dispõe que “A citação dos réus será feita por correio, observando o disposto no art. 247”. O art. 247, por sua vez, excetua a citação por correio quando: nas ações de estado; quando o citando for incapaz; quando o citando for pessoa de direito público; quando o citando residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência; quando o autor, justificadamente, requerer a citação de outra forma, que não por correio.

Ainda há a possibilidade de citação por edital, uma vez atendidos os requisitos do art. 259, inc. III, do NCPC, a saber: “em qualquer ação em que seja necessária, por determinação legal, a provocação para participação no processo, de interessados incertos ou desconhecidos”.

8.3. DA RESPOSTA DOS RÉUS

Realizadas as citações, o prazo para que os réus apresentem contestação será comum, de 15 (quinze) dias. Findo tal prazo, observar-se-á o procedimento comum (NCPC, arts. 577/578).

8.4. DA NOMEAÇÃO DE PERITOS

Antes de prolatar a sentença, o juiz deverá nomear um ou mais peritos para levantar o traçado da linha demarcanda. Concluídos tais estudos, os peritos apresentarão minucioso laudo sobre o traçado da linha demarcanda, considerando os títulos, os marcos, os rumos, a fama da vizinhança, as informações de antigos moradores do lugar e outros elementos que coligirem (NCPC, arts. 579/580).

8.5. DA SENTENÇA E EXECUÇÃO MATERIAL DA DEMARCAÇÃO

A sentença que julgar procedente o pedido de demarcação de terras determinará o traçado da linha demarcanda, e, ainda, a restituição da área invadida, se houver, declarando o domínio ou a posse do prejudicado, ou ambos (NCPC, art. 581, caput e parágrafo único).

Após o trânsito em julgado da sentença, o perito efetuará a demarcação e colocará os marcos necessários, operações que serão, obrigatoriamente, consignadas em planta e memorial descritivo com as referências convenientes para a identificação, a qualquer tempo, dos pontos assinalados (observada a legislação especial que dispõe sobre a identificação de imóvel rural) (NCPC, art. 582, caput e parágrafo único).

Juntado aos autos o relatório dos peritos, que deverá ser confeccionado na forma dos arts. 583/585 do NCPC, o juiz determinará que as partes sobre ele se manifestem no prazo comum de 15 (quinze) dias, lavrando-se, em seguida, o auto de demarcação em que os limites demarcados serão descritos de acordo com o memorial e a planta (NCPC, art. 586, caput e parágrafo único).

Por fim, assinado o auto pelo juiz e pelos peritos, será proferida a sentença homologatória da demarcação (NCPC, art. 587).

9. DA DIVISÃO

9.1 DA PETIÇÃO INICIAL

Além dos requisitos do art. 319 do NCPC, a petição inicial na ação de divisão também será instruída com os títulos de domínio do promovente, e conterá: a indicação da origem da comunhão e a denominação, a situação, os limites e as características do imóvel. O nome, o estado civil, a profissão e a residência de todos os condôminos, especificando-se os estabelecidos no imóvel com benfeitorias e culturas, e as benfeitorias comuns (NCPC, art. 588, caput e incisos).

9.2 DA CITAÇÃO, RESPOSTA E SENTENÇA

As citações serão realizadas tal como a ação de demarcação, ou seja, por edital (NCPC, art. 589), prosseguindo-se, após, na forma dos arts. 577 e 578 do NCPC. Todo o restante do procedimento de divisão, até a prolação da sentença, será igual ao da demarcação, com prazos idênticos de resposta.

9.3 DA EXECUÇÃO MATERIAL DA DIVISÃO

Depois do trânsito em julgado da sentença, iniciam-se os trabalhos de efetiva divisão, na forma dos arts. 590 e ss. Do NCPC.

CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como escopo a análise das ações de demarcação e divisão de terras particulares, bem como seus requisitos e peculiaridades, sob a égide das normas do Novo Código de Processo Civil e também da doutrina pertinente, sem, contudo, pretender esgotar o tema.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Lei nº. 13.105, de 15 de março de 2015 (Novo Código de Processo Civil).

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Procedimentos especiais – 10ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. – (Sinopses jurídicas; v. 13).

HUMBERTO, Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais – vol. III – Rio de Janeiro: Forense: 2014.

[1] HUMBERTO, Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais – vol. III – Rio de Janeiro: Forense: 2014, versão digital, p. 270.

[2] Idem.

[3] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Procedimentos especiais – 10 ed. – São Paulo: Saraiva, 2012 (Sinopses jurídicas; v. 13), versão digital, p. 95.

Lucas Cotta de Ramos - Advogado, professor e autor de vários artigos e textos jurídicos.
Fonte: JusBrasil

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