Em matéria probatória não podemos dizer que o Novo CPC (Lei n° 13.105/2015) vem para trazer reformulações amplas no sistema posto. E nem poderia. A sistemática das provas, como uma teoria geral e as disposições referentes às provas em espécie, nunca foi tema de maiores traumas na doutrina e na jurisprudência, principalmente em razão da boa técnica adotada pelo Código Buzaid. Assim, o que se nota com o novel modelo adjetivo são alguns ajustes, a fim de que se obtenha com cada meio probante tipificado o máximo de resultado dentro do processo. Reforçam-se os poderes instrutórios do magistrado, como também se autoriza maior liberdade para a participação ativa das partes litigantes na produção da prova, o que tende a afastar a malfadada lógica pretoriana de que “o juiz é o destinatário da prova”. Sabido que os destinatários da prova são todos os agentes envolvidos na relação jurídica processual, sendo importante realmente esse movimento de cooperação processual, repercutindo o princípio processual constante já no art. 6° do Novo CPC: “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Avancemos, pois, para o exame comparativo dos diplomas processuais, sob a ótica da prova pericial e da inspeção judicial, meios típicos que em muito se assemelham.
A necessidade da prova pericial está ligada a questões técnicas, conforme regula o art. 420 CPC/1973; art. 464 do Novo CPC. Mesmo porque não deve ser realizada quando for desnecessária em vista de outras provas produzidas (entenda-se: prova documental já acostada ao processo). Trata-se de meio de prova técnico, importantíssimo quando há necessidade de aprofundamento da instrução (fase instrutória, pós saneamento). Na verdade, é prova tão relevante, que pode ser verificada mesmo em fase de execução, para fins de quantificação dos valores devidos, com a possibilidade de abertura de incidente de liquidação de sentença.
Na forma tradicional, deve a prova pericial ser produzida depois da prova documental e antes da audiência de instrução e julgamento, mesmo porque podem os peritos, oficial e assistentes, comparecerem à audiência para responderem quesitos de esclarecimento (art. 435 CPC/1973, art. 477 do Novo CPC).
Observa-se, no entanto, de acordo com o art. 139, VI do Novo CPC que o juiz poderá inverter a ordem das provas, se se mostrar mais adequado à regular tramitação do feito, diante da realidade do caso sub judice – certamente ouvindo previamente as partes litigantes, como determina o comando geral do Codex contido no art. 10: “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
Há ainda condição da prova técnica indispensável não ser produzida, quando emprestada de outro feito. Nessa hipótese, de prova atípica na órbita do CPC/1973 e que passa agora a ser regulada pelo Novo CPC no art. 372, opera-se o translado da prova de processo originário para processo secundário, devendo ter (em ambos os processos) a participação da parte contra quem a prova desfavorece, sendo então importante o estabelecimento do contraditório no processo originário com a participação ao menos desta parte – em caso de não existir essa identidade, pode-se cogitar de utilização dessa prova não com o peso de prova emprestada (que determinaria a desnecessidade de realização da prova técnica no feito secundário), sendo recebida como prova documental unilateral (pré-constituída – sendo inclusive essa a forma que vai assumir no feito a ser julgado), a estar obrigatoriamente sujeito ao contraditório no momento de ingresso no processo secundário. O aludido art. 372 do Novo CPC, de modo muito econômico, somente regula que o juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório. Outra medida substitutiva da tradicional perícia oficial, mais aprofundada pelo Novo CPC, cinge-se à produção de “prova técnica simplificada”. Regula o art. 465, parágrafos 2° a 4° da Lei n° 13.105/2015 que é viável tal medida quando o ponto controvertido for de menor complexidade, cabendo daí ser feito tão somente a inquirição do especialista, pelo juiz, sobre ponto controvertido da causa que demande especial conhecimento científico ou técnico. Agora, sendo necessária a perícia oficial, o Novo CPC destaca que o juiz nomeará expert “especializado no objeto da perícia”, a fim de que realmente se tenha o melhor resultado possível, garantindo também economia processual. Por outro lado, forçoso reconhecer que as partes, pelo novo texto, podem interferir mais na escolha do perito, auxiliando o Estado-Juiz nessa missão. A uma pelo fato de as partes poderem estabelecer uma espécie de acordo de procedimento, conforme regulamenta o art. 191 do Novo CPC, trazendo ao processo um projeto de sequência da instrução, inclusive com o nome do perito oficial escolhido de comum acordo entre os litigantes; a duas pela circunstância de ser possível a realização de audiência de saneamento no processo, conforme regulamenta o art. 357, parágrafo 3° do Novo CPC, a fim de que em causas de maior complexidade o prosseguimento para realização da prova pericial seja feito “em cooperação com as partes”, de modo presencial. A nomeação dos assistentes técnicos e indicação de quesitos até realização da data da perícia oficial é momento ímpar no processo. A participação dos assistentes técnicos em contraditório pleno com o perito oficial é importante para a qualidade do resultado da perícia. Daí por que entendemos perfeitamente viável ser prorrogado, pelo Juízo, o prazo para apresentação dos assistentes e mesmo o encaminhamento dos quesitos ao perito oficial, na situação do procurador da parte não ter cumprido com o prazo legal para tais medidas, contados a partir da intimação da data aprazada para o evento solene. Pelo CPC/1973 o prazo era de 5 dias, conforme dicção do art. 421; já pelo Novo CPC o prazo é de 15 dias de acordo com o art. 465. Louvável o acréscimo de prazo regular, diante da importância da medida, como explicado. Ademais, pela sistemática do Novo Codex, temos a confirmação da possibilidade de prorrogação de prazo no amplo dispositivo contido no art. 139, VI, a autorizar que o juiz não só altere a ordem das provas, mas também prorrogue prazos na instrução. Trata-se aqui de típico prazo dilatório, que pode ser prorrogado em situações excepcionais. Pela relevância da participação do perito assistente (necessário no estabelecimento do contraditório técnico) e dos próprios quesitos judiciais (a nortear a perícia, fazendo com que o laudo oficial contenha dados efetivamente úteis à solução do litígio), parece-nos acertado que eventual não cumprimento estrito desse prazo regular pela parte não mereça censura judicial tão grave. Há de se destacar, in casu, a incrível exiguidade de tal comando legal, notadamente no modelo Buzaid – a admitir ponderação do julgador, desde que requerida dilação de prazo pela parte interessada (art. 139, parágrafo único Novo CPC).
O que chamamos de “contraditório técnico” envolve a participação do assistente desde o início da produção da prova pericial, passando muitas vezes (a) pelo auxílio ao advogado na confecção dos quesitos, (b) pela presença no dia da perícia, colaborando com o perito oficial em tudo que puder, (c) e pela análise do laudo oficial, com apresentação de laudo escrito a respeito. Ainda, confirma o Novo CPC, o perito ou os assistentes técnicos poderão ser chamados para prestarem derradeiros esclarecimentos em audiência, quando serão intimados “por meio eletrônico, com pelo menos 10 dias de antecedência da audiência”, nos exatos termos do art. 477, parágrafo 4° da Lei n° 13.105/2015. Diz, ademais, o Novo CPC no art. 469, que as partes poderão apresentar quesitos suplementares durante a diligência, “que poderão ser respondidos pelo perito previamente ou na audiência de instrução e julgamento”. Portanto, a participação dos assistentes técnicos, em desejável sintonia fina com o perito oficial, é importante para formar o contraditório técnico, seja no momento de realização do ato solene, seja no momento de entrega do laudo do assistente nos autos, seja na oportunidade de derradeiros esclarecimentos em audiência de instrução e julgamento – repisando-se que muitos desses esclarecimentos (via quesitos suplementares encaminhados ao perito oficial) são propostos pelos próprios assistentes, repassados ao procurador constituído nos autos pela parte litigante. É, por isso mesmo, razoável o posicionamento judicial, comum na prática forense, de analisar com certa desconfiança o laudo do assistente técnico juntado aos autos, quando há nele críticas firmes ao laudo oficial, mas se confirma que o assistente simplesmente deixou de comparecer ao evento solene. Seja como for, não estamos aqui defendendo que a juntada aos autos do laudo do assistente não tenha qualquer valor. Bem pelo contrário, temos posição formada de que aqui também é o espaço para ser reconhecido o direito da parte de provar as suas alegações (ainda mais quando o laudo oficial é manifestamente contrário aos seus interesses). Por isso entendemos que o prazo para juntada do laudo do assistente é dilatório, como na verdade todos os prazos na instrução. A visão tradicional (e largamente difundida) da utilização da preclusão processual desemboca em aplicar rigidamente o ditame constante no art. 433, parágrafo único do Código Buzaid, determinando assim que se, em dez dias da juntada do laudo oficial e independentemente de intimação, as partes (prazo comum) não juntarem respectivamente os pareceres dos seus assistentes técnicos, não mais poderão fazer. Não parece, realmente, ser esse entendimento jurisprudencial o melhor caminho. Na verdade, caberia ao julgador, relativizando a letra fria do código de acordo com o direito constitucional prioritário à prova, viabilizar a juntada posterior do laudo do perito assistente, se assim fosse possível e requerido pela parte interessada – que, no prazo legal de dez dias a contar da intimação da juntada do laudo oficial, deveria informar da impossibilidade de cumprimento do prazo e requerer expressamente a posterior juntada dentro de prazo razoável. Extrai-se inegavelmente da CF/88, a máxima de que a prova é algo fundamental para o processo, que não é algo acessório, que não pode ser simplesmente indeferido pelo magistrado sem maiores repercussões. Se é bem verdade que há disposição expressa a respeito do macro princípio da “efetividade”, conforme preconiza o novel inciso LXXVIII do art. 5°, há dispositivos constitucionais – embora menos explícitos – que se colocam mais propriamente a favor da prova, inclusive a pericial, voltados ao macro princípio da “segurança jurídica”, no sentido de garantia de aproximação do juiz da verdade no caso concreto. Pelo Novo CPC, o art. 477 passa a regular o prazo para juntada do laudo do assistente técnico em 15 dias, o qual deve ser visto como dilatório com maior facilidade, diante do já explicitado teor do art. 139, VI. Ainda a repisar nesse momento, há de se dizer que o parágrafo único do art. 139 do Novo CPC justamente estabelece, de acordo com o teor do nosso parágrafo anterior, que a dilação somente pode ser determinada se houver requerimento expresso da parte nesse sentido dentro do prazo regular concedido. É fundamental a regra da liberdade motivada dos julgamentos autoriza relativização parcial ou mesmo total do laudo oficial, diante dos demais elementos de prova (preponderância de provas, art. 436 CPC/1973; art. 479 do Novo CPC). Se em matéria de prova documental a disposição do contraditório, contida no art. 398 CPC/1973 (art. 437 do Novo CPC), é a referência mais importante e lembrada, em matéria de prova pericial o paralelo deve ser feito com o previsto no art. 436 do diploma processual (art. 479 do Novo CPC); cuja exegese a contrário revela que, em situações hodiernas, o laudo pericial há de ser prestigiado “em face das demais provas, sem que isso represente retrocesso à prova legal ou o estabelecimento de hierarquias”. Mesmo assim, em razão do modelo contemporâneo de valoração da prova (persuasão racional, art. 131 CPC/1973; art. 371 do Novo CPC), o magistrado não está vinculado ao resultado da prova pericial – mesmo porque qualquer entendimento diverso autorizaria a conclusão de que o juiz pode transferir o seu poder de julgar a terceiro sem legitimidade política. Aliás, o novel art. 479 expressamente agora faz vinculação ao art. 371, referindo que “o juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371”; o qual, por sua vez, fixa que “o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação do seu convencimento”.
O que ocorre, não raro na prática forense, é que o magistrado se vê impedido de julgar a causa fora dos contornos do laudo pericial, em razão de a parte prejudicada com o laudo não ter conseguido apresentar meios lícitos aptos a relativizar o documento técnico. Nesse contexto, se a parte não se desincumbiu do seu ônus probatório, realmente não há como o Estado-Juiz se valer do comando legal que autoriza desconsiderar o teor do resultado pericial: “ainda que o art. 436 do Código de Processo Civil disponha que o Juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, certo é que, à luz do modelo de constatação fática aplicável ao caso, não há elementos ou provas outras que autorizem conclusão diversão daquela a que chegou a Magistrada a quo”. Por isso, que dentro do contexto do Novo CPC torna-se relevante a regra de fixação dos ônus da prova – e eventual dinamização desse ônus – já ao tempo de saneamento do processo, conforme dicção do art. 357, III c/c art. 373 da Lei n°13.105/2015; lembrando que essa decisão interlocutória desafia agravo de instrumento, como consta nos numerus clausus contidos no art. 1015 da Lei n° 13.105/2015, inciso XI. Temos que, pelo Novo CPC, a disciplina dos ônus de prova seguem sendo regras de julgamento, tanto é que expressamente agora o diploma adjetivo, no art. 371, aponta que o magistrado apreciará a prova constante dos autos, “independentemente do sujeito que a tiver promovido”. No entanto, entendemos que não pode a parte ser surpreendida em sentença com inversão ou dinamização do ônus que não havia sido explicitada e que se encontra em descompasso com a tradicional fórmula de que ao autor incumbe a prova do fato constitutivo do seu direito, enquanto ao réu incumbe a prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito adverso. Encerrando esses breves comentários da prova pericial – paralelo entre o CPC/1973 e o Novo CPC/2015 – devemos examinar a possibilidade judicial de autorização de uma segunda perícia, sem exclusão dos resultados da primeira, a fim de que melhor se examine a questão técnica (art. 437 CPC/1973; art. 480 do Novo CPC). Trata-se de hipótese em que, a requerimento da parte ou mesmo de ofício, o magistrado se convence que a matéria não está suficientemente esclarecida, sendo daí razoável que outro profissional colabore com o deslinde da causa apresentando seu parecer técnico. Cabe ao juiz, em sentença, apreciar livremente o valor de uma e outra perícia, mas desde que de forma aprofundada (conforme novel e criterioso comando contido no art. 499 do Novo CPC), aproveitando, inclusive, aspectos relevantes de cada uma delas para se obter qualificada síntese apta ao esclarecimento dos objetos litigiosos do processo.
Comparando o teor do novel art. 480 com o anterior art. 437, vê-se que no comando legal da segunda perícia consta agora “o juiz determinará” e não “o juiz poderá determinar”. Com isso, claramente se reforça os poderes instrutórios do magistrado, confirmando como irremediável a relativização do princípio dispositivo em sentido impróprio (ou processual), ao passo que ratificada a liberdade do Estado-Juiz para produção oficiosa de prova, mesmo que esteja com os autos aptos a julgamento e já encerrada a instrução, sempre com o intuito de ser dada a mais qualificada prestação jurisdicional, o que se atinge quando há aproximação do julgador com a verdade (formal) do caso sub judice. Quanto à inspeção judicial, as disposições constantes nos arts. 440/443 do CPC/1973 são mantidas pelo Novo Codex, nos arts. 481/484. O juiz, como diretor do processo, pode a qualquer tempo analisar diretamente o objeto litigioso (pessoa ou coisa), desde que se mostre necessário – embora defendemos a sua aplicação sempre que possível, considerando que o contato do magistrado com circunstâncias do processo é de vital importância em muitas ações específicas. A inspeção, como meio de prova tipificado, pode ser feita em audiência, em gabinete (excepcionalmente) ou em “in loco”, quando não puder ser apresentada ao diretor do processo dentro do foro – e sempre que houver necessidade de o magistrado melhor avaliar ou esclarecer um fato controvertido. Vê-se, pois, como pode ser desenvolvida com profundidade a instrução na audiência derradeira, sendo feitos inúmeros movimentos probatórios e periciais destacados no item anterior, com a complementação de uma medida de inspeção direta pelo julgador da demanda. As partes, é importante que se registre, têm o direito de acompanhar a inspeção, fazendo observações úteis – situação que garante o contraditório, indispensável também nesse meio direto de prova. As conclusões da inspeção judicial devem compor um “auto circunstanciado”, com dados úteis à solução do litígio – situação que indicaria para a importância do mesmo juiz julgar a causa, decorrência lógica do princípio da identidade física. À toda evidência, a atividade do juiz nesse caso se assemelha muito a de um perito oficial, mesmo porque: (a) pode ser assistido de experts, (b) ouve as partes no local da inspeção como se fossem assistentes, (c) poderá instruir o auto com desenho, gráfico ou fotografia. Daí por que propomos fazer esses comentários ao Novo CPC articulando os conceitos de prova pericial e inspeção judicial, seguros de que a Lei n° 13.105/2015 vem em boa hora propor alguns pontuais (e oportunos) ajustes, auxiliando na aproximação do Estado-Juiz, mas também das partes litigantes, da verdade dos fatos controvertidos no processo.
Fernando Rubin – Mestre em Direito Processual Civil Professor de Graduação e Pós-graduação em Direito Processual Civil – Advogado
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