quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

DO ABUSO NA ABORDAGEM DA VENDA DE IMÓVEIS POR "TIME - SHARING"


No mundo moderno das relações de consumo surgiu a possibilidade de adquirir propriedade de uma forma inovadora, por meio do contrato de “time-sharing”.

Por meio desse contrato o consumidor tem a possibilidade de adquirir uma fração da propriedade, adquirindo o direito de hospedagem em um imóvel com toda uma estrutura e localização turística durante um determinado lapso de tempo, cuja quantidade de tempo é determinada pelo contrato, adaptando-se ao período escolhido pelos demais co-proprietários que também adquiriram uma fração do referido imóvel.

A administração geralmente é realizada por empresas de hotelaria que possuem experiência no ramo, ficando encarregado de captar novos co-proprietários, bem como organizar a disponibilidade de moradia pelo lapso de tempo específico para cada um deles.

Nesse modelo de negócio, os grandes grupos hoteleiros que farão a administração dos imóveis, ficam encarregados de captar novos clientes vendendo as frações disponíveis.

É exatamente nessa captação que há o assédio nas relações de consumo, um verdadeiro abuso na divulgação e abordagem realizada pelos “vendedores”, que seduzem o consumidor realizando um elogio, oferecendo um mimo, mas tendo como único objetivo a venda do contrato de “time-sharing”.

Para um melhor entendimento do abuso, é mister destacar o “modus operandi” dos vendedores, que inicialmente identificam potenciais compradores, muitas vezes famílias, casais. Tentam de alguma forma chamar atenção para si, fazendo um elogio aos consumidores, “puxando” conversa, ou seja, seduzindo os consumidores. Após, oferecem um benefício ao consumidor, como um voucher de descontos, uma foto naqueles super carros ou até mesmo estadia em hotéis. Entretanto, para ter acesso aos brindes, o consumidor obrigatoriamente necessita assistir uma palestra ou apresentação, que pode durar horas.

Após a palestra ou apresentação, o consumidor é conduzido a uma mesa de negociação, sendo-lhe oferecido uma fração do imóvel que desejam vender. Nesse momento o assédio atinge o seu ponto alto, pois o vendedor insiste de forma exaustiva para que o consumidor adquira a propriedade. Caso o consumidor não aceite, o vendedor informa que chamará o seu supervisor, ao qual fará a avaliação do atendimento.

O supervisor também insiste de forma abusiva para que o consumidor adquira a propriedade por meio do contrato de “time-sharing”. O consumidor mais uma vez, informa que não possui interesse. Deste modo, o supervisor informa que chamará o gerente para fechar o atendimento.

Nessa esteira, o gerente também insiste de forma abusiva para o consumidor adquirir a propriedade. O consumidor nessa altura já está irritado, perdendo um tempo precioso de sua vida, sendo assediado ferozmente à adquirir algo que não deseja. Um verdadeiro assédio nas relações de consumo.

Em outras localidades, como em Olímpia, interior de São Paulo, os vendedores de “time-sharing” se posicionam perto dos hotéis, no meio da rua, pendido que os consumidores parem seus veículos, como se guarda de trânsito fossem, abordando os consumidores dentro de seus veículos. Um verdadeiro absurdo e desrespeito.

Entendemos que o referido assédio é abusivo, pois submete o consumidor a um marketing exagerado, tirando do consumidor seu estado de normalidade, ensejando um desconforto, irritação, podendo se caracterizar como publicidade abusiva, sendo aquela ilícita por trazer como conteúdo o abuso de direito. Dispõe o art. 37, § 2º, da Lei 8.078/1990, em tom mais uma vez exemplificativo, que são abusivas, dentre outras, a seguinte: A publicidade que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança, como é o caso.

Enquanto os projetos de lei 283/12 e 3515/15 que tratam especificamente sobre assédio nas relações de consumo não saem do papel no legislativo, há possibilidade de aplicar os princípios constates no Código de Defesa do Consumidor, bem como os constantes do Código Civil, destacando-se a função social dos contratos, bem como a boa-fé objetiva (pré-contratual) para coibir os abusos narrados no texto, podendo inclusive condenar tais fornecedores em perdas e danos, se o caso.

Ageu Camargo - Advogado. Palestrante. Especialista em Direito do Consumidor, Direito Civil e Processo Civil. Professor de Direito da Universidade Guarulhos. Professor de Direito do Consumidor em cursos preparatórios para o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, associado do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON).

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