Um dos pontos que mais causa dúvidas às famílias que organizam seu planejamento sucessório é gestão de seu patrimônio imobiliário. Independentemente da quantidade de imóveis, seu valor costuma ser de considerável participação no patrimônio familiar e os custos atrelados a qualquer transmissão de propriedade podem, quando não devidamente previstos, prejudicar as finanças e levar a muito desconfortáveis endividamentos.
Dentre diversas questões que podem ser consideradas e estudadas neste assunto, este artigo pretende detalhar uma que, apesar de relativamente simples, causa uma série de confusões, estranhamentos e, não raro, orientações equivocadas: o valor de transferência do imóvel herdado.
Isto pois há basicamente dois tributos que devem ser considerados na sucessão causa mortis do patrimônio imobiliário: o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) e o Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF).
O ITCMD é um tributo estadual que, apesar de previsto no artigo 155, inciso I, da Constituição Federal, jamais foi devidamente regulamentado nacionalmente por meio de Lei Complementar. Isto permite que os Estados e o Distrito Federal regulamentem-no por conta própria, sem diretrizes unificadas, levando a alguma variação no formato e conteúdo de suas normas. No que interessa a este artigo, porém, há um bom nível de uniformidade legislativa: a maior parte dos Estados e o Distrito Federal consideram, como base de cálculo do ITCMD na sucessão de bens, como imóveis, o seu valor venal, isto é, o seu valor de mercado.
A apuração do valor venal, contudo, não costuma ser tarefa simples, na medida em que o valor de mercado de um imóvel tende a ser refletido muito mais como algo dentro de uma determinada margem do que como um valor exato. A fim de evitar que contribuintes estimem valores venais muito baixos e, com isso, recolham menos ITCMD, os Estados lançam mão de mecanismos variados para ter algum nível de ingerência na apuração do tributo, seja estabelecendo um patamar mínimo – como no caso do Estado de São Paulo, que estabelece valor venal mínimo de imóveis urbanos como aquele apurado pelas prefeituras, para fins de IPTU, ou para fins de ITR, no caso de imóvel rural (Lei Paulista 10.705/00, artigo 13) –, seja chegando a determinar unilateralmente, em procedimento interno próprio conduzido pelas autoridades fiscais, qual é o valor venal para fins de apuração de ITCMD – como no caso do Estado da Bahia (Lei Baiana 4.826/89, artigo 10).
Caso o contribuinte entenda que o critério de apuração do valor venal previsto pela legislação local deste do efetivo valor de mercado de seu imóvel, será sempre possível questioná-lo – se não administrativamente, judicialmente.
Já o IRPF é um tributo federal que incide sobre a maior parte dos acréscimos patrimoniais auferidos por pessoas físicas. Dentre os acréscimos patrimoniais excepcionalmente não sujeitos ao IRPF, encontra-se exatamente o valor dos bens adquiridos por herança, como é o caso de imóveis, haja vista o artigo 6º, inciso XVI, da Lei 7.713/88. Ainda assim, poderá haver ganho de capital tributável caso o valor conferido ao imóvel no momento da sucessão seja superior ao valor de aquisição do imóvel pelo de cujus.
Isto pois, conforme indicado no artigo 23 da Lei 9.532/97 e replicado no artigo 130 do atual Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR), o inventariante poderá escolher se o imóvel será transmitido aos herdeiros por seu valor histórico (isto é, o valor pelo qual o de cujus declarava o imóvel) ou por seu valor de mercado. Caso o inventariante opte pelo valor histórico, os herdeiros receberão e declararão o imóvel herdado pelo mesmo valor que o de cujus declarava, sem refletir eventual valorização do imóvel; caso contrário, os herdeiros receberão e declararão o imóvel herdado por seu valor de mercado, de modo que a diferença entre este e o valor histórico – ou a valorização do imóvel – será tributada como ganho de capital a alíquotas de 15% a 22,5%.
Como se nota, portanto, heranças imobiliárias, ainda que sujeitas ao ITCMD, estarão sujeitas à incidência de IR sobre sua valorização (ganho de capital) desde que assim decida o inventariante. É comum esta situação causar algum estranhamento pois, caso o inventariante utilize-se da faculdade prevista pelo artigo 23 da Lei 9.532/97 e declare, para fins de IR, a transferência do imóvel por seu valor histórico, haverá uma divergência entre o teor do inventário (no qual o imóvel será declarado por seu valor de mercado) e as futuras declarações de IRPF dos herdeiros (nas quais o imóvel será declarado por seu valor histórico).
Em que pese tal divergência, este procedimento é legítimo e previsto em lei. Ainda assim, há de se questionar por que o inventariante decidiria declarar, para fins de IR, a sucessão de um imóvel por seu valor de mercado, recolhendo IR sobre eventual ganho de capital, se lhe é legalmente permitido optar pelo valor histórico e, com isso, postergar a apuração do ganho de capital e recolhimento de IR para uma futura venda, já por parte dos herdeiros.
Trata-se, sem dúvidas, de uma questão de planejamento e estratégia que deverá ser analisada em cada caso. Há, por exemplo, mecanismos legais que permitem uma significativa redução do ganho de capital tributável caso o imóvel tenha sido adquirido há muitos anos – mecanismo que será desperdiçado caso o inventariante decida por transferi-lo aos herdeiros por seu valor histórico, afinal a sucessão causa mortis será considerada, para estes fins, como uma nova aquisição do imóvel por parte dos herdeiros.
Em termos práticos: para herdeiros que desejem vender o imóvel herdado será tendencialmente mais vantajoso recolher IR sobre um ganho de capital significativamente menor já no momento da sucessão – isto é, optar pela transferência pelo valor de mercado – do que optar pelo valor histórico a fim de recolher o IR somente em uma futura venda mas, com isso, recolher IR muito maior.
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Gustavo Andrejozuk é sócio da área tributária do escritório Gomes, Navarro, Babinski e Andrejozuk Advogados.
Fonte: Migalhas
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