Introdução
Através deste breve ensaio pretende-se demonstrar a importância da função socioambiental da propriedade como uma das garantias do desenvolvimento sustentável, assim compreendido como aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer os recursos necessários a garantir uma existência digna das futuras gerações.
Pelo princípio da função socioambiental da propriedade, um dos requisitos para que a propriedade rural alcance a sua função social é o respeito à legislação ambiental, assim como para a propriedade urbana, é a observância da preservação ambiental pelo plano diretor1 condição sine qua non a se alcançar o desenvolvimento com sustentabilidade.
A propriedade e sua função socioambiental
A origem da noção de propriedade nos remete aos primórdios da vida em sociedade e o princípio da função social da propriedade como a conhecemos hoje, resulta das mudanças econômicas, políticas, sociais e jurídicas ao longo do tempo.
Na linguagem jurídica, a palavra propriedade, do latim proprietas, é a condição em que se encontra a coisa, que pertence, em caráter próprio e exclusivo, a determinada pessoa.
No Direito Romano, a propriedade era definida como o poder jurídico absoluto e exclusivo sobre uma coisa corpórea, assim, podia o proprietário usar, gozar e dispor da coisa sem qualquer interferência alheia no exercício de seus direitos. Havia duas espécies de propriedades: a quiritária, protegida pelo direito civil e a pretoriana, baseada em criação jurisprudencial dos magistrados.
Em meados do século XVIII, sob influência do pensamento liberal e da revolução industrial, a propriedade passa a ser considerada como um direito natural contraposto ao poder estatal, passando o proprietário a gozar de poderes invioláveis e absolutos sobre o bem.
Este pensamento passa a sofrer modificações a partir do século XX, em especial em um cenário devastador provocado pela I e II Guerras Mundiais, com maior intervenção do Estado na vida econômica e no próprio direito de propriedade.
O Estado liberal dá lugar ao Estado social, momento em que se passa a impor limitações aos direitos subjetivos individuais em benefício de existência digna e bem-estar social.
A função social da propriedade, urbana e rural, foi inserida dentre pilares da ordem econômica nacional pela Constituição Federal de 1988, notadamente em seus arts. 170, III, 182, §2º e 186, I e II2.
A Constituição Federal também dedica especial atenção à importância e garante o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, nos termos do art. 2253.
Assim, a função socioambiental passou a integrar o conceito de propriedade uma vez que o Ordenamento Jurídico tem buscado tutelar cada vez mais o uso consciente e adequado da propriedade, do ponto de vista social e ambiental.
O regime jurídico da propriedade sofreu um processo modificativo ao longo da história, impondo-se uma nova concepção da propriedade a fim de atender aos interesses coletivos e promover o bem da coletividade.
O tema é de grande importância por integrar a vida em sociedade desde seus primórdios. Logo após a vida e a liberdade, a propriedade é um dos direitos mais tutelados pelo Direito.
A tutela jurídica à propriedade, mais precisamente à posse é tamanha, que sua defesa constitui rara exceção à autotutela, permitindo o Código Civil a defesa direta da posse pelo turbado ou esbulhado, nos termos do §1º do art. 1.2104.
A licitude do ato encontra respaldo no mesmo Códex, em seu art. 188, I5, que não considera ato ilícito o praticado em legítima defesa e no exercício regular de um direito reconhecido.
Em consonância com o disposto na Carta Magna, dispõe, ainda, o Código Civil, em seu art. 1.228, §1º6, que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados o meio ambiente, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
Nesse passo, no meio urbano, o Estatuto da Cidade, lei 10.257/01, regula todo o capítulo de política urbana disposto na Constituição Federal em seus arts. 182 e 1837 que determinou, dentre outros, a criação do Plano Diretor em todos os municípios da federação, de modo a garantir o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante diretrizes, tais como, a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.
No meio rural, a lei 12.651/2012 (Código Florestal), estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal, bem como a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, prevendo, ainda, instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos, com influência direita no agronegócio.
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1 AMADO, Frederico. Direito Ambiental esquematizado. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2012, p. 69.
2 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
III - função social da propriedade;
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
3 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
4 Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 1 o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
5 Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
6 Art. 1.228.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
7 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
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Wilson de Alcântara Buzachi Vivian é advogado na banca Advocacia Ramos Fernandez desde 2003. Mestre em Direito e Especialista em Direito Imobiliário pela FADISP-Faculdade Autônoma de Direito – São Paulo.
Fonte: Migalhas
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