terça-feira, 14 de janeiro de 2020

O INCORPORADOR PODE DESISTIR DO EMPREENDIMENTO?


A incorporação imobiliária é a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.

Assim, antes de se dar início às vendas das futuras unidades autônomas (de apartamentos, por exemplo), deve o incorporador arquivar a incorporação no cartório de registro de imóveis competente, apresentando diversos documentos cujo rol se encontra no art. 32 da Lei nº 4.591/64.

Assim, suponha que o incorporador deu início à incorporação e lançou seu empreendimento, mas verificou que o mercado imobiliário não estava propício àquele lançamento. Sendo assim, o incorporador poderia desistir da incorporação? A questão será respondida à seguir.

I - O incorporador pode desistir do empreendimento?

Para responder a esta questão, é importante observar o teor do art. 34 da Lei nº 4.591/64:

O incorporador poderá fixar, para efetivação da incorporação, prazo de carência, dentro do qual lhe é lícito desistir do empreendimento

Assim, a lei dá o direito do incorporador fixar o chamado "prazo de carência", que seria basicamente um prazo em que o incorporador poderia desistir do empreendimento.

Portanto, caso estabeleça o prazo de carência, pode o incorporador desistir.

II - Pode o incorporador desistir do empreendimento sem ter fixado o prazo de carência no cartório?

Se o incorporador não fixou o prazo de carência no cartório ou se o fixou, sem que fosse por declaração expressa, à partir do momento em que negociar qualquer unidade imobiliária, estará o incorporador obrigado a promover a incorporação.

Sendo assim, não poderá ele desistir do empreendimento.

III - Como estabelecer o prazo de carência e qual seria esse prazo?

O prazo de carência será estabelecido através de declaração expressa, junto ao cartório de registro de imóveis competente.

O prazo em questão, segundo o art. 34, § 2º da Lei nº 4.591/64, não pode ultrapassar o termo final do prazo de validade do registro.

Assim, como a lei estabelece que o prazo de validade do registro é de 180 dias (art. 33 da Lei nº 4.591/64), não pode o prazo de carência superar este valor. Conta-se, pois, o prazo de carência da data do registro da incorporação imobiliária no Cartório de Registro de Imóveis competente.

Portanto, o prazo de carência pode ser qualquer um, desde que não ultrapasse os 180 dias.

IV - A desistência do incorporador deve ter uma explicação?

Na declaração que estabelecer o prazo de carência, deverá o incorporador especificar, de forma clara e objetiva, as razões que permitirão eventual desistência da incorporação, com as quais ficará o incorporador rigorosamente vinculado.

Essas razões poderiam ser, por exemplo, dificuldades jurídicas e administrativas, problemas de ordem técnica na edificação, conjuntura financeira negativa, reação negativa do mercado na aceitação ou receptividade do empreendimento imobiliário, manifestações populares organizadas contra o empreendimento, etc.

V - Uma vez estabelecido o prazo de carência, como o incorporador pode evitar problemas com o consumidor?

Suponha-se que o incorporador estabeleceu, nos moldes da lei, o referido prazo e carência. Suponha-se, ainda, que algumas unidades imobiliárias foram prometidas a venda a alguns consumidores.

Se o incorporador estabeleceu prazo para desistir do empreendimento, ele deve mencionar a existência do prazo em todos os documentos e materiais que envolver o empreendimento, tais como documentos preliminares e contratos. Nesses documentos deve haver cláusula expressa e destacada neste sentido (art. 32, § 3º da Lei nº 4.591/64).

VI - Como deve ser feita a desistência?

Se o incorporador efetivamente desistir, ele deve protocolar requerimento junto ao cartório de registro de imóveis. Nesta comunicação, deve constar:
- os motivos que levaram o incorporador a desistir do empreendimento
- os documentos que comprovem que os adquirentes foram devidamente comunicados por escrito da desistência da incorporação
- declaração firmada pelo incorporador de que não houve celebração de nenhum documento de venda, promessa de venda ou de ajuste preliminar, etc.
- a data e assinatura do incorporador, com firma reconhecida por tabelião de notas da localidade do imóvel

Ato contínuo, o oficial de registro averbará na matrícula do imóvel a respectiva desistência.

VII - E se o incorporador quis desistir, mas já passou o prazo para a desistência?

Pode ocorrer de o incorporador ter vontade de desistir do empreendimento mas deixar o prazo se esgotar. Se isso ocorrer, o proprietário do terreno pode apresentar o requerimento com a desistência, quando tiver outorgado procuração para o construtor ou o corretor de imóveis atuarem como incorporador (art. 35, § 3º da Lei nº 4.591/64).

Sendo assim, o proprietário do terreno terá o prazo de 5 dias para denunciar a incorporação ao oficial, contado a partir do término do período de carência.

Ocasião em que o proprietário do terreno ficará solidariamente responsável com o incorporador pela obrigação de restituição aos adquirentes à aquisição dos valores pagos, com seus acréscimos legais. Isso deve constar expressamente de sua comunicação ao registro de imóveis.

VIII - O cancelamento da incorporação cancela automaticamente a "venda" das unidades imobiliárias?

Por óbvio, o cancelamento da incorporação com a desistência do incorporador não gera o cancelamento automático das alienações.

Para tanto, o registrador exigirá que o incorporador apresente os seguintes documentos:
rescisão comprovada do contrato, devidamente formalizada; ou
requerimento conjunto das partes contratantes, se capazes, com firmas reconhecidas;
decisão judicial transitada em julgado

IX - Conclusão

Diante de tudo que foi explicado acima, o incorporador pode usar o prazo de carência para "testar o mercado", uma vez que a denúncia da incorporação dentro desse prazo é medida de avaliação da viabilidade do negócio.

Fellipe Duarte - Especialista em Direito Imobiliário, Registral e Notarial, Pós-graduado em Advocacia Imobiliária, Urbanística, Registral e Notarial (UNISC) e em Direito Ambiental (UFPR); Presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral da 4ª Subseção da OAB/MG (Juiz de Fora). Membro do IRIB e do IBRADIM. Advogado Imobiliário. 
Fonte: Artigos JusBrasil

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