sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

NOVAS REGRAS DE PLANOS DE SEGUROS DE FIANÇA LOCATÍCIA


No dia 11 de junho de 2019, foi publicada a Circular nº 587 exarada pela Superintendência de Seguros Privados, que dispõe sobre regras e critérios para a elaboração e a comercialização de planos de seguro no ramo de fiança locatícia. A sobredita Circular contém 29 artigos e neste último se revoga a Circular SUSEP nº 347/2007. Vejamos algumas considerações, notadamente pinçando alguns dispositivos insertos nesta Circular que julgo adequados comentar, sem prejuízo de outros pertinentes e que, de fato, propositadamente, deixo de registrá-los neste ligeiro ensaio.

O artigo 2º diz que a fiança locatícia destina-se a garantir o pagamento de indenização ao segurado pelos prejuízos que venha a sofrer em decorrência do inadimplemento das obrigações contratuais do locatário previstas no contrato de locação do imóvel, de acordo com as coberturas contratadas e limites da apólice.

Uma primeira constatação que me parecer ser pertinente e altamente adequada ao tema se refere ao que preceitua o inciso IV, do artigo 779 do CPC que dispõe sobre à possibilidade do processo de execução ser promovida contra "o fiador do débito constante em título extrajudicial", vale dizer, aquele que garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.[1]

Neste sentido, significa dizer que um "terceiro" assume com o locatário a obrigação, se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário (inciso II, do artigo 828 do Código Civil), de pagar o débito que aquele deve em razão do inadimplemento locatício. A função do seguro é exatamente esta, ou seja, acobertar na falta de pagamento de alugueis, sob a rubrica de cobertura básica, o valor que o inquilino deixa de pagar.[2]

Até porque, como prevê o § 2º do art. 2º da Circular, o plano de seguro fiança locatícia poderá prever outras coberturas para garantir as demais obrigações do locatário a título de contratação facultativa, como por exemplo, coberturas adicionais tipo: (a) pagamento de condomínio; (b) IPTU; (c) danos ao imóvel locado, entre outras, evidentemente, com a aceitação da seguradora imbricada a um prêmio complementar por tais coberturas.

A Circular em comento contextualiza a posição doutrinária de se cuidar a fiança locatícia de um pacto adjeto, isto é, funciona como um contrato acessório ao contrato de locação.[3]

Um aspecto que convida a atenção do leitor diz respeito a um elemento que se inseriu na Circular em tela: "expectativa de sinistro que seria o período compreendido entre a primeira inadimplência do garantido e a caracterização de sinistro".[4]

Impende ressaltar que, no Direito Civil, a expectativa de um direito está prevista na parte geral, quando trata no Capítulo III da Condição, do Termo e do Encargo.[5] Assim, o negócio jurídico (no caso o contrato de locação jungido com a prestação de fiança) estará subordinado a um evento futuro e incerto, que para a Circular é caracterizado por uma primeira inadimplência. Data venia, se inova ao se agasalhar no direito securitário com esta expressão (primeira inadimplência) um conceito multissecular próprio das condições suspensivas ou resolutivas imbricadas no direito material. Quid juris???[6]

Da mesma forma o artigo 21 da Circular em pauta fala na expectativa de sinistro ocasião em que a seguradora poderá prever o pagamento de adiantamentos ao segurado, correspondentes aos valores inadimplidos, até que o sinistro seja caracterizado. Faço tal afirmação frente ao fato de que o inciso IV, do artigo 4º, da norma em comento preceitua sinistro como a inadimplência das obrigações do garantido, rectius, (locatário do imóvel), cobertas pelo seguro.

No que concerne às coberturas facultativas que elenquei acima sob item "c", convido a atenção do leitor para o que está regrado no artigo 25 da mencionada Circular, ou seja, quando contratada cobertura para danos físicos ao imóvel e em caso de divergências sobre a avaliação dos danos ao imóvel haverá a designação de um perito independente. Aqui, calha à fiveleta o que disse o grande jurisconsulto Santiago Sentís Melendo, magistrado espanhol exilado na Argentina, ao afirmar que a prova testemunhal nasce antes do processo, ao passo que a pericial nasce com o processo.

Por fim, salvante o que disse alhures no que pertine a "criação da figura nominada como expectativa de sinistro" rotulado como verdadeiro sinistro, de lege lata, artigo 771 do nosso Código Civil e, de lege ferenda, artigo 70 do PLC nº 29/2017, a Circular em pauta além de moderna vem colmatar uma série de lacunas existentes em nossa legislação pertinente à espécie.

Que após 180 dias, contados da data de sua publicação[7] a nova regulamentação sobre fiança locatícia traga verdadeira segurança jurídica a todos os que dela se valham. Sub censura. Iter speratur!

NOTAS

[1] Artigo 818 do Código Civil.

[2] § 2º do art. 2º da Circular nº 587/2019.

[3] Art. 3º da Circular referenciada.

[4] inciso III do art. 4º.

[5] Artigo 121 e seguintes do Código Civil.

[6] Vide artigo 121 do Código Civil.

[7] Art. 27 da Circular nº587/2019.

Voltaire Marensi - Coordenador da área de Direito Securitário do Franco Advogados e da Cátedra de Direto dos Seguros da ANSP.
Fonte: Artigos Jus Navigandi

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