quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

A REGULAMENTAÇÃO DA LOCAÇÃO POR TEMPORADA


Não é de hoje que condomínios tentam impor as mais diversas restrições e proibições aos direitos de seus condôminos. Tudo sob a falsa e errônea premissa de que as Convenções Condominiais podem deliberar sobre qualquer tema inerente ao condomínio, sendo que tais deliberações muitas vezes tentam se sobrepor as leis e, pasmem, ao direito de propriedade garantido pela Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXII.

A discussão mais recente sobre tais limitações trata da possibilidade de os condomínios proibirem o uso de plataformas digitais para a locação de imóveis pelos proprietários das unidades condominiais.

Esse assunto vem à tona em um momento crítico do cenário econômico brasileiro. Caminhando para o fim de um período de recessão, muitas pessoas procuram alternativas para ampliar a sua renda e, em contrapartida, estas plataformas oferecem uma solução rápida para locar o imóvel, eliminando intermediários que tradicionalmente participam desta cadeia, tais como imobiliárias e corretores, por exemplo.

Apesar da praticidade oferecida pela modalidade de locação por meio de plataformas digitais, tal modelo tem encontrado grande resistência nos condomínios residenciais, os quais muitas vezes chegam a barrar a entrada dos locatários que utilizaram a plataforma, pelo mero motivo da locação não ter se dado pelos meios tradicionais e sob a infundada alegação que haveria prejuízo da segurança do condomínio.

A discussão chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente e finalmente caminha para um desfecho positivo para os proprietários de imóveis que utilizam essas plataformas.

Os principais elementos que circundam o tema são: (i) se esta modalidade de negócio se caracteriza como locação ou outro instituto; e (ii) se a convenção de condomínio pode impor restrições ao direito de propriedade.

Com relação ao primeiro assunto, o cerne desta discussão reside em definir se a disponibilização dos imóveis pelos proprietários para potenciais locatários por meio de plataformas digitais se trata de uma espécie de locação ou outra relação jurídica caracterizada pela exploração comercial.

É evidente que o objeto dos contratos firmados pelos locadores com os locatários é a disponibilização da propriedade para terceiro que ingressará na propriedade com o intuito de permanecer, ainda que por curto período, neste imóvel. É a vontade do locatário de preservar um espaço de intimidade e esfera privada próprio ainda que por um período curto e determinado.

Da mesma forma é o acertado entendimento do relator do processo que está em curso no STJ, o ministro Luis Felipe Salomão, que deixou claro em seu voto que as restrições ao direito de propriedade devem ser pensadas sob o prisma da legalidade, razoabilidade, legitimidade e proporcionalidade.

De fato, o elemento caracterizador da relação entre o locador e o locatário é a cessão do uso da propriedade por uma fração de tempo determinada. Estando este elemento presente na relação, não é possível interpretar de modo a caracterizar a relação jurídica sob um outro instituto.

Isso nos leva a segunda discussão, que diz respeito sobre a possibilidade de a Convenção Condominial restringir as locações. Por mais que a Convenção Condominial venha a dispor sobre proibições à locação por meio de qualquer plataforma digital, é importante destacarmos que, com base na legislação brasileira pertinente (Constituição Federal, Código Civil, Lei de Locações e Lei dos Condomínios), que é ilegal toda e qualquer forma de proibição ao direito usar, gozar e fruir de sua propriedade, assegurados pela Constituição Federal e previstos no Código Civil (artigo 1335, inciso I), sem uma lei específica que fundamente tal restrição.

Podemos ressaltar que existem ainda condomínios que impuseram a proibição de locar imóvel por meio de plataformas digitais, sem ao menos levar tal assunto para deliberação pelos condôminos. Além de um total desrespeito com a legislação e jurisprudência a situação beira o absurdo.

Considerando tudo o exposto acima, podemos afirmar que não cabe aos condomínios regularem o direito de locação dos proprietários de cada unidade, pois trata-se de grave restrição ao direito de propriedade.

Com o andamento apresentado pelo STJ com relação ao tema, é questão de tempo até se consolidar jurisprudência favorável as locações por meio de plataformas digitais, uma vez que evidente a inconstitucionalidade da proibição imposta por diversos condomínios. Assim, teremos o avanço das tecnologias trazendo mais praticidade para as relações entre os indivíduos e evidenciando novas discussões sobre o convívio em sociedade.
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Raphael Valentim é advogado especializado em Direito Empresarial e sócio do escritório Zilveti Advogados.
William Inoue é advogado empresarial associado da área Corporate do Zilveti Advogados.
Fonte: Migalhas

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